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CICLO DE ALFABETIZAÇÃO NA REDE MUNICIPAL DO RECIFE, A

1. O SISTEMA DE CICLOS DE APRENDIZAGEM

1.2 CICLO DE ALFABETIZAÇÃO NA REDE MUNICIPAL DO RECIFE, A

No ano de 1985, no bojo do processo de transição democrática e da intensificação dos movimentos sociais que reivindicavam a volta do Estado de Direito, as capitais dos estados da Federação reconquistaram o direito de eleger o seu chefe executivo. Nas primeiras eleições para prefeito após o golpe de 1964, no Município do

Recife foi eleito o então candidato da Frente Popular Jarbas Vasconcelos pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

De cunho progressista, o projeto educacional da gestão 1986-1988 visava imprimir novos rumos à educação municipal associando-a ao processo da democratização das relações sociais, bem como ao compromisso de produzir um novo conhecimento com vista à transformação social. Sobre essa questão Figueiredo reitera,

a escola de qualidade para todos se traduzia pela iniciação, desde a alfabetização, do aluno e do educador, juntamente com os movimentos sociais organizados no processo de compreensão/interpretação/transformação da sociedade brasileira e das relações sociais que a engendram. Compreensão/interpretação/transformação que avançaria à medida que a criança, o adolescente, o jovem e o adulto fossem ampliando as suas conquistas sociais, nas quais estava contido o pleno direito ao uso da fala, da leitura e da escrita e da matemática básica (1990, p. 37).

Assim, com o intuito de garantir o acesso e a permanência da criança na escola, bem como para oferta-lhe um ensino de qualidade, a Secretaria de Educação do Município implantou logo em seu primeiro ano de gestão o Ciclo de Alfabetização. Estabeleceu-se, então, um período de dois anos a partir da primeira série do antigo primeiro grau para o processo de alfabetização, propiciando ao aluno um tempo mais longo para atingir os objetivos educacionais.

Para a implantação da referida proposta a SE convocou todos os profissionais da educação a refletir sobre sua prática pedagógica e os possíveis redirecionamentos da mesma com vista à criança ser alfabetizada. Foram criados fóruns de decisão com equipes de supervisores, de professores, de assessores, dos quais decorriam desdobramentos técnicos e metodológicos. Desse modo, a proposta do Ciclo de Alfabetização não chegou pronta para que as professoras apenas a executassem. Ao contrário, foi fruto e ações conjuntas da SE e educadores cuja finalidade era garantir a participação de todos nas decisões referentes ao planejamento, execução e avaliação do processo de alfabetização.

No que se refere ao currículo foram incluídas, com o mesmo peso, as seguintes áreas do conhecimento: o ensino da Língua Portuguesa, Matemática, Artes, Estudos Sociais, Educação Física, Ciências Biológicas e Programa de Saúde. A metodologia construída tinha como eixo a história de vida dos alunos, visava resgatar a representação

dos educandos sobre sua própria realidade, problematizando-a e oferecendo subsídios que propiciassem a formação de uma cidadania voltada para a libertação das diversas formas da opressão humana. Nessa perspectiva, a concepção de alfabetização tinha como eixo norteador "resgatar o pensamento, as idéias, as condições e concepções da criança num contexto de língua oral e escrita, em permanente discussão e debate entre professores e alunos sobre as "coisas de sua vida"" (FIGUEIREDO, 1990 p. 45).

A avaliação apresentava características formativas, uma vez que a proposta apresentava o processo avaliativo como um meio para que a escola e o professor identificassem os fatores que facilitavam ou dificultavam a aprendizagem do aluno, com o intuito de rever os objetivos e os encaminhamentos estabelecidos.

Além disso, os instrumentos deveriam fornecer informações qualitativas acerca das dificuldades dos discentes e da classe, identificando os objetivos atingidos e aqueles que faltavam atingir. A cada unidade os resultados registrados eram discutidos em "reuniões da prática pedagógica" e subsidiavam o redirecionamento da mesma.

A implantação do Ciclo de Alfabetização se fez também enquanto processo de formação dos professores. Os docentes tiveram sua jornada de trabalho ampliada para cinco horas diárias com os alunos e cinco horas aos sábados para reflexão e discussão em torno da prática pedagógica. Foi instituído um acompanhamento sistemático às professoras através de um "treinamento em serviço", descrito por Figueiredo da seguinte forma:

este trabalho com o professorado foi organizado no âmbito de suas atividades, através de encontros, que assumiam um caráter de planejamento, execução e avaliação da prática pedagógica. Nesta ocasião o professorado relatava suas experiências com o ensino e a aprendizagem numa sala de Ciclos de Alfabetização, debatia e as discutia, considerando textos produzidos com a finalidade de oferecer subsídios à revisão de processos de alfabetização (1990, p. 43).

Segundo a referida autora, este processo de capacitação dos educadores foi muito relevante para redimensionar o papel da escola pública na sociedade brasileira, bem como para reconceituar o processo de alfabetização.

Mediante o exposto, o Ciclo de Alfabetização do Município do Recife, mesmo apresentando algumas limitações como: a permanência de metodologias tradicionais, a aprendizagem por repetição, o uso de cópia e de treinos para corrigir erros, pouco entusiasmo pelas atividades de leitura, entre outros, consistiu em uma proposta

inovadora no âmbito político-pedagógico do município. Proposta esta que teve em seu nascedouro a intenção de responder ao clamor das camadas populares no quadro de mobilização social em que se inseria. Na acepção de Figueiredo "O Ciclo propunha, assim, o alargamento do espaço de atuação política das camadas subalternas de nossa sociedade, atuação política que nunca abandona o seu conteúdo eminentemente pedagógico" (1990, p.36).

Todavia, no ano de 1988 houve nova eleição para a Prefeitura do Recife, a qual venceu o então candidato Joaquim Francisco Cavalcanti pelo Partido da Frente Liberal (PFL). Na sua gestão (1989/1992), vinculada ao projeto neoliberal, foi instituída outra direção à política educacional do município Houve um retorno ao aspecto tecnicista de educação, bem como à concepção de educação como instrumento de ascensão social e de inserção no mercado de trabalho. Ocorreu uma reformulação do Ciclo de Alfabetização que assumiu outras diretrizes desvinculando-se dos princípios que fundamentaram sua implantação. Com esclarece Cavalcanti,

Pode-se afirmar que os princípios do Plano de Ação Municipal para a Educação na gestão em pauta, privilegiando a educação como fator de ascensão pessoal e como forma de engajamento no mercado de trabalho, entra em choque com as perspectivas do Ciclo de Alfabetização, que via o processo educacional como fator de transformação das relações sociais vigentes e uma forma de instrumentalizar o aluno para que ele fosse sujeito dessa transformação, através da aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, embora se reconheça que ambas as gestões advogassem formas diferentes de "modernidade": uma conservadora e instrumental, outra ao menos no discurso progressista e substantiva (1996, p.128).

Nesse contexto, considera-se que o Ciclo de Alfabetização do Município do Recife trouxe ao âmbito educacional avanços tão significativos quanto o Ciclo Básico de Alfabetização do Estado de São Paulo. No entanto, o que talvez tenha dado mais visibilidade ao segundo, foi o maior tempo de duração da proposta em decorrência da continuidade da direção política no governo do Estado. O que não aconteceu no referido município.

1.3 CICLOS DE APRENDIZAGEM, CICLOS DE FORMAÇÃO E