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CAPÍTULO II – UM CORPUS DEDICADO AO ESTUDO DE ELEMENTOS

2.4 Convenção de transcrição

2.4.1 Informações gerais

a) Os participantes foram identificados pelas três primeiras letras de seus respectivos pseudônimos:

Tabela 11 - Identificação dos participantes na transcrição

Interação 01 Interação 02

ANT Antônio GER Geraldo

IRI Iris IVA Ivana

ALI Aline ADR Adriane

JUL Julia JUL Julia

Interação 03 Interação 04

MAR Marina ELI Eliane

ANA Ana AMA Amanda

ANI Anita BIA Bianca

BIA Bianca Interação 05 YAR Yara FEL Felipe DAN Daniele PAT Patrícia

b) As iniciais em maiúsculo indicam a fala e os recursos não-verbais foram indicados com as letras iniciais em minúsculo e seguidas da primeira letra do recurso não- verbal (gesto, movimento do torso, olhar, movimento de cabeça).

● Para gestos: iniciais minúsculas seguidas de traço underline e a letra “g”. Ex.: ant_g. ● Para olhar: iniciais minúsculas seguidas de traço underline e a letra “o”. Ex.: yar_o. ● Para movimentos de cabeça: iniciais minúsculas seguidas de traço underline e a

letra “c”. Ex.: eli_c.

● Para movimentos do torso: iniciais minúsculas seguidas de traço underline e a letra “t”. Ex.: mar_t.

c) Na menção do nome de outro participante no turno de fala, optou-se pelo uso do pseudônimo da pessoa citada na transcrição e no texto de análise.

d) A numeração das linhas da transcrição foi feita por turno de fala e, portanto, não segue a ordem sequencial das linhas.

e) Para facilitar a leitura das transcrições, os turnos de fala são apresentados em

negrito e os recursos não-verbais são apresentados em itálico.

f) Foi atribuído um símbolo gráfico aleatório para cada participante de cada situação interacional. O símbolo é inserido nos turnos de fala no momento de realização de cada recurso não-verbal. Os símbolos são:

Tabela 12 - Símbolos gráficos de cada participante utilizados na transcrição

Interação 01 Interação 02 Antônio Geraldo Gestos * olhar * Olhar @ Iris olhar & Interação 03 Interação 04 Marina Eliane Olhar * olhar *

mov. do torso @ gestos @

Bianca Bianca

Gestos & olhar &

gestos #

Yara Olhar * Gestos # Patrícia Olhar & 2.4.2 Notação de transcrição

Trazemos aqui a convenção de transcrição Mondada (2016) reduzida e adaptada para o português. Para este tipo de trabalho, temos optado por não deixar as notações de transcrições como anexo ao texto.

Tabela 13 - Notação de transcrição

Aspectos linguístico-verbais xxx segmento ininteligível

& continuação do turno de fala pelo mesmo locutor após uma quebra da linha de transcrição

(.) micro pausas, inferiores a 0,3 segundos, não medidas

(0.4) pausas medidas com ajuda do software ELAN

versão 4.9.4

= fala colada visualizadas com ajuda do software ELAN versão 4.9.4

: alongamento silábico medidos com ajuda do software ELAN versão 4.9.4 e PRAAT versão 6.0.25 .h marca a inspiração do locutor

/ entonação ascendente visuzalidas com a ajuda do software PRAAT versão 6.0.25

\ entonação descendente visuzalidas com a ajuda do software PRAAT versão 6.0.25

// entonação de pergunta (ascendente) visuzalidas com a ajuda do software PRAAT versão 6.0.25

maIÚSCULA volume forte de voz

° ° volume baixo, murmúrio de voz

< > delimitação das descrições entre parênteses

((descrição)) descrição de ações ou aspectos interacionais

+----+ indicação do início e do fim da ação/gesto em

relação à fala visualizadas com ajuda do software ELAN versão 4.9.4 * os símbolos gráficos indicadores de ação/gesto

posicionados no momento em que são realizados com relação à fala

visualizadas com ajuda do software ELAN versão 4.9.4

---->01 continuação da ação/gesto até a linha indicada do

excerto visualizadas com ajuda do software ELAN versão 4.9.4 --->+ se uma ação/gesto continua nas linhas seguintes,

sua descrição é seguida de uma flecha e do símbolo que delimita o seu fim.

