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Embora o Ministério da Educação e Cultura - MEC (2002) determine que os conteúdos do curso de graduação em Odontologia devem contemplar o estudo das Ciências Humanas e Sociais (incluindo-se aí os conteúdos referentes às diversas dimensões da relação indivíduo/sociedade, contribuindo para a compreensão dos determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença), ainda hoje verifica-se verdadeira a afirmativa de Moraes & Pessoti (1988), de que o cirurgião-dentista, via de regra, apresenta- se despreparado para manejar ou controlar o comportamento do paciente, por obter, formalmente, informações satisfatórias somente sobre os aspectos tecnológicos da profissão.

Em sua clínica diária, o dentista se depara com vários quadros patológicos onde a dor está presente. O próprio tratamento odontológico é uma fonte geradora de estresse e ansiedade, influenciando de maneira marcante a percepção da dor pelo paciente (Camparis & Cardoso Júnior, 2001).

Devido à história, as pessoas chegam ao consultório trazendo consigo uma carga de medo e ansiedade muito grande. Parece que o medo é uma reação natural ao fato de que “dentistas causam dor”, e neste contexto os profissionais são vistos como “um mal necessário” (Cruz et al.,1997). Além da sensação física, o paciente traz consigo o sentimento da dor, que muitas vezes precede o tratamento, causando ansiedade. Há casos em que o paciente, por estar vivenciando uma situação pessoal conflitante e dolorosa para ele, associa a dor proveniente desta com a que sente no tratamento, atribuindo ao dentista a culpa. A ansiedade e o medo, gerados por problemas pessoais ou por expectativa, têm grande influência no aparecimento da dor (Elias, 1995). O

paciente tenso tem sua sensibilidade à dor aumentada (Giglio & Guedes-Pinto, 1993). Principalmente em crianças, esta é uma observação bastante pertinente, por sua menor capacidade de compreensão e pelo temor do desconhecido.

Como avalia Wilson (1996), surpreendentemente, pouco é conhecido sobre crianças e dor. Entretanto, os estudos sugerem que o desenvolvimento físico e cognitivo alteram a resposta a estímulos dolorosos. Medos antecipados frente a objetos cortantes, barulhos estranhos, ou movimentos bruscos podem ser vistos em crianças por volta de um ano. Porém, como a criança madura desenvolve um vocabulário mais amplo e conhece uma variedade de ambientes, sua habilidade de comunicar sentidos torna-se gradativamente maior e sofisticada. Manifesta-se, também, a evolução da luta contra os medos. Assim, com o aumento da idade, o limiar à dor tende a elevar-se, ficando o auto-controle mais eficiente.

Portanto, sem nenhuma dúvida, as primeiras consultas odontológicas da criança têm uma importância fundamental no estabelecimento de comportamentos futuros. Uma má experiência pode levar a traumas e fobias incontroláveis. Azevedo et al. (1998) sinalizam que um dos métodos mais eficazes de condicionamento infantil é a eliminação da dor.

Segundo Mares et al. (1997), em sua pesquisa com 69 crianças e adolescentes de seis a 14 anos sobre dor durante o tratamento odontológico, não houve diferenças estatísticas entre meninos e meninas em suas experiências de dor, mas houve diferença na abordagem dos dentistas, que tiveram comportamento muito mais condescendente com as meninas. Além deste resultado, relataram que, entre os 35% que sentiram dor na cadeira do dentista e foram capazes de expressar isto verbalmente, houve uma visão semelhante sobre a existência de dois tipos de tratamento odontológico: os que podem incomodar mas são isentos de dor, como profilaxias, os quais, na maior

parte das vezes, só demandam paciência de quem é submetido para sua execução; e os que causam dor além de incômodo, como restaurações e exodontias.

Tripp et al. (1998) estudaram a presença de dor em procedimentos clínicos de higiene dentária em 53 estudantes, 18 homens e 35 mulheres. Os resultados mostraram que, em média, estes tratamentos foram associados a baixos níveis de dor, mas aproximadamente 25% dos indivíduos classificaram pelo menos um (sondagem ou raspagem) dos sete procedimentos realizados, como moderada ou severamente dolorosos. Segundo os autores, tais resultados mostram a necessidade de um efetivo controle da dor, mesmo nestes procedimentos considerados como isentos de dor pela profissão, o que pode ser utilizado inclusive como ponto positivo no currículo de profissionais que pretendem implementar programas de higiene bucal, tornando-se um diferencial.

Peretz et al., em 1999, afirmam que um dos maiores fatores que parecem contribuir para o desenvolvimento de fobia odontológica é a expectativa de dor e que pacientes que desenvolveram tal fobia relataram a ocorrência deste fato precocemente em suas vidas, quando ainda eram crianças. Além disso, observam que o comportamento fóbico se expressa em atrasos, cancelamentos ou faltas às consultas odontológicas, influenciando negativamente o progresso do tratamento.

Locker et al. (1999) analisando a idade de início da ansiedade odontológica, em um estudo realizado com 1420 indivíduos, encontraram uma taxa de 16,4% de pessoas com ansiedade odontológica. Destes, 50,9% relataram que o problema teve início na infância e 22% na adolescência. As diferentes idades de início foram associadas com modos distintos de aquisição da ansiedade, sendo que na infância predominaram as experiências negativas e a história familiar como os principais fatores.

Brand, em 1999, relata que várias são as razões do medo de dentistas, situação bastante comum entre crianças. Entre estas razões salienta a imagem que fazem do profissional, retratado pelos adultos sempre como um agente que causa dor. Além disso, ressalta a história odontológica familiar (de dor, ansiedade e medo), principalmente da mãe, como decisiva na construção desta imagem.

Em 1999, Arora pesquisou a influência de procedimentos odontológicos livres de dor e a adequação do tratamento à escolha do dentista pelo leigo. Os resultados revelaram um forte efeito da dor de dente sobre as atitudes dos pacientes, que relacionaram a satisfação com o tratamento e a escolha do dentista à realização de procedimentos livres de dor.

Weerheijm et al., em 1999, ressaltam que o medo do dentista tem etiologia multifatorial, sendo os tratamentos inesperadamente dolorosos, como as emergências à noite ou durante o fim de semana, possíveis gatilhos do medo.

Ramos-Jorge (2000) estudou os fatores de predição do comportamento infantil no ambiente odontopediátrico, em 118 crianças de 48 a 68 meses de idade, durante sua primeira visita odontológica. Em uma de suas conclusões relata que as crianças que nunca sofreram com dor de dente têm uma chance 29 vezes maior de apresentarem comportamento positivo durante a primeira experiência odontológica, em relação às que já sentiram este tipo de dor.

Observa-se que os aspectos psicoemocionais que influenciam a percepção dolorosa devem ser levados em consideração juntamente com os meios farmacológicos, para que se possa proceder a um efetivo combate à dor.

2.4 Estudos de prevalência e impacto da dor de origem