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PARTE 1 O PROBLEMA E A CONSTRUÇÃO DO QUADRO TEÓRICO

I. APRESENTAÇÃO DO CONTEXTO E DO PROBLEMA

I.6 A pressão social e a autoavaliação reguladora

A reação defensiva é uma resposta das escolas a pressões diversas onde se questiona a qualidade do seu trabalho e que podem manchar o seu prestígio. Um exemplo é a publicação dos rankings do desempenho das escolas com base nos resultados que os seus alunos obtiveram nos exames nacionais ou nos resultados das provas de aferição. Os media identificam e rotulam as escolas de melhores ou piores, em função dos resultados obtidos pelos alunos em provas nacionais estandardizadas. Tratou-se pois de uma nova forma de avaliar escolas e o ensino público algumas das fragilidades e distorções mais óbvias deste processo, são conhecidas e objeto de críticas: Arias (2008 e 2009) e Ferrão (2003 e 2009), referem que não tem em conta as características da população escolar, nem faz o ajustamento dos resultados a variáveis socioeconómicas; não consideram os níveis de entrada dos alunos para melhor conhecer se houve uma evolução ou regressão; não é efetuada uma análise da coorte da geração dos alunos examinados, fundamental para se conhecer a dimensão do sucesso académico e o efeito escolha.

Referimos, aqui, exemplos de autores que defendem o cálculo de valor acrescentado de escola como uma forma mais objetiva e justa de avaliar o seu contributo no sucesso escolar dos seus alunos. Citamos, a título de exemplo, Arias (2008 e 2009) e Ferrão (2003 e 2009), mas também o OFSTED12 que criou uma ferramenta – RAISEonline - que permite à escola conhecer as expectativas de sucesso da sua população escolar e confrontar os resultados académicos com um Valor Esperado, onde são consideradas variáveis socioeconómicas dos alunos. Apesar de ser muito rudimentar e com um número de variáveis muito limitado – idade dos alunos e percentagem de alunos carenciados - a IGE já desenvolvera uma base que as escolas

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podiam utilizar em processos de reflexão interna e autoavaliação, aquando da realização da Avaliação Integrada de Escolas (IGE 2000). Também a Fundação Manuel Leão (s/ data), no âmbito do Programa Aves, colabora com as escolas na avaliação da qualidade do seu trabalho, através da recolha e tratamento de dados relativos ao que identificam como os quatro níveis da avaliação das escolas, observados em função das suas dimensões: nível de entrada (resultados dos alunos à entrada de um ciclo de escolaridade), nível de contexto (sociocultural e tipo de escola), nível de processos (processos de escola e de sala de aula) e nível de resultados (alunos - áreas curriculares, valores e atitudes, estratégias de aprendizagem, competências de raciocínio, apreciação da escola – pais e professores [a sua avaliação da escola]).

Outras vozes apontam mais para aspetos éticos. Monteiro (2006), inclui-se neste grupo, reportando-se à investigação que desenvolveu sobre as últimas escolas classificadas num ranking onde constatou que “De um modo geral, os responsáveis pela gestão entendem que os rankings provocam efeitos psicológicos devastadores junto da comunidade educativa, sobretudo junto dos professores, o que acontece na altura em que são divulgados pela comunicação social.”

Ao questionar a veracidade da mensagem que é transmitida pelos rankings, Guerra (2008), alertou inclusive para o significado perverso de um bom posicionamento, pois uma escola que surge nos rankings como sendo de alta qualidade, pode ser uma escola que pratique o racismo, a xenofobia, o sexismo ou o elitismo na hora de admitir os alunos ou insensível para os que não obtêm bons resultados.

Apesar de questionáveis, os rankings são populares e no mercado há procura: os jornais vendem-se (são tema de primeira página, de páginas centrais ou mesmo de dossiers destacáveis), são organizadas entrevistas e debates que ocupam um espaço significativo do tempo dos telejornais e emitidos em programas em horário nobre da TV. Fazendo uma pequena retrospetiva dos rankings publicados em outubro de 2010, constatamos que, a título de exemplo, o jornal Expresso publicou um caderno destacável de 12 páginas, o Diário de Notícias dedicava duas páginas aos rankings organizados em sete categorias, foi tema de debate no programa Prós e Contras da RTP, muitos artigos de opinião e muitos comentários na blogosfera.