visualizadas com ajuda do software ELAN versão 4.9.4

--->> continuação da ação/gesto até o fim do excerto visualizadas com ajuda do software ELAN versão 4.9.4

Fonte: notação multimodal de Mondada (2016) extraído de Cruz, 2017, p. 177 a 179 com pequenas modificações

Esta primeira anotação e transcrição dos dados já constituem uma primeira análise, pois as escolhas de seleção dos trechos do vídeo, as trilhas anotadas e elementos escolhidos para serem transcritos nos colocam em contato com um nível microecológico da interação, com um nível de detalhamento que cada pequeno gesto pode ser apreendido.

Goffman (2002 [1964]) discute o que seria órbita microecológica ao ressaltar a importância dos comportamentos gestuais que estão associados à fala. Para o autor, quando uma análise se propõe a observar aspectos não-verbais é possível se deparar com dois empecilhos.

Primeiro, apesar de o substrato de um gesto derivar do corpo de quem o executa, a forma do gesto pode ser intimamente determinada pela órbita microecológica na qual o falante se encontra. Para descrevermos o gesto, e nem sequer se está falando em desnudar seu significado, talvez tenhamos que apresentar o cenário material e humano no qual o gesto é feito. Por exemplo, é preciso haver um consenso de que a altura do som de uma afirmação pode ser avaliada somente quando se sabe, antes de mais nada, a que distância o falante está de seu receptor. O indivíduo gesticula usando seu ambiente imediato, não apenas seu corpo. Portanto, devemos apresentar o ambiente de forma sistemática. Em segundo lugar, os gestos que um indivíduo utiliza como parte da fala são muito semelhantes aos gestos que utiliza quando quer tornar patente que não irá, de forma alguma, se envolver em uma conversa àquela altura. Em certos níveis de análise, então, o estudo do comportamento enquanto se fala e o estudo do comportamento dos que estão em presença uns dos outros mas não estão engajados em falar não pode ser separado analiticamente. (GOFFMAN, 2002 [1964], p. 15)

Cruz (2019) comenta e discute essa noção trazida por Goffman (2002 [1964]):

A noção de órbita microecológica me parece fundamental. Órbita implica espaço em movimento e microecológica implica elementos mínimos em relação. No que diz respeito às interações sociais, Goffman sugere que quando a fala ocorre, ela

ocorre dentro de um arranjo social (op.cit.[Goffman, 2002], p.18). Isso também nos indica que, por vezes, ela não ocorre durante nossas ações. O que as interações humanas parecem mesmo indicar, como diria Goffman, é que em toda situação é atribuída uma significação a diversos elementos que não estão necessariamente associados a trocas verbais, como, por exemplo, elementos corporais, mas que ainda assim, fazem parte de uma certa forma de comunicação, dentro de arranjo social. Como formulará Pasquier (2008), ao tentar sistematizar o conceito de corpo na obra de Goffman e investigar, a partir daí, as dimensões da corporalidade nas relações sociais: ‘O corpo fala. Nós somos obrigados a nos haver com isso mais ou menos espontaneamente nas nossas relações face-a-face’. (CRUZ, 2019, p. 60).

A transcrição é uma ferramenta analítica importante dos estudos linguísticos. Muitas transcrições priorizam os elementos verbais com a finalidade de fazer análises de elementos linguísticos. Mas também é possível fazer uma transcrição que permita incorporar o corpo e o espaço como elementos centrais da construção de nossas práticas linguísticas. Os excertos transcritos com uma transcrição multimodal podem ser de difícil leitura, mas vale lembrar que a transcrição é antes de tudo uma ferramenta teórica e analítica (OCHS, 1979).

Para o que pretende-se explorar e dar visibilidade, que são os aspectos verbais, corporais e espaciais de momentos de narração durante consultas clínicas, as transcrições multimodais são imprescindíveis, pois permitem ver o fluxo da interação (que diz respeito aos aspectos de temporalidade e sequencialidade das ações dos participantes). Acredito que atentar para recursos verbais e corporais mobilizados pelos participantes da interação colabora com uma visão corporificada da interação demonstrando o engajamento das pessoas com Alzheimer, mesmo nos lapsos de memória ou fala fragmentada, a partir, por exemplo, de direcionamentos do olhar e gestos.

