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2.5 A relação entre saúde bucal e qualidade de vida

2.5.1 Qualidade de vida como fator determinante da saúde bucal

Alguns estudos, nas últimas décadas, têm procurado abordar certas condições do estilo de vida (ambiente, cultura, comportamento, aspectos sócio- econômicos, etc.) e seus efeitos na saúde bucal da população.

No Levantamento Epidemiológico de 1986 (Brasil, 1986) foram apresentados resultados estratificados dos indivíduos examinados, em três classes, de acordo com a renda familiar: até dois, de três a quatro e mais de cinco salários mínimos. A análise da distribuição da cárie dentária demonstrou diferenças estatisticamente significativas entre o primeiro e o terceiro grupos, não só em relação ao índice CPO, como à análise de seus componentes. Ficou claro, pelo levantamento, o maior acometimento da doença relacionado a um pior acesso aos serviços de saúde, que ocorreu na classe com renda até dois salários mínimos.

Em um estudo intitulado “Desigualdades sociais em saúde bucal”, Petersen (1990) pesquisou diferenças na saúde bucal entre adultos de classes sociais distintas (definidas de acordo com os critérios nível de educação, estado ocupacional e de treinamento, e número de subordinados), ocorridas entre os anos de 1976 e 1986, na Dinamarca. Os resultados mostraram que, em comparação com as classes alta e média, as classes baixas possuíam saúde bucal mais precária em quase todos os critérios utilizados na pesquisa (número de dentes não tratados, prevalência de cálculo e doença periodontal, edentulismo, etc.).

Dentro do mesmo estudo, demonstrando o efeito de variáveis como rede social de trabalho e estilo de vida, Petersen citou outra experiência realizada na Dinamarca, com idosos. Por ela ficou comprovado que o estado de saúde bucal e o comportamento em saúde bucal são precários entre pessoas pertencentes a uma fraca rede de relações sociais de trabalho. A pesquisa compreendeu 216 indivíduos de uma população proporcionalmente homogênea com relação às condições materiais de vida. Além disso, um padrão similar de precária saúde bucal foi encontrado entre pessoas menos ativas no estilo de vida, definido como participação pouco freqüente em várias atividades culturais e sociais.

Outro estudo sobre acesso aos serviços odontológicos, foi realizado por Woodward et al. (1996), comparando a saúde bucal e as características das famílias de crianças atendidas nos serviços público e privado de North York – Canadá. Os resultados demonstraram um maior índice de cárie em crianças atendidas pela rede pública de saúde. Demonstraram também que um inadequado planejamento das consultas pelos pais das crianças (por necessidade de trabalhar em tempo integral ou pelo baixo valor dado à própria saúde bucal), prejudicando a consecução do tratamento, foi um dos principais preditores de risco relacionados à presença ou ausência de um ou mais dentes decíduos ou permanentes com cárie. Por fim, descobriram que as atendidas pelo serviço público eram crianças com maiores necessidades, que, de outro modo, não receberiam cuidados odontológicos.

Uma série de problemas de oclusão pode ser desencadeada por maus hábitos de sucção, sob determinadas condições, em pessoas predispostas. Serra-Negra et al. (1997) relataram alguns dos problemas bucais mais freqüentes, decorrentes de hábitos bucais de sucção não nutritiva: mordida aberta anterior, cruzada posterior, e sobressaliência. Sabe-se, no entanto, que estes hábitos podem ser fruto de problemas no desenvolvimento psicoemocional da criança, que são definidos por outros aspectos relacionados ao ambiente, tais como o comportamento dos pais em relação aos filhos, mediado pelo vício cultural que incorpora tais hábitos aos nossos costumes primários (Barrêtto & Castro, 1998).

Prendergast et al. (1997) investigaram a relação entre privação material e saúde bucal, entre pré-escolares do Reino Unido. A amostra aleatória estratificada inicial foi composta por 3.140 crianças, selecionadas em 79 escolas. Porém, pela metodologia adotada, 85% delas sofreram exame clínico e 70% dos pais responderam a um questionário, reduzindo a amostra final. A experiência de cárie foi expressa pelo índice ceos. Os resultados mostraram que a mesma aumentou significativamente com o aumento da privação

material. Esta última teve influência no número de visitas odontológicas, no atendimento odontológico dos pais a no uso de serviços públicos pelas crianças.

Em 1998, Chaves et al. analisaram as condições de vida de 665 crianças de três a cinco anos, na cidade de Salvador, por meio de quatro variáveis (renda familiar, freqüência de falta de água, número de torneiras por domicílio, e escolaridade do chefe da família). Concluíram que os fatores sócio- econômicos, principalmente a renda familiar, exercem influência direta nos índices de cárie da população infantil.

Watt & Sheiham (1999) observaram que, apesar do declínio da cárie em crianças, existem, na Inglaterra, desigualdades entre classes sociais, regiões, grupos de minorias étnicas e sobretudo entre pré-escolares de áreas mais carentes. Em adultos, a desigualdade aparece mais com relação à perda total de dentes, mas, em crianças, as causas da desigualdade em saúde bucal parecem estar ligadas a diferenças no padrão de consumo do leite adoçado, mais freqüente em populações mais pobres, e no uso da pasta fluoretada, que é maior entre as mais favorecidas. Assim, melhorias na saúde bucal têm sido creditadas à pasta de dente fluoretada, porém relacionadas a fatores sociais, econômicos e ambientais, dependentes de uma política mais apropriada e efetiva.

Gaudereto, em 2001, pesquisou a influência dos fatores biopsicossociais na experiência de cárie de 213 crianças, com idade entre 37 e 82 meses, em escolas da cidade de Belo Horizonte. Para isto, a autora levantou a condição das superfícies dentais das crianças (índice ceo-s e presença de placa visível) e aplicou um questionário aos pais, contendo perguntas de dois tipos: sobre eles e sobre as crianças (dieta, higiene bucal, aleitamento, sua percepção em saúde, freqüência de visitas ao dentista, com quem vivem e ficam os filhos, grau de escolaridade, condição econômica, etc.). Os resultados permitiram as

seguintes conclusões: as crianças pertencentes a famílias de extratos econômicos menos privilegiados, apresentaram maior experiência de cárie e maior chance de desenvolver a doença; a baixa situação econômica da família determinou um maior consumo de sacarose pelas crianças, uma maior dificuldade dos pais em realizar atitudes preventivas e a uma menor supervisão de um adulto para a higiene bucal das crianças, que foram bons preditores para o desenvolvimento da doença cárie.

Esta interligação com os fatores sócio-comportamentais também já foi bem descrita para doenças infecciosas do periodonto, em que a presença do agente microbiano, que definimos como condição imprescindível para a manifestação da doença, nem sempre é acompanhada por sinais e sintomas característicos daquele distúrbio. Assim, o agente por si só não é suficiente para causar qualquer ocorrência patológica; mais exatamente, o desenvolvimento da doença pode depender de diversos outros fatores, incluindo deficiências nutricionais, exposições tóxicas, estresse emocional e o complexo impacto das influências sociais (Papapanou & Lindhe, 1999; Barrêtto et al., 2002).