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2.3 RISCO PSÍQUICO E RISCO AO DESENVOLVIMENTO

2.3.2 A prematuridade como condição de risco ao desenvolvimento e risco psíquico

Dentre os fatores biológicos que incidem sobre as condições de maturação do SNC e do desenvolvimento físico, tem-se a prematuridade (MANCINI, et al.. 2004; ZORNIG et al., 2004) como fator de risco biológico que pode repercutir diretamente no psíquico e cognitivo, podendo trazer consequências para o desenvolvimento infantil. Pesquisas vêm buscando evidenciar as consequências da prematuridade sobre a maturação e desenvolvimento do bebê em oposição àqueles que possuem idade gestacional superior a 37 semanas (FORMIGA, 2009).

Em tais estudos, algumas consequências da prematuridade investigadas são relacionadas à oxigenação durante período neonatal (SCHMIDT et al, 2013); efeitos de intercorrências logo após o nascimento, tais como hemorragias e lesões neurológicas (XIONG et al., 2012); bem como peso ao nascer, aspecto que gera interferência unânime no desenvolvimento dos bebês (FERNANDES et al., 2012; EICKMAN et al., 2012; SERENIUS et al., 2013).

Aspectos ambientais e sociodemográficos como faixa etária e escolaridade materna também fizeram parte das análises de muitos estudos, e no caso da educação materna apresentaram associação frequente com déficits cognitivos e de linguagem no acompanhamento dos bebês (LOWE et al., 2013).

Há autores, por outro lado, que afirmam a importância do acompanhamento de bebês prematuros mesmo que sejam considerados saudáveis (com 1500gramas e 32 semanas de idade gestacional), tal como Dall’Oglio et al. (2010), pois assinalam nesses casos, evidências de diferenças significativas quanto a fluência verbal, compreensão, memória de curto prazo e

habilidades espaciais nos bebês prematuros quando comparados aos bebês a termo. Por isso, concluem que o acompanhamento de bebês prematuros é fundamental mesmo quando saudáveis, pois demonstram déficits.

Dentre os estudos que abordam o processo de aquisição da linguagem em bebês prematuros, Guedes (2008) aponta para uma diferença tanto no que se refere ao atraso da aquisição quanto à complexidade da linguagem em relação aos bebês nascidos a termo. Nesse âmbito, Serenius et al. (2013) realizaram um estudo de coorte prospectivo com todos os bebês prematuros extremos (com idade gestacional inferior a 27 semanas) nascidos na Suécia entre 2004 e 2007, a fim de avaliar, principalmente, o desenvolvimento cognitivo e de linguagem dos bebês na idade corrigida de 2,5 anos. Dentre os resultados, evidenciou-se que 497 (69%) dos 707 bebês nascidos vivos sobreviveram até a faixa etária avaliada. Dentre os sobreviventes, 399 foram avaliados quanto ao desenvolvimento cognitivo e 393 foram avaliados quanto ao desenvolvimento da linguagem. Como resultado, verificou-se que 6,3% dos bebês prematuros extremos apresentaram atrasos severos no desenvolvimento cognitivo ao passo que os bebês a termo apresentaram apenas 0,3%. Além disso, os bebês prematuros extremos apresentaram atrasos severos no desenvolvimento da linguagem em 6,6% dos casos em relação a 0% dos casos dos bebês a termo. Por fim, evidenciou-se que 42% dos bebês prematuros extremos não apresentaram qualquer espécie de atraso no desenvolvimento em relação aos 16% que apresentaram atrasos severos no desenvolvimento.

Na mesma direção, Mossabeb et al. (2012) demonstraram alta correlação entre déficit de linguagem e prematuridade em 178 bebês prematuros nascidos com idade gestacional entre 23 e 34 semanas. Para a avaliação, os pais preencheram o questionário Language

Development Survey, quando os bebês encontravam-se na faixa etária entre os 22 e 26 meses.

O estudo concluiu que houve alteração de linguagem em 26% dos casos dos bebês prematuros.

Ainda, Van Noorte-Van der Pek et al. (2012) realizaram uma revisão sistemática de várias pesquisas em linguagem de prematuros, entre 1995 e 2011, que avaliaram diretamente as habilidades dos bebês por meio de testes de vocabulário concluindo que o grupo de prematuros apresentou diferença em relação ao grupo de bebês a termo, mesmo na ausência de um distúrbio ou deficiência em testes de vocabulário. A diferença foi mais significativa quando os estudos abordaram o funcionamento complexo da linguagem, envolvendo habilidades gramaticais e discursivas mais complexas na faixa etária de 3 a 12 anos.