Para auxiliar a legibilidade da transcrição, vale citar uma passagem em que Cruz (2018b) fala do trabalho de transcrever a fala corporificada e dos desafios em se ler o formato final de uma transcrição:

Algumas vezes, a transcrição oferece, após horas de um trabalho intenso de ir aos detalhes, uma espécie de lupa que permite transcrever o que o vídeo não deixou ver, o que o olhar presencial deixou escapar. Sabemos que uma transcrição multimodal por si só gera questões importantes em torno da legibilidade. Por vezes, um excerto transcrito multimodalmente parece indecifrável ou exige um tempo considerável para sua leitura, se adotamos uma convenção multimodal. Eu gostaria nesta seção de trazer um pouco sobre o tópico da transcrição a partir da

minha experiência em transcrever vídeos. Tenho gostado de pensar as possibilidades criativas que a própria transcrição nos oferece. Quanto mais distantes de um formato legível e conhecido de texto, mais nos aproximamos de uma imagem. Assim, queria compartilhar dessa experiência de imagem a que nos levam tanto o trabalho de transcrever um vídeo, que permite ver temporalidades e espacialidades minimamente coordenadas, quanto o objeto final de um excerto transcrito, que pode ser muito diferente de um texto corrido. O convite então é experimentarmos ver um excerto transcrito abaixo, a uma primeira vista um pouco

indecifrável, com movimentos guiados pela busca de sincronias, alinhamentos, coordenações, sobreposições e sequencialidades, como na dança. Seria, no limite, possível pensar em uma estética das transcrições. Com essa experiência, localizamos um bonito trabalho de coordenação que deixa ver, dentre muitos aspectos que eu poderia destacar, uma relação entre espaço físico, mundo material e língua que deixa ver as muitas formas de interagir com o outro apreendidas nas interações envolvendo crianças autistas. (CRUZ, 2018b, p. 141)

A experiência em fazer as transcrições dos excertos desta pesquisa me possibilitou ver o que comentou Cruz (2018b) no trecho acima. A transcrição me permitiu ampliar, quase como um zoom de uma câmera, muitas coisas que acabaram passando despercebidas com a observação das consultas de que participei e com a observação a olho nu ou corrida dos vídeos. A partir do momento que um trecho específico do vídeo é selecionado para ser transcrito, elementos analíticos começam a emergir. Com as transcrições, pude ver com mais cuidado e precisão quais foram os momentos específicos que os elementos narrativos e o falar sobre si emergiram nas interações. E quando, como e onde esses elementos apareceram e o que vinha acontecendo antes e o que aconteceu após a emergência desses relatos. Depois de anotar esses momentos de inserções de narrativas, pude notar também que o riso foi um elemento que, muitas vezes, seguiu os elementos narrativos. Ainda na etapa de transcrição, observei uma situação muito recorrente dentre as consultas registradas: em quase todas elas foi possível verificar momentos em que médica e acompanhante(s) falam sobre a pessoa com DA e não com a pessoa com DA.

Todos esses elementos analíticos trazidos acima serão melhor detalhados no Capítulo III, mas, aqui, eles demonstram como a etapa de transcrição já é a parte primária da análise que se segue após a transcrição concluída.

Em um segundo momento, já com as transcrições realizadas, fiz uma análise um pouco mais detalhada dos elementos (verbais e não-verbais) que constituem essas interações, observando a sequencialidade e temporalidade em que esses elementos emergem, buscando, finalmente, o momento em que se dão os relatos pessoais narrados pelas pessoas com Alzheimer e como esses relatos são inseridos, fragmentados, abandonados ou retomados durante a interação.

Vejamos, no próximo capítulo, como acontecem as interações clínicas e quais são os recursos mobilizados nelas à luz de exemplos de excertos selecionados do Corpus CENA e, em seguida, a análise dos excertos a partir dos tópicos discutidos:

2. O narrar junto: elementos de memória compartilhada; 3. A presença ausente: o falar sobre o outro na 3ª pessoa; 4. Papéis do riso em interações médico-pacientes;

CAPÍTULO III – A INVESTIGAÇÃO DO CORPUS: RECURSOS MOBILIZADOS