Sobre o ‘comparar o incomparável’, diz Joaquim Azevedo em entrevista a um jornal diário

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acho absurda esta conversa dos rankings, mais ainda porque o ministério tem os indicadores todos. Portanto, o ministério pode ver ‘nesta escola, os alunos são de um nível socioeconómico baixo’ e deixar de comparar a Escola do Cerco do Porto com o Garcia da Orta, ou ir a Lisboa e comparar a escola do Sagrado Coração de Maria com uma escola da Damaia, sem atender aos contextos em que as escolas estão posicionadas. Isso é possível e faz-se de um ano para o outro (Azevedo, entrevista ao jornal Público, 16 de Outubro de 2010)

Sobre as escolas bem posicionadas nos rankings produzem-se reportagens onde os entrevistados sublinham as estratégias que terão sido determinantes para o sucesso. Já no que diz respeito às que estão mal posicionadas, as reportagens colhem, sobretudo, justificações de tais fragilidades e queixumes, como sejam o meio onde estão inseridas, as dificuldades da sua população escolar ou a falta de condições do próprio estabelecimento de ensino. Estas escolas valorizam, como compensação (e mesmo consolação), o trabalho desenvolvido em áreas cujos resultados não são tão óbvios no futuro próximo, tais como a cidadania, a equidade ou o empreendedorismo. A questão das boas práticas em escolas mal classificadas nos rankings tem sido aflorada pelos mais diferentes métodos, seja em estudos - cito aqui, a título de exemplo Monteiro (2006) - ou crónicas em blogs, Guerra (2008)

Tudo leva a crer que, em termos da construção de um juízo avaliativo sobre a qualidade de uma escola, a única alternativa atual aos rankings podem ser as avaliações externas das escolas desenvolvidas pela IGEC. Porém, ao passo que os rankings são produzidos anualmente, as avaliações externas desenvolvem-se em ciclos de quatro anos13, o que significa que existe um hiato de três anos em que cada escola dificilmente verá publicada outra informação sobre o seu desempenho que não a dos exames ou outras provas nacionais. A construção de uma imagem pública da qualidade da escola em Portugal, decorre frequentemente da mediatização de episódios de indisciplina e de outras situações pouco abonatórias – como, por exemplo, os casos de bullying ou de agressões a professores.

Às situações mediáticas atrás referidas que têm contribuído para alguma décalage entre ‘escola noticiada’ e ‘escola real’ e, consequentemente, para o enviesamento de juízos avaliativos, acrescem muitos episódios focalizados, ou mesmo

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individualizados, percetíveis apenas para a comunidade educativa e que raramente passam a fronteira local: o aluno que, graças ao empenho da escola conseguiu ultrapassar as dificuldades de aprendizagem; o mau funcionamento de um serviço; um projeto com bastante êxito; o absentismo de um professor que a escola não pode colmatar, etc.

A autoavaliação das escolas tem frequentemente constituído uma resposta à pressão da administração educativa, nomeadamente através da avaliação externa, contribuindo mesmo para a valorização do seu desempenho - a existência de um dispositivo de autoavaliação e de práticas efetivas, permitia obter uma melhor classificação no então designado ‘Domínio 5 – Capacidade de autorregulação e melhoria’. Paralelamente, a existência de dados consistentes e organizados sobre a vida da escola, permitia melhor responder às solicitações das equipas de avaliadores externos, manter discussões informadas com estas e mesmo corrigir dados já desatualizados.

Daqui resulta mais uma necessidade de resposta das escolas para que, através de dispositivos próprios de avaliação, produzam informação avaliativa sustentada em evidências e possam contrapor aos dados mediatizados ou a juízos formados a partir de episódios, outros elementos porventura mais animadores sobre o seu desempenho.

Assim, a autoavaliação das escolas pode surgir como uma resposta reguladora, de cariz reativo, para aproximar a ‘escola mediatizada’ da ‘escola real’ ou, pelo menos, para construir uma segunda versão da escola publicitada. Do mesmo modo, a autoavaliação pode não se cingir à produção de respostas, enveredando antes por uma atitude proactiva de desafio e melhoria. É o que veremos no capítulo seguinte.

Síntese dos contributos do contexto para uma autoavaliação durável

O contexto das últimas décadas é em tudo favorável à organização de dispositivos de autoavaliação por parte das escolas, o que contrasta com a timidez e efemeridade revelada na generalidade das práticas:

• A pressão da administração educativa sobre as escolas para que desenvolvam autoavaliação manifesta-se, por um lado, através da publicação de legislação que explicitamente confere o caráter de obrigatoriedade à

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autoavaliação, ou através da indução e da partilha de dados já passíveis de serem utilizados como instrumento de gestão.

• Numa relação de proximidade entre a administração e as escolas, destaca-se a presença da IGE, que desenvolve atividades de avaliação externa, mas também outras direcionadas para a autoavaliação de escolas no quadro legal existente.

• A pressão da administração educativa manifesta-se ainda através de procedimentos que, à distância, exigem da escola dados e produtos autoavaliativos, tais como a produção de estatísticas e de relatórios sobre aspetos muito específicos da vida da escola.

• A pressão social é também evidente através dos media e manifesta-se frequentemente através da publicação de rankings e através de serviços noticiosos sobre a vida das escolas, exigindo que estas desenvolvam mecanismos de defesa para responder, ou contra-argumentar sustentadas em factos.

• Outros fatores de contexto que têm contribuído para a generalização e sistematização de práticas de autoavaliação encontram-se em universidades e outras instituições que desenvolvem mecanismos de apoio direto às escolas (ex.: projetos, tratamento e partilha de informação) ou de apoio indireto, através da formação contínua ou especializada de elementos das comunidades escolares, apoio à investigação e disseminação de produtos de investigação.

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