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1. O SISTEMA DE CICLOS DE APRENDIZAGEM

2.2 A AVALIAÇÃO DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM

2.2.5 Intervenção pedagógica

Esta secção do trabalho deter-se-á especificamente na intervenção pedagógica, tomando como base a obra de Zabala (1998). Procurar-se-á caracterizar o processo de ensino e aprendizagem, tanto na perspectiva tradicional, quanto na perspectiva das pedagogias diferenciadas e ativas, analisando os tipos de atividades realizadas, de relações interativas que se estabelecem na sala de aula, a organização social da aula, os materiais curriculares (recursos didáticos), utilização dos espaços e do tempo.

Primeiramente é preciso relembrar que uma concepção tradicional do ensino está intrinsecamente relacionada ao papel propedêutico e de formação para o mundo do trabalho que a educação vem desempenhando ao longo dos anos e a uma concepção mecanicista da aprendizagem que, por sua vez, desemboca em uma percepção classificatória e autoritária da avaliação.

Dessa forma, quando estes elementos norteiam a intervenção pedagógica, as atividades mais utilizadas são aquelas que favorecem o desenvolvimento apenas das capacidades cognitivas do educando. Os conteúdos são transferidos através de uma aula expositiva na qual, normalmente, só o professor fala. Após a exposição do professor, são realizados exercícios mecânicos e estereotipados para que os alunos possam fixar o que acabou de ser “dado” em aula. Não importa muito aos professores se o aluno está compreendendo ou não o conteúdo. O necessário é que ele termine seus exercícios para que se possa dar prosseguimento ao programa. Muitas vezes o professor, em nome do tempo e do programa, oferece as respostas aos alunos ou corrige rapidamente respostas erradas, impossibilitando ao aluno compreender o que faltava para que pudesse realizar a atividade sozinho. Sobre esta questão Perrenoud declara,

para o professor, a curto prazo, a questão é que os alunos concluam seus exercícios, cheguem ao final de seu texto ou de sua construção geométrica. O mais eficaz parece-lhe, portanto, orientar, passo a passo, o trabalho dos mais lentos ou perdidos. Tal auxílio lhes dá a impressão de dominar a tarefa, mas não aprendem então grande coisa, porque todas as decisões importantes foram sugeridas pelo professor, todos os erros foram prevenidos ou corrigidos muito rapidamente, todos os obstáculos difíceis foram ultrapassados “sob vigilância”...a preocupação central do sistema tradicional é que o programa seja cumprido, que ele tenha sido ensinado ainda que não tenha sido assimilado pela maioria dos alunos (1999. p. 85; 153).

Pode-se afirmar, então, que o ensino organizado em função do programa impede que os alunos que apresentam dificuldades tenham o tempo necessário para redirecionar seu percurso de aprendizagem e construir seus conhecimentos.

O ensino tradicional é caracterizado, mormente, pela rigidez e controle. A organização social da sala, os espaços, os tempos, a comunicação, tudo é realizado de modo que permita ao professor controlar o que ocorre na sala de aula. A comunicação normalmente é diretiva, do professor para o aluno. Este só pode se pronunciar caso seja solicitado. Os alunos também não devem comunicar-se. Como foi citado anteriormente, neste tipo de ensino há uma obsessão pelo silêncio. Assim, os momentos de comunicação entre os educandos restringem-se às brechas no trabalho escolar (intervalo entre atividades, recreio). Tudo é feito para evitar que o professor perca o controle de “sua” aula.

A organização social da sala, ou seja, a forma de agrupamento da turma, relaciona-se, também, a esta perspectiva de controle. Normalmente as aulas são direcionadas ao grande grupo, o professor fica à frente da turma e os alunos enfileirados escutam atentos ao seu mestre. Isto permite que o professor mantenha todos os alunos sob o seu campo de visão ao mesmo tempo. Há implícito, nesta forma de organização da aula, a percepção de homogeneidade que perpassa o ensino tradicional. A concepção de que os alunos aprendem da mesma maneira – associação, repetição, memorização – faz com que o ensino, também, seja o mesmo para todos, ou seja, todos recebem os mesmos estímulos e, se não aprenderam, é por que não foram suficientemente atentos ou não são suficientemente inteligentes.

Nessa lógica, o livro didático é o principal, senão único, material curricular17 utilizado na sala de aula. É compreensível esse predomínio, tendo em vista que o que se pretende é transmitir o conteúdo de forma homogênea e que os alunos os memorize e, após, repitam de forma mecânica e pacífica, tudo isso sem abalar a autoridade e o controle do professor.

A utilização excessiva do livro didático e a dependência dos professores em relação a este, reflete o que se denomina a “pedagogia dos capítulos”, na qual as aulas são organizadas em função da seqüência do livro didático, Uma vez ensinado o capítulo, passa-se imediatamente ao próximo, só sendo possível o retorno àquele em uma eventual aula de recuperação. Sobre esse aspecto Perrenoud relata que “uma

17

Compreende-se por material curricular o recurso didático que auxilia na materialização do currículo escolar, durante o processo de ensino e aprendizagem (ZABALA, 1998).

transposição didática conservadora que progride de capítulo a capítulo, privilegia o tempo do ensino e do professor por oposição ao tempo de aprendizagem do aprendiz” (1999, p.71).

