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A prática avaliativa sob o signo da inclusão

1. O SISTEMA DE CICLOS DE APRENDIZAGEM

2.2 A AVALIAÇÃO DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM

2.2.8 A prática avaliativa sob o signo da inclusão

As práticas avaliativas excludentes estão arraigadas no âmbito da educação escolar e, muitas vezes, são compreendidas como a forma mais eficaz, senão única, para avaliar. Contudo, este cenário está em processo de mudança, sobretudo, a partir da disseminação

da política de ciclos nos cenários nacional e internacional. Pautada na lógica de inclusão, tal política, trás consigo, novos horizontes às práticas avaliativas, tornando-as mais democráticas e qualitativas.

Importante compreender que a emergência das concepções e práticas avaliativas na perspectiva formativa está estritamente relacionada aos seguintes pressupostos: uma visão de mundo dialética; uma escola cuja função social é a formação humana do sujeito integral; aprendizagem como processo de construção do conhecimento (ativa e significativa); o ensino compreendido como um processo interativo de construção de significados; o erro entendido enquanto uma etapa do processo de aprendizagem; uma relação intersubjetiva entre docente e discente; uma intervenção pedagógica diferenciada e ativa; um currículo contextualizado; um planejamento político- pedagógico, dinâmico e flexível.

A avaliação, nesta perspectiva, é um processo permanente de coleta de informações, sobre as quais o professor pode refletir e reorganizar sua prática em função da aprendizagem de todos. Busca compreender as lacunas, subjetivas e objetivas, da aprendizagem e com isso os meios adequados para que o educando possa superá-las. Pretende, dessa forma, definir encaminhamentos e criar os modos pelos quais o aluno possa ser incluído no processo de ensino e de aprendizagem. Como afirma Freitas “as práticas de avaliação inclusiva não apenas respeitam as diferenças, mas também criam mecanismos de apoio à aprendizagem e comprometem-se com a reflexão crítica e permanente sobre o cotidiano escolar” (2005, p. 76).

Nessa lógica, a prática avaliativa consubstancia-se pelo diálogo, ou seja, pela comunicação contínua entre docente e discente; pela observação sensível e cuidadosa do educador considerando o educando em todas as suas dimensões; pela investigação constante do professor sobre as necessidades de aprendizagem do aprendente. Sobretudo, constitui uma intervenção em tempo real, possibilitando ao aluno refletir sobre suas dificuldades, para que, com isto, avance em seu processo de construção do conhecimento.

Nesse sentido, a avaliação apresenta-se como um processo intencional, sistemático, cooperativo, solidário e compartilhado, do qual são sujeitos tanto os educandos quanto os educadores. Tem como objeto o processo de ensino e aprendizagem, posto que, contribui tanto para que o professor reflita sobre seu saber- fazer docente, quanto para que o aluno compreenda seu processo de aprendizagem,

estimulando sua auto-regulação18. Assim a avaliação é ela mesma, uma atividade de aprendizagem. Méndez reitera afirmando que:

avaliar deve ser entendida como uma atividade crítica de aprendizagem uma vez que o professor aprende para melhor conhecer e para melhorar a prática docente, conhecendo as dificuldades que deve superar, o modo de resolvê-las e as estratégias que coloca em funcionamento. Já o aluno aprende sobre e a partir da própria avaliação e da correção, da informação contrastada que o professor oferece-lhe, que será sempre crítica e argumentada, ma nunca desqualificada, nem punitiva (2002, p. 14).

As funções de classificação, seleção e certificação não condizem com as intenções inclusivas deste tipo de avaliação, visto que, seus resultados não devem ser utilizados para expor, humilhar ou punir o educando, mas para contribuir com seu processo de construção do conhecimento. Com declara Silva, a avaliação deve “estar a serviço de quem aprende, de seu desenvolvimento integral” (2004, p. 62). Para tanto, o autor aponta três funções da avaliação:

1) diagnóstica e prognóstica: mapeia a história de vida, os saberes, as competências e os estilos de aprendizagens. Permite aproximar o plano de aula das reais necessidades dos alunos, em função dos objetivos da aprendizagem e do nível de ensino em que se encontram;

2) reguladora: revela os efeitos da ação educativa para que esta possa ser replanejada durante o cotidiano escolar. Possibilita situações didático-pedagógicas mais condizentes com as reais necessidades dos aprendentes, bem como propicia sua auto-regulação; 3) somativa: ocorre ao final de um período para que se possa saber os resultados alcançados em relação aos objetivos previstos e emergidos e às necessidades socioeducativas dos aprendentes (2004, p. 75/76).

