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7. DISCUSSÃO

7.1 Metodologia empregada

Na busca pelo cumprimento do principal objetivo deste estudo, a determinação da prevalência, gravidade e impacto da dor de dente na vida cotidiana de crianças residentes em Belo Horizonte, e de suas famílias, bem como de fatores a eles relacionados, alguns aspectos metodológicos foram imprescindíveis e merecem considerações.

Pelo propósito de o estudo concentrar-se, exclusivamente, no público infantil, e como a adolescência compreende o período dos 10 aos 19 anos (Coates & Correa,1993; Brasil, 2001), época a partir da qual, certamente, outros valores e particularidades teriam que ser mensurados nas questões levantadas, optou-se por trabalhar somente com crianças na faixa etária selecionada (oito e nove anos).

Adicionalmente, pretendia-se detectar o problema da dor o mais precocemente na vida das crianças, o que só poderia ser realizado, de modo confiável, a partir de certa idade. Shepherd et al. (1999) justificaram a escolha da faixa etária de oito anos em sua pesquisa, por julgarem tal idade como um marco confiável de que as crianças conseguiriam assimilar e responder, adequadamente, a perguntas de cunho tão subjetivo. Seguindo esta linha de pensamento, Toledo (1996) e Pinkham (1996) afirmaram que indivíduos entre oito e 10 anos apresentam um desenvolvimento cognitivo importante, com ampla capacidade de raciocínio e compreensão que permitem assimilar informações acerca da realidade, bem como o abstrato e o teórico.

Finalmente e pelo mesmo motivo citado acima, a faixa etária de trabalho se justifica pela escolha da entrevista direta (auto-relato da criança) como instrumento de medida, pois este método tem sido considerado como “padrão-

ouro” para avaliação da dor em crianças (Naidoo et al., 2001), eliminando vieses indesejáveis quando da mensuração indireta, por relato de pais ou responsáveis (Primoch et al., 1996; Slade et al., 1996; Erling, 1999).

De outra feita, como técnica de coleta de dados, a entrevista ofereceu certas vantagens que atenderam melhor ao público infantil, como a possibilidade de conseguir informações mais precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as discordâncias; e uma maior flexibilidade, permitindo à entrevistadora repetir ou esclarecer perguntas, formular de maneira diferente ou especificar algum significado, como garantia de estar sendo compreendida (Marconi & Lakatos, 1990).

Um dos aspectos mais relevantes da metodologia empregada foi o desenvolvimento ou adaptação da escala de faces, para mensuração da intensidade ou gravidade da dor. Este instrumento tem sido largamente difundido e aplicado na literatura, como uma das formas mais seguras, válidas e confiáveis de quantificar a dor infantil, eliminando, grandemente, o risco de erro por julgamentos equivocados de profissionais da saúde, ao pressuporem a natureza ou a magnitude da sensação da criança (Bieri et al., 1990; Wilson, 1996; Beltrame et al., 1999; Hunter, 2000).

A linguagem utilizada na entrevista foi outra preocupação do estudo. Como trabalhou-se com classes econômicas distintas, procurou-se desenvolver questões que pudessem ser bem entendidas por todas elas. Além disso, a linguagem deveria ser própria para a idade das crianças. Isto foi conseguido a partir do exemplo do estudo base de Shepherd et al. (1999) e através dos estudos-piloto, fundamentais para o aprimoramento do instrumento aplicado. Alguns autores, como Savedra et al. (1982) e Wilkie et al. (1990) consideram a abordagem da criança de extrema importância para se conseguir bons resultados neste tipo de estudo.

Quanto ao exame clínico, as seguintes observações podem ser feitas: anteriormente à sua realização, procedeu-se a um minucioso estudo dos critérios utilizados para a construção do sistema de códigos adotado, fundamental à calibração intra-examinadora, a qual foi medida pelo teste Kappa (valor 0,81), obtendo ótimo grau de concordância (Pereira, 1995).

Desejou-se desenvolver um exame objetivo, que não despendesse muito tempo e que fosse capaz de auxiliar na averiguação das hipóteses propostas pelo trabalho. Por este motivo e pelo fato de nenhum índice clínico existente, sozinho, remeter às possíveis causas da dor de origem odontológica, um sistema de códigos foi construído e utilizado, para relacionar as respostas ao questionário (auto-relato) com possíveis causas clínicas de dor. A criação de tal sistema obedeceu a critérios pré-estabelecidos, coletados a partir de consulta à literatura (De Deus, 1986; Shafer et al., 1987; Araújo, 1988; Moyers, 1991; Guedes-Pinto, 1995; Flaitz, 1996; Toledo, 1996; Walter et al., 1996; Kramer et al., 1997; Carranza & Newman, 1997; Serra-Negra, 1997; OMS, 1999; Auad, 1999; Lindhe, 1999; Costa, 2000).

