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PARTE 1 O PROBLEMA E A CONSTRUÇÃO DO QUADRO TEÓRICO

II. FUNDAMENTOS DA AUTOAVALIAÇÃO

II.1 Virtudes da avaliação

As virtudes da avaliação em educação enunciadas pela generalidade dos autores estudiosos desta matéria (Clímaco 2005, CNE 2008, Fullan 2001, McBeath 2000 e Patton 2000, entre outros), justificariam, por si, que a maioria das escolas adaptasse ou concebesse dispositivos para a recolha sistemática de dados e produção de informação avaliativa, ou seja, que por sua própria iniciativa desenvolvessem a autoavaliação.

A literatura, em geral, diz-nos que vale a pena autoavaliar as escolas como instrumento de gestão, pela utilidade que tem para os seus destinatários e mesmo pelos seus efeitos secundários muitas vezes não explicitados, como, por exemplo, a confiança que gera. A avaliação fornece, igualmente, informações passíveis de serem utilizadas pelas escolas como argumentos defensivos em situações mais hostis, designadamente aquelas que têm origem em elementos externos à própria escola.

Nevo (2006) distingue cinco principais funções da avaliação em educação: tomada de decisão, melhoria, prestação de contas, profissionalismo e certificação. Para este estudo interessam, sobretudo, as quatro primeiras, dado o seu papel na autoavaliação das escolas e o modo como os dispositivos as incorporam.

Para este autor, um claro benefício das atividades avaliativas é o seu contributo para a diminuição das margens de incerteza na tomada de decisão, ao mesmo tempo que aumenta a sua racionalidade. Este será um dos argumentos justificativos de desenvolvimento de dispositivos de autoavaliação. Também Jean Cardinet sublinhou a importância da avaliação para informar a tomada de decisão e o seu contributo para a melhoria, aplicável a práticas individuais, programas ou organizações “[avaliação é] um

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processo de observação e de interpretação dos efeitos do ensino, que visa orientar as decisões necessárias ao bom funcionamento da escola” (1986, p. 13).

A melhoria de processos ou resultados é, pois, outra das funções da avaliação e está intrinsecamente associada à tomada de decisão e à generalidade dos atos de gestão. Para o caso das escolas, Nevo associa à ‘melhoria’ uma lógica de mercado que permita a livre escolha de escola por parte de pais e alunos, não tão evidente na escola pública portuguesa dada a regulamentação em vigor sobre esta matéria, pensada para responder a cenários de excesso de procura face à capacidade de oferta – “As escolas têm de melhorar permanentemente, para que possam competir com outras escolasii” (Nevo, 2006, p. 443).

A funcionalidade de prestação de contas surge focalizada na eficácia e eficiência da escola e decorre do reforço simultâneo da sua autonomia. Esta funcionalidade constitui um desafio para que as escolas contribuam para o desenvolvimento de métodos e de indicadores para prestação de contas, potenciando o seu papel de interlocutor ativo e informado.

Finalmente, o profissionalismo visa particularmente o trabalho desenvolvido pelos professores quotidianamente, assumindo-se que a avaliação é uma rotina profissional

Espera-se que os professores planifiquem, desenvolvam e avaliem o seu trabalho /…/ assim a avaliação torna-se uma parte integral do seu trabalho. Ajuda-os a analisar as necessidades dos seus estudantes em função dos objetivos da escola, avalia os recursos disponíveis e as oportunidades, escolhe as estratégias pedagógicas e avalia a qualidade do seu trabalhoiii. (Idem, p. 444)

Algumas das funções que Nevo atribui à avaliação têm paralelo nas que são enunciadas por Powell (2006), sob a designação de finalidades da avaliação nas organizações, que são quatro:

• permite saber se os objetivos da organização estão a ser alcançados (diagnóstico);

• dá indicações sobre os aspetos melhor e pior conseguidos (diagnóstico); • permite reunir um conjunto de informações necessárias à prestação de contas

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• finalmente, a avaliação é um instrumento de gestão ao indicar que aspetos “devem ser trabalhados, ajustados e avaliados ulteriormente” (Powell et. al. 2006) (melhoria).

Stufflebeam (1980), referindo-se especificamente à avaliação diagnóstica, sublinhou a sua dupla funcionalidade: identificar as necessidades a satisfazer e diagnosticar os problemas que impedem que essas necessidades sejam satisfeitas. Nesta medida, a autoavaliação pode constituir-se um instrumento de gestão e de melhora.