Os espaços e os tempos para a aprendizagem são fixos e inflexíveis. O espaço restringe-se à sala de aula hermeticamente organizada de maneira que nada abale sua organização. Segundo Zabala (1998), “o espaço físico adequado será aquele que favorece a transmissão dos conteúdos e o controle disciplinar eficaz (p.131). O tempo é organizado em função do ensino das disciplinas e do prestígio atribuído a cada uma delas.

A forma mais convencional de organização do tempo para as aulas é a de quarenta e cinco minutos para cada disciplina, mas, muitas vezes este tempo não é suficiente para que o professor realize o que foi planejado, obrigando o docente a fragmentar o assunto e o aluno a fracionar o seu raciocínio. Zabala pondera que “a estruturação horária em períodos rígidos, sejam de uma hora ou de quarenta e cinco minutos, é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora [...] os períodos de uma hora é que determinam o que se tem que fazer e não o contrário (1998, p.134). Méndez complemente este raciocínio:

as formas tradicionais de agir separam cada parte até tratá-las isoladamente, com prejuízo da aprendizagem total, do desenvolvimento do pensamento do sujeito que se forma e do desenvolvimento profissional do professor (2002, p. 19).

Para Freitas, “grande parte do tempo escolar é destinado à vivência de práticas de submissão. Tudo está previamente definido para o aluno, cabendo a ele executar. É a lógica da submissão aos tempos e às autoridades da escola” (2003, p.37).Dessa forma, modelos inflexíveis de organização escolar ratificam a concepção de uma pedagogia centrada no ensino, a qual o aluno deve apenas se submeter e se adequar.

Contudo, as práticas tradicionais de ensino caracterizadas pela centralidade na figura do professor, pela homogeneidade, pela rigidez e controle, vêm sofrendo um grande processo de renovação a partir da perspectiva construtivista e interacionista da aprendizagem e da escola como lócus de formação humana com vista à transformação social.

A partir dessas perspectivas, todos os elementos constituintes da intervenção pedagógica – atividades, relações interativas, organização social da aula, recursos

didáticos, utilização dos espaços e do tempo – são flexibilizados, diversificados, adaptados de acordo com as necessidades individuais de aprendizagem do educando que passa a ser o protagonista da ação educativa. Posto que, a transposição didática deve favorecer mais a aprendizagem, ou seja, a construção dos saberes pelo aluno, do que o ensino, ou seja, a lógica discursiva de saberes (PERRENOUD, 1999).

Nesse contexto, o docente necessita desenvolver uma pedagogia diferenciada através da regulação individualizada das aprendizagens e pedagogias ativas que exijam do aluno participação e cooperação. Estas mudanças alicerçam-se no reconhecimento da heterogeneidade dos aprendizes (herança cultural, nível de partida, relação com o saber, maneira de aprender, atitudes) e no papel ativo que estes desempenham no seu processo de construção do conhecimento.

Sob essa lógica, a intervenção docente é um processo constante de regulação das aprendizagens dos alunos através da observação dos seus percursos e de uma intervenção em tempo real. Consiste, também, em regular as atividades pedagógicas em função das necessidades sociocognitivas do aluno e das condições objetivas da comunidade escolar, de modo que as seqüências didáticas tornem-se desafiadoras e significativas para os aprendizes. Assim, a avaliação não é, senão, uma forma de regulação contínua, tanto do ensino, como da aprendizagem, parte integrante e indissociável desses processos.

Silva (2004) aponta como características da pedagogia diferenciada e a importância da avaliação em cada etapa: a) antecipação: antecipar os obstáculos didáticos comuns à maioria dos alunos através do processo avaliativo (coleta de informações); b) mediação: fazer as regulações entre a ação docente e discente durante as situações didáticas, utilizando-se a avaliação para a tomada de decisão referente ao ajuste e diferenciação das seqüências didáticas.

Estas etapas requerem do professor uma atitude de investigação e de reflexão sobre o cotidiano escolar em sua complexidade e heterogeneidade sempre em relação às contingências histórico-sociais e culturais da realidade e às teorias pedagógicas (SILVA, 2004).

A concepção do professor enquanto pesquisador das questões do dia-a-dia da sala de aula evidencia a necessidade de se estabelecer uma relação entre a teoria e a prática docente. Isto porque, uma reflexão sem embasamento teórico resulta apenas em ações pautadas na intuição do educador, empobrecendo sua prática e estagnando seu fazer docente. Da mesma maneira, uma reflexão que não resulta em novas práticas fica

esvaziada de sentido. Logo, uma reflexão docente pressupõe uma ação, ou melhor, uma transformação do fazer pedagógico. Faz-se necessário, então, uma aproximação da perspectiva apresentada por Silva (2004), do professor como “Intelectual Reflexivo Transformador”. De acordo com este autor,

o professor é um intelectual na medida em que necessita aprofundar- se nas teorias sociopedagógicas para compreender a relação entre seu trabalho e as tramas da sociedade e possa, então elaborar uma ação docente consciente e consistente. Mas o conhecimento acadêmico e experiencial em si só não bastam para a ação docente, é preciso utilizar deles para desenvolver uma reflexão fundamentada sobre a realidade vivida. Contudo, a reflexão não pode ser um ponto final, ela deve conduzir a transformações constantes da prática pedagógica e contribuir para mudanças mais amplas da sociedade (Ibid, p 45).