Esses resultados relativos à complexidade gramatical também são evidenciados no estudo de Kunnari et al. (2012) em que 18 bebês prematuros (10 com extremo baixo peso) e 18 bebês nascidos a termo foram comparados em relação ao desenvolvimento de linguagem por meio do Sintatic Mean Lenght (MSL) ou extensão média de sintaxe. Os resultados também evidenciaram pior desempenho dos bebês prematuros, especialmente os de extremo baixo peso.

Outro estudo interessante foi o de Ribeiro et al. (2011). Nele, 1288 bebês prematuros de extremo baixo peso foram avaliados quanto a problemas de atenção e de linguagem. Os bebês prematuros foram comparados com 37010 bebês nascidos a termo e concluíram que a prematuridade representou fator preditivo para problemas de atenção (aos 18 meses) e problemas de habilidade de linguagem (aos 18 e 36 meses). Além disso, o gênero e a educação materna se correlacionaram com o desenvolvimento de linguagem dos bebês. Bebês do sexo feminino e filhos de mães com maior escolaridade apresentaram melhor desempenho linguístico.

Já Schjolberg et al. (2011) estudaram índices preditivos de atraso na linguagem de crianças prematuras aos 18 meses, em estudo de coorte realizado com 42.107 mães e crianças, por meio de um questionário aplicado aos pais, encontrando que o gênero masculino, baixo peso a nascer e idade gestacional ou múltiplo nascimento foram significantemente associados com baixos escores de linguagem. Esse resultado de pior desempenho linguístico também foi encontrado para bebês com idade gestacional abaixo de 32 semanas e peso menor do que 1500 gramas no estudo de Barre et al. (2011) e pior desempenho fonológico também foi identificado para crianças prematuras aos 18 meses no estudo de D’Odorico et al. (2011).

Em relação à qualidade da vocalização do bebê rumo ao desenvolvimento da linguagem, Stlolt et al. (2012) acompanharam 32 bebês prematuros de extremo baixo peso e 35 bebês a termo concluindo que não houve diferença significativa entre ambos os grupos em relação à vocalização inicial, mas uma alta correlação entre vocalização inicial e desenvolvimento posterior de linguagem nos bebês prematuros de extremo baixo peso.

A audição também é tema relevante no estudo da prematuridade, pois vários estudos demonstram que há riscos importantes neste aspecto do desenvolvimento. Lamônica et al (2010) compararam 40 crianças, 20 prematuras e 20 a termo em relação à audição (compreensão e expressão) e visão, concluindo que há déficits nos prematuros, sobretudo em termos de expressão verbal.

Quanto aos aspectos instrumentais como a psicomotricidade, estudos demonstram que há diferenças entre bebês prematuros e a termo. Reuner et al. (2013) verificou a existência de relação entre atraso motor, idade gestacional inferior e baixo peso, em um grupo de bebês com menos de 1500 gramas aos sete meses de idade corrigida. Complementarmente, Eickmann et al. (2012) analisaram um grupo de 135 bebês, sendo 45 prematuros e 90 a termo. Como resultado, pôde-se verificar que existiam alterações nos casos dos bebês com peso ao nascer inferior a 1500 gramas, Apgar menor ou igual a 7 no 5º minuto, baixa circunferência encefálica e aleitamento materno presente apenas até o segundo mês de vida dos bebês.

Kievest et al. (2009) publicaram um estudo em que buscaram os efeitos no desenvolvimento motor de bebês prematuros com idade gestacional igual ou inferior a 32 semanas e peso ao nascer menor ou igual a 1500 gramas. Em comparação a bebês a termo, os bebês avaliados apresentaram resultados consideravelmente inferiores nas três escalas utilizadas para avaliar o desenvolvimento motor, evidenciando um significativo atraso no desenvolvimento motor ao longo da infância. Tais estudos ilustram algumas repercussões do biológico, especialmente da prematuridade, nas diversas esferas do desenvolvimento infantil.

Goyen et al. (2011) analisaram aspectos sensório-motores como coordenação visuo- motora, percepção visual, percepção tátil, cinestésica e práxis. Identificaram problemas perceptivos e práxicos nas crianças prematuras, com problemas na coordenação motora, demonstrados por várias escalas, o que sugere a necessidade de um acompanhamento psicomotor nesse grupo populacional.