Este autor destacou a importância da utilização da avaliação como instrumento de gestão “o processo pelo qual se delimitam, obtêm e fornecem informações úteis que permitam julgar as decisões possíveis” (in Figari, 1996, p. 33)

Segundo Figari, a avaliação é desejada e o seu desenvolvimento responde a três tipos de demandas (1996, p. 33 e seguintes):

• a social, que reflete as expectativas de eficácia e de sucesso relativamente ao que designa fenómenos escolares;

• a institucional, segundo a qual as organizações procuram regular os efeitos da sua atividade a indivíduos e a grupos;

• a internacional, com o objetivo de comparar a eficácia de diferentes sistemas educativos.

Para além das funções ou finalidades anteriormente referidas, esta atividade avaliativa pode servir outros propósitos de um modo mais ou menos intencional e explícito, os quais podem constituir estímulos para as escolas. Afonso & Estevão (1992) sublinharam quatro, que designaremos de marketing, política, racionalidade e confiança: • avaliação como algo necessário para transmitir uma imagem de organização responsável, apesar da sua utilização para efeitos de decisão ser reduzida (marketing);

• a utilização da avaliação para justificar decisões já anteriormente tomadas e a sua utilização como arma política;

• a avaliação como um ritual que perpetua uma imagem de racionalidade, eficiência e responsabilização;

• favorece a confiança e o apoio dos agentes externos às organizações, sobretudo quando os resultados são bons (confiança).

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Tais virtudes da avaliação encontram-se nos dispositivos de avaliação organizados e desenvolvidos pelas próprias escolas, pelo que se lhe acrescenta o prefixo auto-.

Um projeto desenvolvido nos primeiros anos do século XXI Supporting Evaluation of Quality and Learning of Schools (Livingston & Kirkland, 2003), que marcou alguma diferença por ter realizado um despiste de boas práticas de autoavaliação sem partir de um modelo de referência pré-concebido e por ter reconhecido bons exemplos nas mais diversas abordagens, construiu uma lista de potenciais benefícios. Tal lista resulta de consensos de instituições de diversos países e com papéis distintos nos respetivos sistemas educativos. Apesar de longa, a lista enuncia as principais virtudes da autoavaliação como processo e como produto, e alerta para alguns riscos associados. Os tópicos referem efeitos da avaliação tais como a convergência de interesses, a melhoria, democracia e a ética, o uso da avaliação para controlo, o direito da sociedade à informação e o suporte à decisão.

Mais adiante estes autores concluíram – “espera-se que a autoavaliação seja uma ferramenta interna que dê início a processos construtivos de melhoria da escolaiv” (SEQuALS, 2003, p. 4).

Independentemente das funções e finalidades da autoavaliação e de alguns princípios que lhe devem estar subjacentes, a ação sistemática é apontada por diversos autores como uma característica fundamental da avaliação pelo contributo para a maximização dos seus efeitos. Stufflebeam & Shinkfield (2007) referiram que “Quanto mais sistemáticos, profundos e disciplinados forem os procedimentos de avaliação, mais benéficas e duradouras serão as mudanças no objeto da avaliaçãov”. (2007, p. 7).

O relatório da OCDE (2013) Synergies for Better Learning faz um levantamento do estado da arte da avaliação em educação nos estados-membros, que surge ainda fragmentada por subsistemas de avaliação – avaliação de alunos, de professores, de escolas, de lideranças escolares, … A partir destas avaliações parcelares justifica-se a importância da sua substituição por modelos integrados, de onde resultem sinergias.

Este relatório aponta como principais desafios para a avaliação de escolas: - o alinhamento da avaliação externa com a autoavaliação;

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- a garantia da informação aos pais, com recurso a relatórios sobre a escola justos e que não ponham em causa as instituições avaliadas;

- o desenvolvimento de competências em técnicas de autoavaliação e de avaliação externa;

- a melhoria das competências dos agentes escolares no trabalho com os dados. Muitos destes desafios já correspondem às políticas predominantes para a avaliação de escolas, que assinala a passagem de um paradigma de conformidade para um outro de qualidade.

Numa perspetiva mais ambiciosa em que a avaliação de escolas surge integrada num modelo de avaliação amplo, acrescentam-se novos desafios, designadamente: articulação entre práticas de avaliação e de classificação (assessment), preservação das ligações às práticas de sala de aula, superação do desafio de implementação.

Também aqui, muitas das sugestões já estão em linha com a tendência atual das práticas de avaliação em educação. Acrescentaríamos, apenas, o envolvimento da comunidade educativa e dos profissionais da educação no desenho daa implementação das políticas de avaliação.