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Este excerto foi gerado da consulta de Yara. Segundo o prontuário de Yara, ela tem 75 anos, é costureira e possui 2 anos de escolaridade. Atualmente, como informado pelos familiares de Yara, ela passa seu tempo fazendo atividades domésticas, conversando com a nora, brincando com seu neto e, muitas vezes, brigando com seu filho e sua neta.

Participam desta consulta a médica Patrícia (PAT), o acompanhante e filho Felipe (FEL), a acompanhante e nora Daniele (DAN) e a pessoa com Alzheimer Yara (YAR). Esse trecho da consulta corresponde ao momento de aplicação do teste, no qual são feitas perguntas de localização temporal.

Data do registro: 19/11/2019

Local: Ambulatório de Neurologia do Comportamento da Unifesp Transcritor: Simone Fronza

Data da transcrição:03/12/2019

Símbolos: yar_o * / pat_o & / yar_g #

01 PAT *que dia da semana// &(.) é hoje\

yar_o *olha p/ a médica ---->

pat_o ----> olha p/ o formulário &olha p/ a paciente ---->

(3.1) & (5.2) * (3.1)

pat_o &olha p/ o computador ----> yar_o *olha p/ baixo ---->

02 YAR *não & vou falar *porque eu vou falar errado né//

yar_o *olha p/ a médica *olha p/ a pesquisadora ----> pat_o &olha p/ a paciente ---->

(.)

03 PAT &*pode falar/ não (.) pode falar errado (.)

pat_o &olha p/ o computador ----> yar_o *olha p/ a médica ---->

o importante é a senhora tenta::r (.) *responder\

yar_o *olha p/ a direita--->

(1.2)

04 PAT mas se não souber *não tem problema também*

yar_o *olha p/ a médica * olha p/baixo->

#(5.9)

yar_g #mexe na alça da bolsa

05 YAR eu tenho uma irmã que mora em mato grosso &(.)minha irmã mora em mato grosso

pat_o &olha p/ o formulário ---->

&se eu quisesse ficar lá com ela (.) *meu filho também está

pat_o &olha p/ a paciente ---->

yar_o *olha p/ médica ---->

lá (.) eu tenho um filho (.) mas eu #&não quero ficar

yar_g #acena negativamente c/ a cabeça ----> pat_o &olha p/ o formulário ---->

longe da minha casa (.) abandonar minha casa jamais/#& &só-

yar_g --->#

pat_o &olha p/ paciente &olha p/ computador -->

(0.1) # (0.6)

yar_g #aponta c/ a mão direita ---->

06 FEL *mas ela #a doutora&

yar_g --->#

pat_o &olha p/ o acompanhante ---->

*&fez outra [pergunta para a senhora

yar_o *olha p/ a direita ---> pat_o &olha p/ a paciente --->

07 PAT *[que hora que é agora//

yar_o *olha p/ a médica ---->

08 YAR *#eu estou fazendo isso para ela (.)

yar_o *olha p/ os acompanhantes

yar_g #acena afirmativamente c/ a cabeça

*eu estou falando\ ((risos))

yar_o * olha p/ a médica ---->

(.)

09 PAT está falando\ ((risos)) que horas são mais ou

10 YAR posso falar//

11 PAT pode\

12 YAR *vou fazer igual\ posso falar// ((risos))

yar_o * olha p/ a pesquisadora

(0.7)

13 PAT *que hora do dia agora mais ou menos nós estamos//

yar_o *olha p/ a médica

14 YAR agora//

(0.4)

15 PAT &i::sso\

pat_o &olha p/ o computador

&(0.6)

pat_o &olha p/ o formulário ---->

16 YAR quase na hora do almoço &(.) não sei já está a hora do almoço\

pat_o &olha p/ o computador ---->

17 PAT &que horas que é mais ou menos//

pat_o &olha p/ a paciente ---->

18 YAR onze horas//

(0.5) 19 PAT &tá bom\

pat_o &olha p/ o computador

Este quarto excerto se inicia com a continuação das perguntas de localização temporal para Yara. Por algum tempo, Yara olha para a médica e depois para baixo e finalmente diz, na linha 02, que prefere não responder a dizer a resposta errada. Aqui, temos a lógica do teste muito presente. O teste admite certo e errado e Yara parece estar dentro dessa lógica, pois ela também não admite dizer uma resposta que seria considerada errada para o teste.

