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A presença ausente: o falar sobre o outro na 3ª pessoa

CAPÍTULO III – A INVESTIGAÇÃO DO CORPUS: RECURSOS MOBILIZADOS

3.1 Apresentação e descrição dos excertos

3.1.3 A presença ausente: o falar sobre o outro na 3ª pessoa

Durante todo meu percurso de geração dos dados, em todas as consultas que eu acompanhei, até mesmo naquelas que não fizeram parte do corpus desta pesquisa, eu observei que em diversos momentos da consulta ocorre uma dinâmica que se desenha como uma díade conversacional médico-acompanhante. Na etapa da consulta chamada de anamnese, que consiste em perguntas do médico sobre as queixas, informações de rotina, história da doença, antecedentes pessoais ou familiares, condições socioeconômicas etc., parece formar uma interação médico-acompanhante, em que a pessoa com DA não faz

parte, ou faz parte como a pessoa sobre a qual se fala, ou ainda faz parte, mas sem tomar a palavra, mas expressa-se por meio de um corpo com gestos e olhares. Outras vezes ainda, a pessoa com Alzheimer faz um esforço para adentrar nesse diálogo.

As alterações sociais vividas pelas pessoas com DA parecem ser bem ilustradas por essa situação de consulta clínica. As perguntas do tipo “o que ele(a) gosta de fazer?”, “que horas ele(a) vai dormir?”, “ele(a) se veste sozinho(a)?”, “ele(a) assiste televisão?” são, do ponto de vista clínico, fundamentais para o diagnóstico e tratamento da DA. Elas são perguntas de caráter pessoal e que condizem com a rotina particular de uma pessoa. Mas elas muitas vezes, como vimos aqui, são dirigidas e respondidas por um terceiro, o acompanhante.

Ainda assim, o falar sobre si parece tão inerente ao ser humano, que ainda que a interação esteja sendo conduzida em uma estrutura de diálogo entre médico e acompanhante, uma dimensão subjetiva aparece para deixar seu rastro. Enquanto os outros falam sobre a pessoa com DA sem exigir, necessariamente, um retorno dela, este último se mostra parte da interação de alguma forma. O corpo presente fala pelos movimentos de olhar e pela postura corporal.

Os achados das minhas observações se assemelham bastante ao que foi visto por Maia (2013). A autora analisa uma interação de uma pessoa com DA e uma médica nutricionista em uma situação que Maia (2013) denominou como uma consulta informal, já que esta se realizou na residência da pessoa com DA. Em suas descobertas, a autora ressalta que verificou esse direcionamento da médica para a esposa da pessoa com DA. A nutricionista fazia perguntas pessoais e de rotina para serem respondidas pela acompanhante. Como resultado desta análise, a autora concluiu que a médica desistia da comunicação com a pessoa com DA e apelava para os familiares para agilizar o processo da consulta. Dessa forma, formava-se uma díade médico-acompanhante.

Novaes-Pinto e Beilke (2008) nomeiam essa dinâmica de “o sujeito é falado pelo outro”, e a descrevem como o momento em que o médico e acompanhante falam sobre o outro e não com o outro. Os autores concluem com isso que essa díade acaba por reduzir o discurso das pessoas com DA limitando-o apenas a fragmentos que aparecem durante a aplicação do teste. Esses resultados de Novaes-Pinto e Beilke (2008) parecem ser, no entanto, diferentes dos resultados que encontramos nesta pesquisa. Nos dados analisados do Corpus CENA foi possível perceber que durante as consultas clínicas há momentos em que se fala sobre a pessoa com DA coexistindo com momentos em que há a emergência de narrativas ou elementos narrativos. Como foi discutido anteriormente, as consultas clínicas

e especificamente os momentos de aplicação do teste são interações complexas que não se limitam a aplicação de um protocolo com perguntas e respostas objetivas. Entre uma pergunta do script e uma resposta para o teste há múltiplas possibilidades subjetivas de resposta, entre as quais narrativas ou elementos narrativos podem emergir. Como veremos adiante, até mesmo em momentos que a dinâmica interacional se configura como uma díade médico-acompanhante, as pessoas com DA tendem, de alguma forma, a interagir com os demais participantes.