Estas três funções visam oportunizar situações educativas adequadas ao nível sócio-cognitivo dos educandos, assim como aos aspectos objetivos da situação de aprendizagem, considerando, sempre, a intencionalidade da ação educacional.

No concernente aos procedimentos, para que a prática avaliativa seja coerente, seus objetivos são estabelecidos em função dos princípios curriculares que a norteia.

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Segundo Perrenoud (1999), a auto-regulação é a “capacidade do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progresso, suas estratégias diante das tarefas e dos obstáculos” (p. 97). A auto-regulação representa a capacidade de autodesenvolvimento, auto-aprendizagem, autonomia do aprendiz no seu processo de construção do conhecimento.

Sua materialização relaciona-se diretamente à intenção do processo pedagógico do qual faz parte. Sua intencionalidade corresponde, assim, a um estado almejado dentro de um projeto educacional mais amplo.

Para tanto o professor precisa ter a exata compreensão sobre as competências requeridas no currículo e dos processos de ensino e aprendizagem em geral. É necessário, também, definir os objetivos e negociá-los com os alunos. Além disso, estabelecer critérios19, em conjunto com os aprendizes, com vistas a zelar pela qualidade dos objetivos. Há que considerar, ainda, os objetivos que não foram previstos e que emergem da dinâmica do cenário educativo. Posto que, como revela Silva (2004), “A negociação dos objetivos e dos critérios parte da prerrogativa de que o processo avaliativo é democrático, constituído de sujeitos que, em diálogo, definem os rumos da relação multilateral e complexa do ensino e da aprendizagem” (p. 61).

O professor necessita flexibilizar a concretização dos objetivos declarados, promovendo um diálogo entre estes e os objetivos emergidos. É importante apresentar e discutir os objetivos e critérios da avaliação, logo no início do trabalho pedagógico, para que os alunos saibam em relação a que estão sendo avaliados. Ademais, a transparência e negociação dos objetivos e critérios, evitam que o docente conduza sua prática de forma improvisada e arbitrária.

A busca pela coerência na ação avaliativa não se encerra no estabelecimento dos objetivos. Também os instrumentos precisam estar em consonância com os objetivos avaliativos e educacionais. Dessa forma, quando se pretende a inclusão de todos os alunos no processo de ensino e de aprendizagem, respeitando as diferenças e garantindo o acompanhamento individualizado do percurso de suas aprendizagens, não é pertinente utilizar um único instrumento para avaliar.

Alguns alunos têm dificuldades de se expressar em grupo, outros de fazerem uma prova, outros de trabalharem em equipe. Porém, isto não significa que eles não saibam ou que não aprenderam. Logo, para se avaliar o aluno em suas múltiplas dimensões, sempre com intenção de contribuir para seu desenvolvimento, é necessário oportunizar formas diferentes para que ele possa manifestar sua aprendizagem. Compreende-se, assim, a necessidade de uma diversidade de instrumentos que possibilitarão uma variedade de informações, propiciando uma visão mais completa sobre o estágio de aprendizagem do aluno e o caminho que ainda falta percorrer.

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O professor pode construir seus próprios instrumentos a partir das suas concepções, bem como da realidade sócio-educacional na qual atua, encontrando uma linha mediana entre a intuição e a instrumentação, entre a subjetividade e a objetividade para que possa abarcar a complexidade e ambigüidade do seu contexto educativo (PERRENOUD, 1999). Segundo este autor:

a avaliação formativa deve passar por um processo de ressignificação, um professor deve ter o meio de construir seu próprio sistema de observação, de interpretação e de intervenção em função de sua concepção de ensino, dos objetivos, do contrato didático e do trabalho escolar (1999, p. 122).

Os instrumentos podem coexistir e ser variados como, por exemplo, trabalhos, testes, relatórios, interpretações, questionários, etc. As referências para a elaboração dos instrumentos consistem nos programas e objetivos gerais de ensino, bem como no real estágio de desenvolvimento do educando. Para Fernandes e Freitas, ao elaborar um instrumento é importante levar em consideração os seguintes aspectos: a) linguagem a ser utilizada: clara, esclarecedora, objetiva; b) contextualização daquilo que se investiga; c) o conteúdo deve ser significativo para quem está sendo avaliado; d) estar coerente como propósito do ensino; e) explorar a capacidade de leitura e de escrita, bem como o raciocínio (2006, p.127). Estes critérios possibilitarão que as informações coletadas sejam mais significativas e pertinentes para o processo de ensino e aprendizagem.