Ao observarmos o direcionamento de olhar de Yara durante seu turno de fala, é possível perceber que sua resposta vai tanto para Patrícia, quanto para mim.

Nas linhas 03 e 04, Patrícia propõe duas autorizações para Yara: poder falar e poder falar errado. A primeira é admitida interacionalmente e também no teste, já a segunda não é admitida no teste, apenas interacionalmente. E talvez por isso Yara não responda imediatamente, pois como visto na linha 02, Yara parece ter uma preocupação forte em responder de acordo com a lógica do teste.

Após a fala de Patrícia, Yara olha para baixo e brinca com a alça da bolsa por cerca de quase 6s até preencher as ausências de fala com uma narrativa que aparece de forma abrupta e sem pedido dos demais participantes. Ela retoma aspectos familiares, mencionando sua irmã e seu filho que moram em Mato Grosso. Explica, além disso, um pouco de sua situação. Diz que se fosse de seu gosto, seria bem-vinda em Mato Grosso, mas sua casa, em São Paulo, ela não abandonaria jamais.

A narrativa de Yara é iniciada sem o pedido de nenhum interlocutor, ela começa, pelo que parece, por uma tentativa de expressar um sentimento pelo local que ela vive atualmente, pela sua casa em São Paulo. Durante toda a consulta, Yara fala sobre as afeições por sua casa, como gosta de cuidar dela, fazer suas tarefas, fazer refeições com sua nora em sua casa, brincar com seu neto. Mas, ao mesmo tempo, fala dos conflitos que tem com seu filho e sua neta também em sua casa. Yara e Felipe discutem o tempo todo durante a consulta e o silêncio que se instaurou durante o teste talvez tenha sido o momento que Yara encontrou para falar de coisas que lhe fazem falta (a irmã e o filho que mora em Mato Grosso) e coisas que lhe são agradáveis (sua casa em São Paulo). Sua casa, em São Paulo, é este local que parece pedir uma fuga, por vezes, e por outras, parece ser um abrigo.

Quando observamos a sequência da interação, vemos, na linha 06, que Felipe interrompe a narrativa de Yara, sugerindo que a mãe retorne ao teste e à pergunta feita por Patrícia. Assim, o espaço que foi conquistado por Yara para contar sua narrativa é tomado. Com isso, a paciente parece ficar desorientada por alguns instantes, olhando para mim, para um lado vazio e para a médica.

Patrícia tenta retomar o teste com uma próxima pergunta, na linha 07, agora sobre as horas. No entanto, na linha 08, Yara, não responde à Patrícia, mas ao Felipe, se voltando a ele e dizendo “eu estou fazendo isso para ela, eu estou falando”.

A médica aceita o que foi dito por Yara, repetindo parte da fala da paciente e tenta mais uma vez obter a resposta do teste sobre as horas. Mas Yara não retorna imediatamente à dinâmica do teste, ela continua justificando sua fala anterior. Na linha 10, ela pergunta para a médica se tem permissão para continuar sua fala e Patrícia permite.

Na linha 12, Yara parece fazer referência a algum bordão conhecido e repete mais uma vez o “posso falar”, mas agora direcionada a mim.

Na linha 13, aparece a terceira tentativa de Patrícia em conseguir a resposta do teste e, na linha 14, Yara parece finalmente voltar para a dinâmica do teste. Na linha 16, Yara sugere uma aproximação de horário (próximo ao almoço), mas que para o teste não é

adequado, assim, Patrícia pergunta novamente, Yara sugere mais uma resposta “onze horas?” e Patrícia encerra o tópico na linha 19.