Dos excertos selecionados do Corpus CENA, observa-se a dinâmica de referir-se à pessoa com DA em terceira pessoa, falando sobre ele para um terceiro, nos excertos 02, 03 e 06.

No excerto 02, situação em que Antônio conta a história do tomate, a médica conversa com as acompanhantes, Iris e Alice, sobre a rotina de alimentação de Antônio, em que a posição dele não é requisitada em nenhum momento. Nenhuma das três participantes que estão envolvidas na conversa pedem que Antônio fale sobre sua rotina ou qualquer outro tópico. Isso acontece durante boa parte da etapa de anamnese.

Neste segmento da consulta, é possível ver que um bom tempo se passa com perguntas direcionadas para Iris, até que Antônio, que parecia alheio à conversa, se propõe a comentar sobre o que vinha sendo dito a seu respeito. O comentário de Antônio parece mostrar uma preocupação em deixar claro que seus hábitos podem ser considerados normais, já que o que ele faz agora não difere do que fez durante toda sua vida.

Antônio, mesmo alheio à discussão sobre sua vida, não deixa que o relato fique sem seu ponto de vista. Ele conquista um espaço narrativo para falar sobre si em meio a uma conversa que se configurou com a dinâmica médico-acompanhante.

No excerto 03, situação em que aparece a história das duas datas de nascimento de Marina, em meio ao teste que direciona as perguntas especificamente ao paciente e que recusa, até mesmo através da fala de Bianca, a participação do acompanhante, a dinâmica médico-paciente se alterna para médico-acompanhante, deixando o protocolo suspenso. O teste é interrompido pelo esclarecimento da filha Ana e ganha um desenho diferente ao propor o relato de uma pessoa sem que ela mesma o relate. Aqui, novamente se repete a conversa em 3ª pessoa, da médica para a acompanhante. Elas falam sobre Marina sem se dirigir a ela por um certo tempo. Mas, diferente do exemplo anterior, nessa interação, Marina recebe, mais adiante, o pedido de outro participante (da médica) para contar mais sobre o que foi dito por Ana. Assim, um espaço é concedido para que Marina fizesse parte da interação.

Já no excerto 06, situação em que Geraldo comenta seu hábito com a bebida, a dinâmica é muito parecida com a do excerto 02 discutido acima. Geraldo parece não integrar aquele contexto de discussão, mesmo o assunto tratado sendo sobre ele. No entanto, ele acompanha as trocas de turno entre os demais participantes. Na medida que as trocas vão acontecendo, ele parece buscar um momento de entrada para falar sobre si.

Se pensarmos nos sintomas ou sinais da Doença de Alzheimer, podemos dizer que eles variam desde a falta de memória até dificuldades em desenvolver atividades cotidianas e, ainda, “tem grandes consequências sociais para o indivíduo que tem a doença, bem como para aquelas pessoas que estão emocional e/ou fisicamente próximas a esse indivíduo18” (HAMILTON, 1994, p. 1. Tradução minha).

Para exemplificarmos as relações daqueles que possuem a Doença de Alzheimer e dos que convivem com eles, podemos tomar de exemplo o filme “Para sempre Alice” de Richard Glatzer e Wash Westmoreland lançado em 2015. Neste filme, a personagem Alice é professora de Linguística na Universidade de Columbia nos Estados Unidos e aos 50 anos de idade começa a ter episódios de esquecimento de palavras, nomes e trajetos. Com algumas idas a um médico neurologista, Alice recebe o diagnóstico de Alzheimer precoce. A partir daí, o filme começa a mostrar como Alice e seus familiares lidam com a doença. A princípio Alice tenta manter seu emprego de professora e sua rotina normal com seus três filhos e seu marido. No entanto, ela passa a ter confusões e perdas de memória constantes em seu trabalho e também em sua própria casa. Uma cena que chama atenção no filme e que também descreve esse lidar com uma doença que toma suas memórias e sua vida é uma cena em que Alice faz uma fala em uma palestra. Alice é convidada para contar um pouco sobre sua história com a doença na Associação de Alzheimer. Na sua fala, a então ex- professora diz:

A vida toda eu acumulei memórias, elas se tornaram, de certa forma, meus bens mais preciosos. A noite que conheci meu marido, a primeira vez que segurei meu livro nas mãos, quando tive filhos, fiz amigos, viajei o mundo. Tudo que eu acumulei na vida, tudo que trabalhei tanto para conseguir, agora tudo isso está se apagando. Como podem imaginar, ou como sabem, é um inferno. Mas vai piorar. Quem pode nos levar a sério quando somos tão diferentes do que um dia fomos. Nosso comportamento estranho e frases atrapalhadas, mudam a percepção dos outros sobre nós e nossa percepção sobre nós mesmos. Nós nos tornamos ridículos, incapazes, cômicos, mas isso não é quem nós somos, essa é a nossa doença e como qualquer doença, ela tem uma causa, tem umaa progressão e poderia ter uma cura. Meu maior desejo é que meus filhos, nossos filhos, a próxima geração, não tenha que enfrentar o que eu estou enfrentando. Mas neste momento eu ainda estou aqui,

18 “has major social consequences for the individual who has the disease as well as for those people who are emotionally and/or physically close to this individual.”

eu sei que estou viva, tenho pessoas que eu amo muito, tenho coisas que eu quero fazer com a minha vida. Eu fico brava comigo mesma por não ser capaz de me lembrar de coisas, mas ainda tenho momentos no dia de pura felicidade e alegria. Por favor não pensem que eu estou sofrendo. Eu não estou sofrendo. Estou lutando. Lutando para fazer parte, para estar conectada a quem um dia eu fui. “Viva o momento”, eu digo para mim mesma. É realmente o que eu posso fazer, viver o momento. E não me torturar tanto por dominar a arte de perder. Uma coisa que vou tentar guardar, no entanto, é a lembrança de estar aqui falando isso. Ela vai sumir. Eu sei que vai. Pode sumir amanhã. Mas significa muito estar aqui falando hoje. Como meu outro eu que era tão facinado por comunicação. (Trecho do filme “Para sempre Alice)

Alice, neste trecho do filme, fala sobre a percepção dos outros sobre ela após o diagnóstico da doença. Do seu ponto de vista, os outros a veem como ridícula, incapaz, cômica, não a levam a sério, estranham seu comportamento e suas frases atrapalhadas. Mas Alice insiste em pontuar que todos esses aspectos que causam a estranheza nas pessoas ao seu redor são a doença e não ela mesma. Essas são todas características do Alzheimer e não de uma pessoa. Alice não se define por esses elementos, ela faz questão de separar quem ela é/foi daquilo que causa estranheza nos outros.

Durante a progressão do quadro da doença de Alice, é possível perceber as expressões faciais e os olhares confusos e desestabilizados de seu marido, de seus filhos e mesmo de seus alunos. Alice também percebe e é disso que ela fala no discurso acima. Ela fala de uma percepção da perda do seu eu, ou ainda, da percepção das pessoas ao seu redor em pensar que ela é “uma pessoa que não existe mais” (KITWOOD, 1997; FERIANI, 2017). Esse dizer não é difícil de ser ouvido dentre familiares e cuidadores. No documentário Alzheimer na Periferia (2018) de Albert Klinke esse discurso aparece fortemente.

Neste longa-metragem é apresentado a história de 5 famílias que possuem, dentre seus integrantes, uma pessoa diagnosticada com Doença de Alzheimer. Todos eles vivem em regiões periféricas da cidade de São Paulo e contam sua rotina e dificuldades enfrentadas por conta da doença. Em uma das narrativas, mostra a história de Dona Leonor que é cuidada pelo sobrinho, Paulo. Em um trecho do filme, o irmão de Paulo diz que a Dona Leonor que está sendo apresentada para o público no documentário não é mais sua tia, a Leonor que ele conhecia não existe mais. Já na história de Cida, sua filha e cuidadora, Miriam, diz que sua mãe já está no mundinho dela e, por isso, é preciso fazer o possível para ajuda-la. Essas duas falas retratam o que as pessoas ao redor daqueles que têm Alzheimer percebem sobre a perda do eu.