Silva considera que a “escolha e a construção dos instrumentos de avaliação precisam respeitar a natureza epistemológica dos conteúdos curriculares, a etapa do trabalho pedagógico e os níveis sociocognitivos dos aprendentes” (2004, p. 66). Este autor ressalta, ainda, que a aplicação dos instrumentos dar-se-á de forma transversal, sistemática e contínua o que possibilita: relacionar cada situação de ensino a uma situação de avaliação; estabelecer uma coerência dos instrumentos avaliativos entre si e destes com a organização do trabalho pedagógico como um todo; criar intimidade entre os sujeitos envolvidos com a dinâmica educativa; chegar a tempo de perceber desvios e de fazer correções processuais pertinentes.

Para acompanhar o processo de construção do conhecimento do educando são imprescindíveis a observação e o registro contínuos e sistemáticos do seu percurso. Observar os alunos em situações reais de interação e na realização de diferentes atividades possibilita compreender seus avanços, seus recuos, suas necessidades de

aprendizagens, assim como seu nível de desenvolvimento. Para Perrenoud (1999) “observar é construir uma representação realista das aprendizagens, de suas condições, de suas modalidades, de seus mecanismos, de seus resultados” (p.104). Souza (1997) complementa esta assertiva ao afirmar que:

é de grande importância a observação que o professor faz das manifestações dos alunos, de suas interações na sala de aula e na escola. Observação esta que não deve se limitar aos objetivos e expectativas pré-definidas pela escola com “desejáveis”, mas que deve estar “aberta” para apreender as interações peculiares de cada aluno com o trabalho escolar (p. 134).

A observação contínua fornece uma riqueza de informações acerca de todos os atores da ação educativa, das relações que se estabelecem e do próprio processo pedagógico em sua totalidade, permitindo ao professor estar constantemente replanejando suas ações, de forma pertinente, de acordo com as reais possibilidades de aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo. Nesse prisma, Silva afirma que “na verdade, os instrumentos avaliativos são detectores de informações íntimas das relações que se estabelecem em cada etapa do trabalho na sala de aula, na escola, na vivência pedagógica dos que estão inseridos nas ações encantadoras de ensinar e de aprender” (2004, p. 67).

As informações são sistematizadas através de um registro qualitativo para que favoreça a compreensão das relações entre as necessidades discentes e as atuações docentes. As formas e a periodicidade dos registros variam de acordo com cada realidade educacional (professor, grupo, escola, sistema educacional), porém devem ser contínuos para que informações importantes não se percam ao longo do processo.

Os registros podem ser feitos de diversas maneiras, porém é importante que contenham não uma descrição pura e simples das atividades desenvolvidas a cada dia, mas sim, considerações acerca do processo de desenvolvimento de cada educando individualmente, do grupo como um todo e do trabalho docente. Sobre essa questão Souza (1997) declara:

os registros escritos favorecem não só maior precisão nas informações observadas, com também, conduzem a uma organização e “leitura compreensiva” do que foi observado em um determinado aluno; em uma dada turma; possibilitando perceber tendências, estabelecer relações e decidir quanto aos encaminhamentos mais apropriados (p. 134).

A elaboração de registros dessa natureza permite ao docente compreender em profundidade a complexidade do processo educativo e dos seus sujeitos. Na interpretação das informações, o docente considera os objetivos que foram estabelecidos e negociados, bem como, os progressos alcançados pelo aluno ao longo do período, com o intuito de aperfeiçoar o saber-fazer docente e contribuir para o desenvolvimento humano do aprendiz.

É necessário compreender que, mais importante do que o instrumento é a intenção de quem avalia. Apenas constatar o que o aluno sabe, não irá ajudá-lo a saber. Os encaminhamentos traçados a partir das informações coletadas é que definirão o caráter formativo da avaliação.

O uso que se faz do resultado dos registros, testes, trabalhos diz respeito à tomada de decisão. Mais do que aprovar ou reprovar as decisões de uma avaliação formativa referem-se ao re-encaminhamento da ação docente em função das necessidades de aprendizagem dos educandos, no sentido dos objetivos que se deseja alcançar. Nessa perspectiva, Silva aponta três tipos de decisões relacionadas à avaliação:

1) de planejamento: está relacionada com a elaboração e a organização da ação educativa em relação às informações advindas da avaliação diagnóstica e prognóstica;

2) de regulação e auto-regulação: tem a ver com os ajustes que são feitos na implementação do trabalho pedagógico , buscando aproximar o planejado das reais necessidades dos aprendentes reconhecidas durante o processo;

3) de certificação: diz respeito aos pareceres de finais de ciclos de aprendizagem e incidem no encaminhamento acerca da reorganização curricular e da promoção do aluno (SILVA, 2004, p.70).