O artigo de Lowe et al. (2013) abordou o desenvolvimento a partir da análise do comportamento parental descrito por scaffolding, isto é, da sustentação parental da criança na interação. O método inclui a análise de 5 minutos de filmagens dos pais em sessão de brinquedo livre standard, interagindo com seus filhos, nascidos a termo e pré-termo. Compararam os tipos de interação com variáveis sciodemográficas, neonatais e cognição. No estudo, pode-se observar que as mães de crianças nascidas a termo utilizaram estratégias mais complexas de sustentação interativa do que as mães de bebês prematuros. Também as mães de maior escolaridade dos bebês prematuros utilizaram estratégias mais complexas de interação, sobretudo no caso de bebês que estiveram muito doentes após o nascimento. Houve, portanto, um maior investimento das mães com maior escolaridade e daquelas cujos bebês passaram por maior risco biológico. Em geral os resultados demonstraram diferenças entre bebês prematuros e a termo.

Esse fato pode ser comprovado em estudos revisados por Vieira e Linhares (2011) acerca do desenvolvimento e qualidade de vida de crianças nascidas prematuramente na pré- escola e na escola. Neste estudo os autores observaram que os estudos abrangem aspectos neurológicos, funções executivas e qualidade de vida, com indicadores como cognição, função motora, comportamento, linguagem, performance acadêmica, atenção e memória. Os resultados indicaram que a cognição e a função motora são os aspectos do desenvolvimento com maior prevalência de alterações, o que acaba se refletindo em menor qualidade de vida.

Em relação à dimensão psíquica, evidencia-se que o nascimento do bebê prematuro configura-se em uma situação de “crise psicológica” na família e, especialmente à mãe, pois o período de internação pode interferir negativamente no estabelecimento da relação mãe-bebê (VANIER, 2013), essencial para a constituição psíquica do bebê e para o seu desenvolvimento como um todo.

Segundo Wanderley (1999), o período de internação de bebês nascidos prematuros representa um fator de risco para o vínculo entre o bebê e aqueles que exercem as funções parentais, porque durante esse período torna-se um desafio aos pais conseguirem exercer suas funções, pois são a todo tempo mediados pelos profissionais que se debruçam sobre o bebê. Tal realidade dificulta aos pais a possibilidade de lançar alguma hipótese sobre as necessidades e desejos do bebê. Isso se dá não apenas pelo fato de que a realidade que se apresenta em forma de um bebê na incubadora, em nada se assemelha ao bebê fantasiado, mas também pela da intensa angústia que acompanha os pais diante das incertezas do futuro do bebê e do sentimento de culpa relacionado às causas que poderiam ter levado ao nascimento prematuro.

Por isso, Druon (1999, p. 37) sugere que, num nascimento prematuro, há uma “tempestade psíquica” que se abate sobre os pais. Nesses casos, a mãe pode viver uma profunda ferida narcísica diante de seu fracasso e, ressente-se da dificuldade em criar um vinculo estreito com seu bebê em função da internação.

Stephens et al. (2012) avaliaram 554 crianças nascidas antes de 27 semanas entre 18 e 22 meses, utilizando: o Pervasive Developmental Disorders Screening Test (PDDST), a resposta ao nome próprio e itens de atenção compartilhada. Os resultados demonstraram que apenas 1% dos bebês obteve resultado positivo para risco de autismo em todas as testagens, 10% apenas no PDDST, 9% no exame para avaliar a capacidade de atenção compartilhada e 6% não responderam ao nome próprio quando chamados. As respostas positivas para o risco ao autismo puderam ser associadas à raça branca, sexo masculino, mais dias de

hospitalização, menor educação materna, escores anormais de comportamento, atrasos cognitivos e de linguagem. Cerca de 20% dos bebês evidenciou alteração em ao menos um dos testes utilizados, o que demonstra que a temática do risco psíquico é relevante na abordagem da população prematura. Por este motivo, percebe-se a prematuridade como um fator de risco biológico, e ambiental pelos efeitos na família, à estruturação psíquica o que pode incidir sobre diversos aspectos do desenvolvimento infantil.

2.3.3 Fatores sociodemográficos, obstétricos e psicossociais e as possíveis repercussões no