Quando se trata da progressão da Doença de Alzheimer e dos muitos comprometimentos sócio-linguístico-cognitivos, muitas vezes, a perda dessas habilidades é associada a uma perda da pessoa, expresso nos termos de um self. Caddell e Clare (2011) ressaltam que existe uma série de pesquisas (e.g. FAZIO e MITCHELL, 2009; LI e ORLEANS, 2002; SABAT, 2002; SABAT e COLLINS, 1999; SABAT e HARRE, 1992) voltadas para a investigação do self em pessoas com demência. Esses estudos indicam uma tentativa em associar modelos de self através de narrativas, relações entre identidade e memória autobiográfica, para citar alguns exemplos. Kitwood (1997), dedicado a pensar a noção de self relacionada à noção de subjetividade em contextos de perdas sociocognitivas e subjetivas progressivas como é o caso do Alzheimer, ressalta que:

No nível do senso comum, é óbvio que cada pessoa é profundamente diferente de todas as outras. É fácil listar algumas das dimensões dessa diferença: cultura, gênero, temperamento, classe social, estilo de vida, perspectivas, crenças, valores, compromissos, gostos, interesses - e assim por diante. Além disso, há a questão da história pessoal. Cada pessoa veio a ser quem ela é por um caminho que é unicamente dela; cada etapa da jornada deixou sua marca.19 (KITWOOD, 1997, p.

14-15. Tradução minha)

Como o autor coloca, o senso comum reconhece que cada pessoa é uma pessoa única e que seria relativamente fácil pontuar o que faz de cada pessoa um sujeito único. A partir do nascimento de um novo ser humano, a trajetória que essa pessoa vai ter durante sua vida vai fazer parte, de alguma forma, de suas crenças, valores, cultura e práticas. A subjetividade seria, então, tanto uma construção do interior de cada pessoa e que nunca vai ser igual a de ninguém quanto uma relação com influências de fatores externos e comuns. Dessa forma, uma dimensão subjetiva seria da ordem do que é singular, mas também coletivo. Atento à essa problemática, Kitwood (1997) propõe o conceito de pessoalidade (personhood). O conceito é empregado por ele num contexto específico de estudo sobre demências e designaria os resquícios, os vestígios, os traços de um eu em uma pessoa que apresenta uma doença, como é o caso do Alzheimer, em que gradativamente há uma perda do self. Nas palavras de Kitwood (1997), pessoalidade “É uma posição ou status que é concedido a um ser humano, por outros, no contexto de relacionamento e ser social.

19 At a commonsensical level it is obvious that each person is profoundly different from all others. It is easy to list some of the dimensions of that difference: culture, gender, temperament, social class, lifestyle, outlook, beliefs, values, commitments, tastes, interests – and so on. Added to this is the matter of personal history. Each person has come to be who they are by a route that is uniquely their own; every stage of the journey has left its mark.

Implica reconhecimento, respeito e confiança20” (KITWOOD, 1997, p. 8. Tradução minha). Em outras palavras, a pessoalidade de uma pessoa está implicada com o meio social em que ela vive e com as interações que acontecem nesse meio.

Se a pessoalidade for construída e mantida em um ambiente social, as pessoas com demência podem se encontrar em uma posição vulnerável devido à dificuldade progressiva de se envolver social e efetivamente com os outros. Isso pode levar à sua retirada gradual do contato social com o resultado de que outras pessoas possam distanciar-se delas, resultando, assim, em isolamento, exclusão social, aumento da vulnerabilidade e, possivelmente, maior deterioração de sua condição.21 (Retirado de Personhood: other ethical principles. Disponível em:

<https://www.alzheimer-europe.org/Ethics/Definitions-and-approaches/Other-

ethical-principles/Personhood>. Acesso em: 29 de maio de 2019. Tradução minha)

Além disso, ressalta-se a importância de não se objetificar a pessoa com demência, pois com isso, a ligação dela com o mundo é ameaçada ou até mesmo prejudicada. A partir daí, Kitwood (1997) se propõe a fazer um estudo das pessoalidades que, pelo senso comum, já teriam sido perdidas com o aparecimento de demências, mas que, para ele, apesar da doença, ainda existe uma pessoa que deve ser tratada da mesma forma, deve ser ouvida e incluída nas interações, pois esta ainda possui subjetividade.