Ainda segundo o autor, estas modalidades de decisões articulam-se entre si e visam contribuir para a melhoria do trabalho pedagógico e para a otimização das aprendizagens discentes. Dessa forma, não possuem caráter classificatório, punitivo e excludente, mas sim educativo e includente. Com isso, o papel inclusivo da escola está fundado na possibilidade que o aluno tem de “vir a saber”, ou seja, no potencial de aprendizagem do estudantes.

O caráter processual e qualitativo da avaliação formativa contraria a perspectiva de uma comunicação apenas ao final de um período com resultados quantitativos para informar sobre a aprendizagem do aluno. Um processo avaliativo que se propõe includente requer uma comunicação contínua entre o professor e o aluno para que este se conscientize do seu próprio percurso, tanto do que realizou quanto do que ainda falta realizar. Bem como, necessita de uma comunicação com os pais que vá além dos números, que muitas vezes não exprimem a real aprendizagem do aluno, além de não indicar o que deve ser feito a posteriori, no sentido de propiciar as ajudas necessárias para o educando prosseguir no seu aprendizado.

Para Silva (2004) a comunicação dos resultados não deve ser uniforme, visto que precisa atender à heterogeneidade de suas audiências, de seus objetivos e de suas etapas. O autor aponta dois tipos de comunicação dos resultados: a comunicação parcial reguladora e a comunicação final integradora. A primeira ocorre entre o professor e o aluno, durante o processo ensino e aprendizagem, e tem como objetivo conscientizar o educando do seu percurso e seu conteúdo de aprendizagem, bem como incentivar sua capacidade de auto-regulação. É realizada, também, entre os próprios professores para a socialização de experiências e discussão propositiva com a finalidade de melhorar o trabalho pedagógico da escola como um todo.

A segunda destina-se aos pais, Secretaria de Educação e equipe docente, ocorre ao final de um tempo pedagógico e é realizada através de pareceres descritivos e interpretativos, tem a função de certificação e promoção do aluno, assim como de contribuir para a reorganização curricular e reorientação do planejamento do professor. As comunicações direcionadas ao aluno além de fornecer informações sobre o caminho que percorreu, visam propor novos desafios que estejam dentro de suas possibilidades de aprendizagem para que possa alcançá-los com a ajuda do professor. Estes desafios têm uma função motivadora para que o aluno não se sinta incapaz e para que queira continuar aprendendo. Ademais, tornam o aluno também responsável pela construção do seu percurso de aprendizagem.

Por seu turno, as comunicações feitas aos pais referem-se ao processo pessoal do educando, revelando tanto seus limites quanto suas possibilidades, no sentido de indicar ações que as famílias possam realizar para contribuir com o trabalho realizado no ambiente escolar. As decisões devem ser tomadas conjuntamente entre família e escola, nunca impostas, mas sim negociadas.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a avaliação formativa contribui para uma democratização dos processos educativos, para a constituição de sujeitos autônomos e críticos e para a consolidação de práticas educativas pautadas no respeito mútuo, na solidariedade, na cooperação.

Todavia, o sistema seriado ainda é um grande impeditivo à concretização de um processo avaliativo includente. Embora as primeiras experiências de avaliação formativa tenham nascido no interior desse sistema, sua lógica rígida e seletiva limita a efetivação desse processo. Isto porque, o ato de atribuir notas e a decisão de aprovar ou reprovar que ocorrem na promoção seriada acabam por reduzir toda a qualidade do processo a um dado quantitativo, final e irrevogável. Dessa forma, é preciso uma mudança estrutural e conjuntural para que a avaliação includente possa ser plenamente realizada, posto que, enquanto imersa em um sistema seriado a classificação permanecerá articulando todo o processo educativo. Nesse sentido, Silva afirma que:

precisamos caminhar para uma fase em que não será necessário atribuir notas ou conceitos, mas descrever e interpretar a relação que se estabelece entre o que e como se ensina com o que e como se aprende e tomar decisões que orientem o trabalho pedagógico em função de sua qualidade socioeducativa (2004, p. 80).

É neste contexto que o Sistema de Ciclos de Aprendizagem surge no cenário sócio-educativo como uma nova forma de pensar a educação e suas práticas – sobretudo as avaliativas - com o intuito de tornar escola mais democrática e inclusiva. Na lógica dos ciclos, a escola é pensada como uma instituição que visa à emancipação social do sujeito que, através do pensamento crítico e autônomo, compreende-se como parte do mundo e como agente transformador da realidade social. Neste sentido, a organização escolar por ciclos de aprendizagem é uma decisão política possibilitadora da concretização de uma avaliação democrática, ética, justa, a serviço de quem aprende, como uma forma de integração e inclusão do aluno ao processo educativo.