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7. DISCUSSÃO

7.2 Os resultados

7.2.2.1 A prevalência da dor de dente

Considerando que, pelas listagens fornecidas pela SME e SEE/MG, havia em torno de 181.777 crianças matriculadas em escolas de BH, só no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, sabendo que este ciclo encerra quatro séries (1ª a 4ª) e que há um certo equilíbrio numérico ao dividir-se o total de alunos por elas, pode- se inferir que a metade deste total está alocada na 2ª e 3ª séries, as que foram alvo de nossa pesquisa, por concentrarem a maior parte das crianças de oito e nove anos. Sendo assim, havia por volta de 91.000 crianças, nesta faixa etária, matriculadas em escolas de BH. Se 35,7% delas sofreram com dor de dente no último mês (TAB. 7), o número global gira em torno de 32.487 crianças, somente neste período. Além disso, a extrapolação destes dados para crianças de outras

idades sugere que este pode vir a ser um enorme problema para a sociedade e sistemas de saúde como um todo.

É de se estranhar, também, a contradição encontrada entre a expressiva prevalência de dor de dente, atualmente, nas crianças de BH, grande parte causada pela doença cárie (ANEXO L), e os dados dos últimos trabalhos de levantamento da saúde bucal no município, de Santos (1996) e Ferreira (1999), que apontam para uma situação de controle da doença cárie, com índices CPOd relativamente baixos.

Pelos estudos consultados na literatura, encontra-se uma enorme variabilidade da prevalência de dor de dente entre países, entre comunidades e entre os diferentes períodos de observação. Percebe-se que tal dor acomete indivíduos em todas as faixas etárias, da infância até a terceira idade.

Estudos com adultos e idosos têm revelado as seguintes freqüências: 39,7% nas prévias quatro semanas ao estudo (Locker & Grushka, 1987b); 30% nos prévios três meses (Bailit, 1987); 85% alguma vez na vida (Pires et al., 1999); 14,5% e 7%, respectivamente para as idades de 20-64 e > 65 anos, nos prévios seis meses (Vargas et al., 2000); 40% nos últimos 12 meses (Nuttall et al., 2001) e 26% no último mês, segundo Macfarlane et al. (2002).

Comparativamente, os trabalhos com crianças e adolescentes revelam: 11,8% e 31,8%, respectivamente, nas idades de cinco e 12 anos, em alguma vez na vida (Slade et al., 1996); 77% nos prévios dois meses (Naidoo et al, 2001); de 25 a 31% dos adolescentes, entre os anos de 1977 e 1995 (Honkala et al., 2001); 56% alguma vez na vida (Alexandre et al., 2002) e 48% também alguma vez na vida, segundo Milson et al. (2002).

Estes resultados não podem ser comparados ao do presente estudo, devido às particularidades de cada um em termos de faixa etária pesquisada, metodologia empregada e características da população. Porém, entre os estudos semelhantes a este, encontram-se taxas de dor de dente substancialmente menores no último mês, como no de Shepherd et al. (1999), com freqüência de 7,6% (em relação à sua amostra total), e no de Góes et al. (2000), realizado também no Brasil, que como neste estudo fizeram seu cálculo entre os que sentiram dor e não sobre a amostra total, encontrando freqüência de 14%.

Quanto à análise por gênero (TAB. 30), não houve diferenças estatisticamente significativas. Das 273 crianças do sexo masculino, 43,6% relataram episódio de dor, contra 47,9% das 328 do sexo feminino entrevistadas, havendo uma distribuição simétrica. Os trabalhos de Locker & Grushka (1987a) e de Leão et al. (1998) também encontraram esta equivalência entre os sexos. Contrapondo estes resultados, podem ser citadas as pesquisas de Bailit (1987), Primoch et al. (1996), Góes et al. (2000) e Macfarlane et al. (2002) que encontraram maiores prevalências entre indivíduos do sexo feminino.

A despeito da equivalência de prevalência entre os gêneros, encontrada neste e em outros trabalhos da literatura, que pressupõem uma distribuição igualitária do evento dor, partindo do fato de que nenhum dos estudos consultados encontrou prevalência maior em homens, somente em mulheres, abre-se um parênteses para a avaliação destes achados: como para o senso comum, o feminino é o sexo frágil, espera-se que o limiar a este tipo de sintoma seja mesmo mais baixo; ou, talvez, pessoas do sexo masculino, desde cedo, sejam menos encorajadas a expor sua fragilidade a este tipo de problema pela sociedade machista, a qual tende a cultuar a figura do homem forte.