O processo reflexivo contribui para que o docente esteja constantemente criando novas situações de ensino, diversificando suas práticas, inventando e reinventando o seu ato educativo em consonância com as necessidades emergentes do contexto sócio- educacional.

Outra exigência desse processo de renovação das intervenções pedagógicas é a participação do aluno nas atividades desenvolvidas. Seqüências de atividades que requeiram do discente plena colaboração e envolvimento, as quais são denominadas de pedagogias ativas. Perrenoud (1999) aponta as seguintes características das pedagogias ativas:

1) estruturas de interação menos dependentes do professor como personagem central (trabalhos em grupo);

2) atividades menos fechadas na escola (investigações, espetáculos...);

3) atividades acompanhadas de projetos, que tenham mais sentido e sejam mais atrativos do que os exercícios escolares tradicionais.

Sendo assim, tais pedagogias requerem atividades motivadoras, problematizadoras, cooperativas, práticas, que envolvam diversos tipos de saberes, privilegiem a compreensão em detrimento da memorização, dialogue com as singularidades dos aprendentes e que, ao mesmo tempo, os coloquem em conflito, em interação, obrigando-os a estruturar seu pensamento, a argumentar, a rever posicionamentos, a compreender seus limites e superá-los. Podem ser, “trabalhos em grupos, pesquisas, trabalhos por solução de problemas, atividades práticas”

(PERRENOUD, 1999, p. 72). Enfim, situações didáticas que despertem o interesse e o desejo do educando em aprender.

A organização social da sala precisa não só possibilitar a comunicação como incentivá-la, posto que, a comunicação é o motor da regulação (PERRENOUD, 1999). Os grupos podem ser móveis e variar de integrantes ou de quantidade de participantes. Por seu turno, as interações entre o professor e o aluno podem ocorrer em três níveis: 1)em relação ao grupo-classe; 2)em relação a um grupo de alunos; 3) individualmente. Cada tipo de interação ocorrerá de acordo com as necessidades formativas emergentes da prática educativa (ZABALA, 1998).

Para que a comunicação de fato favoreça as aprendizagens, é preciso criar um ambiente de confiança e colaboração mútuas, no qual, todos se sintam responsáveis pela realização das atividades e comprometidos com as aprendizagens uns dos outros. Para tanto, a confiança, a transparência, a cooperação e a afetividade precisam prevalecer sobre práticas autoritárias, coercitivas e competitivas.

No concernente aos recursos didáticos, estes podem ser diversificados e atender às especificidades de cada tipo de conteúdo trabalhado (conceituais, procedimentais, atitudinais). Para Zabala (1998), os conteúdos conceituais requerem compreensão; os procedimentais, manipulação; e os atitudinais reflexão e tomada de posição. Dessa forma, o livro didático não deveria ser único suporte para o professor organizar sua ação pedagógica, mas sim, serviria como complemento para a aprendizagem. Assim, o docente usaria sua criatividade, utilizando uma variedade de recursos audiovisuais, literários, de laboratórios, que incentivem a pesquisa, a consulta, a experimentação, a reflexão, a manipulação, a observação, assim como, generalizações e sínteses.

Nesse contexto, os tempos e os espaços para as aprendizagens são ampliados e flexibilizados, colocando-se a serviço das aprendizagens e das especificidades das situações didáticas. O ambiente fora da sala de aula passa a ser integrado ao ato educativo, espaços como bibliotecas, museus, zoológicos, laboratórios, inscrevem-se no planejamento escolar. Também dentro da própria sala de aula há uma reorganização espacial que favoreça atividades colaborativas como um canto para leitura ou um espaço para “contação” de estórias.

Como é possível observar, toda a intervenção pedagógica é centrada no aluno e na sua aprendizagem, sempre com o intuito promover atividades que favoreçam a construção da autonomia e do pensamento crítico do educando. Para tanto, a avaliação integra-se ao processo de ensino e aprendizagem informando ao professor os progressos

dos alunos, para que possa ir retirando, progressivamente, as ajudas quando estas não forem mais necessárias.

Entretanto, Perrenoud (1999) revela que é imprescindível “soltar as amarras da avaliação tradicional” para que práticas de ensino inovadoras possam se concretizar. Isto por que, quando a avaliação se reduz a reprovar ou aprovar o aluno, além de promover um clima de temor e desconfiança, fatalmente toda a intervenção docente será direcionada para que o aluno realize satisfatoriamente a prova e passe de ano.

Além de um ensino diferenciado, a avaliação formativa tem como pressuposto um currículo flexível e contextualizado, como também um planejamento político- pedagógico. O que requer a superação da fragmentação curricular e do planejamento como um procedimento técnico burocrático, conforme será relatado a seguir.