A noção de pessoalidade impõe questões éticas importantes relativas às decisões sobre a vida de pessoas com Alzheimer que perdem suas capacidades cognitivas, mentais e sociais ao longo do processo de demenciação. Impõe ainda formas de pensar as práticas linguístico-sociais cotidianas que nos compõem como pessoas em uma coletividade. Quando falamos com um interlocutor sobre uma pessoa com Alzheimer que está presente na sala referindo-se a ela em terceira pessoa, o que estamos fazendo? O que fazemos quando fazemos isso? Embora esta não tenha sido uma pergunta inicial ou pergunta de partida para esta pesquisa, me deparei com esta situação nas interações entre médico e paciente acompanhadas e registradas em vídeo. A difícil equação entre considerar os relatos ou a descrição do estado cognitivo e mental daquele que demencia e ter, com precisão, um quadro do que está acontecendo com o paciente parece gerar configurações interativas que merecem atenção. Por exemplo, solicitar um relato sobre as rotinas e sobre o estado geral de um paciente com um quadro demencial pode convocar o(a) acompanhante a falar por

20 It is a standing or status that is bestowed upon one human being, by others, in the context of relationship and social being. It implies recognition, respect and trust.

21 If personhood is constructed and maintained in a social environment, people with dementia may find themselves in a vulnerable position due to their progressive difficulty engaging socially and effectively with others. This may lead to their gradual withdrawal from social contact with the result that other people may distance themselves from them, thereby resulting in isolation, social exclusion, increased vulnerability and possibly, further deterioration of their condition.

aquele que demencia. Que efeitos esses momentos provocam? O que dizer quando esse mesmo paciente, em outro momento da interação, assume um protagonismo em relatar uma narrativa pessoal?

Em segundos de interação, muitas dinâmicas parecem estar em jogo e nosso exercício analítico foi o de poder confrontar-nos com essas facetas das práticas linguísticas e sociais que se constroem por meio de uma interação verbal. Nesse sentido, talvez tāo importante quanto refletir sobre a subjetividade e a perda dela em casos de Alzheimer, seja também pensar a subjetividade na relação com o outro e neste caso, estamos falando em intersubjetividade. Esses momentos, como os que vimos nas interações adotadas, que parecem colocar a pessoa com DA em segundo plano na interação, muito tem a ver com o que diz Leibing (2006) acerca da morte biossocial. A autora discute uma nova forma de ver o conceito de pessoalidade (personhood) dizendo que a pessoalidade pode ser encarada como uma extensão da vida ou pode ser enquadrada como negociações culturais entorno da morte social.

Uma pessoa pode simplesmente ser excluída de uma sociedade pelos outros que a ignoram (por exemplo, através do encarceramento ou estigma). Há ainda um segundo - mais específico deles, a morte biossocial- em algumas condições médicas ou com algumas tecnologias médicas, na qual a capacidade de uma pessoa na sociedade reduz a tal ponto que esta pessoa seja considerada uma não pessoa ou como não tendo uma subjetividade completa. Aqui eu uso o termo biossocial porque os dois são inseparáveis; uma morte social ocorre por causa de uma morte biológica, e biologia não pode ser descrita de forma independente de um corpo social. (LEIBING, 2006, p. 248. Tradução minha)

Uma forma de pensar as relações entre pessoalidade, diante de um quadro progressivo de perda das capacidades sociais e cognitiva, concretiza-se na tarefa de nos debruçarmos sobre como nos relacionamos e interagimos com relação ao que é dito por quem demencia. Lier-DeVitto, Fonseca e Landi (2007), por exemplo, nos convidam a pensar na ilusão de controle de autonomia irrompida por falas sintomática, que abala não apenas a pessoa que fala, mas o outro que escuta.

qual seria a diferença subjetiva entre falas “normais” e falas “sintomáticas”?