O nível de escolaridade materna, por sua vez, apresentou associação com a experiência de dor de dente da criança (TAB. 31). Observou-se uma maior

ocorrência de dor de dente entre as crianças cuja mãe completou até, no máximo, sete anos de estudo formal e a menor ocorrência de dor se deu entre aquelas cujas mães possuíam 12 ou mais anos de estudo.

Há várias explicações para este achado. Entre elas a de que o fator nível de escolaridade pode interferir, inclusive, no estabelecimento de uma comunicação satisfatória entre profissionais de saúde e a população, dificultando a compreensão das mensagens transmitidas e a possibilidade dos pacientes quanto à aquisição e manutenção de hábitos saudáveis. Segundo Beal (1996), as diferenças de linguagem, tanto na comunicação pessoal, através de palavras, quanto através de veículos de informação, como panfletos e vídeos, podem confundir estas pessoas e colaborar para a obstrução da transmissão do conhecimento.

Alexandre et al. (2002) também encontraram esta relação em seu trabalho, atribuindo a maior ocorrência de dor de dente, nas crianças estudadas, não só ao baixo grau de escolaridade da mãe, diretamente (as quais completaram, no máximo, o ensino fundamental), como também à influência deste nível de escolaridade sobre a sua percepção quanto ao estado de saúde bucal e geral dos filhos, o que certamente pode ter interferido, negativamente, nos comportamentos ligados à saúde.

Pela constatação da estreita associação entre as variáveis grau de escolaridade materna e grupo econômico (TAB. 6), percebe-se que a ocorrência da dor de dente, portanto, foi maior entre as crianças do grupo menos privilegiado. Alguns estudos com adultos fortalecem este dado, como os de Miller et al. (1975), Reisine (1984), Locker & Jokovic (1997), Vargas et al. (2000), bem como recentes trabalhos realizados com crianças (Góes et al., 2000; Slade, 2001; Honkala et al., 2001).

Esta realidade também pode ser delineada pela conjunção de alguns fatores. Como relata Beal (1996), as pessoas das classes mais privilegiadas são menos acometidas pelas doenças bucais e visitam o dentista mais regularmente do que as de classes menos privilegiadas, as quais, por sua vez, são mais acometidas pelas enfermidades. Resumindo, o resultado pode estar indicando a influência do componente social no acesso aos serviços de saúde (Woodward et al., 1996; Brasil, 1986; Pinto, 1999), ou ainda, os efeitos negativos da condição sócio-econômica sobre a condição clínica bucal da população (Petersen, 1990; Chaves et al., 1998; Santos et al., 1999; Watt & Sheiham, 1999), com seus impactos, entre os quais o aumento dos sintomas. Os dados da TAB. 29 mostram que, das crianças da amostra que sentiram dor, a maioria (55,1%) relatou ir ao dentista motivada apenas por problemas e não regularmente, para controle. Sendo a maioria das crianças que sentiram dor, filhas de mães com baixo grau de escolaridade e pertencentes a grupos econômicos menos favorecidos, vê-se claramente a relação comentada. Além disso, das que relataram experiência de dor, algumas disseram nunca ter ido ao dentista, o que remete, mais uma vez, à falta de acesso aos serviços.

Slade (2001) sugeriu uma outra hipótese para o fato de que crianças pertencentes a grupos econômicos menos favorecidos e, conseqüentemente, com menor acesso aos serviços de saúde, estejam mais sujeitas a ter extensas e, portanto, dolorosas lesões cariosas. É que a dor possui componentes biológicos e psicossociais, fato comprovado por outros autores na literatura (Moraes & Pessoti, 1988; Okeson, 1998; Camparis & Cardoso Júnior, 2001). Por isto, é também possível que circunstâncias sócio-econômicas atuem como fator de mediação, ou seja, a privação e o estresse causados pela pobreza, por exemplo, são motivos para alterar a resposta das estruturas cerebrais responsáveis por reações psicoemocionais, e modular o limiar à dor.

Segundo Ferreira (1994), o corpo é emblemático de processos sociais, ou seja, ao corpo se aplicam sentimentos, discursos e práticas que estão na base de nossa vida social, não sendo possível conceber processos exclusivamente biológicos no comportamento humano.