A padronização dos exames clínicos foi realizada tanto quanto possível, de acordo com a variação de ambientes disponíveis em cada escola, procurando sempre níveis semelhantes de iluminação natural, tranqüilidade e conforto, tanto para a equipe examinadora, quanto para as crianças.

A posição estabelecida para o exame, a joelho-joelho, modificada por causa da idade das crianças, foi escolhida pelo respaldo da literatura sobre sua eficiência, como medida alternativa para exame e procedimentos, em situações especiais e/ou ocasionais (Walter et al., 1996; Gaudereto, 2001), já que a maioria das escolas não possuía equipamentos próprios, como cadeiras odontológicas, para que os exames pudessem ser feitos na posição convencional, utilizada em consultórios.

Já a opção pela aplicação do CCEB aos pais se deu pela razão de que ele abandona a pretensão de separar a população em “classes sociais” (divisão que abrange uma série de outros fatores, sendo mais subjetiva) e enfatiza o poder de compra das famílias. Segundo a ANEP (2001), como todo critério, este tem ressalvas, pois sua construção é baseada em técnicas estatísticas que levam em conta o coletivo e, sob uma análise individual, pode ter sua validade comprometida. Desta forma, atende bem ao mercado mas, em pesquisas de cunho qualitativo, pode não ser suficiente para uma boa classificação. Porém, sua utilização, nesta pesquisa, pretendeu estimar apenas o grupo econômico, como um fator sócio-demográfico que pudesse estar relacionado à dor de dente infantil.

O uso deste critério, em forma de questionário, determinou a realização de um rígido controle de sua distribuição e coleta, conforme descrito no item 5.10.2 do capítulo Metodologia. O motivo de tanta atenção despendida foi respeitar o quesito representatividade dos resultados para o município de BH, pois o uso de questionários pode levar a extravios e a uma baixa taxa de retorno, ocasionando grandes perdas amostrais (Marconi & Lakatos, 1990).

Para atender tal quesito, também foram necessários outros cuidados e estratégias, como a aquisição de listagens atualizadas para o sorteio das escolas, a forma de sorteio e a distribuição proporcional da amostra por RA (Mausner & Kramer, 1986; Pereira, 1995).

Deste modo, pelos cuidados tomados, a taxa de devolução destes questionários (88,1%) pode ser considerada muito boa (TAB. 5), especialmente quando comparada às taxas de retorno obtidas em estudos semelhantes. Dentre os que adotaram a metodologia dos questionários e discutem o percentual de devolução, foram encontradas taxas que variam de 70,5% a 88,7% (Cushing et al., 1986; Locker & Grushka, 1987b; Locker & Jokovic, 1997; Leão et al., 1998; Shepherd e tal., 1999; Góes et al., 2000; Honkala, 2001; Macfarlane et al., 2002).

Porém, o percentual de resposta aos questionários foi bastante diferenciada entre as diversas RA. As maiores taxas foram obtidas pela presença freqüente da pesquisadora a reuniões de pais, o que determinou uma devolução de 100%. Já as menores (77,1% e 78,4%), ocorridas justamente nas únicas duas escolas particulares pesquisadas, podem ser creditadas, provavelmente, às diferenças de interesses entre os grupos econômicos quanto a este tipo de pesquisa. Pais de crianças carentes, ou com menor poder aquisitivo, podem ter maior interesse em participar, por depositarem esperança em conseguir tratamento ou até mesmo informações sobre saúde, as quais não seriam recebidas de outra forma. Aliado a isso, ainda pesa a maior necessidade de tratamento, pela falta de acesso destas crianças aos serviços e motivos afins, relacionados à condição econômica (Prendergast, 1997; Pinto, 1999; Gaudereto, 2001). Por outro lado, entre os responsáveis de nível econômico mais privilegiado pode ter havido menor interesse, por manterem sob controle a condição de saúde bucal de seus filhos e poderem custear possíveis tratamentos. Além disso, estas crianças sentem menos dor de dente, ou seja, este não é um problema cotidiano em suas vidas.

Finalmente, optou-se por utilizar a análise univariada como método de análise dos dados coletados, para estabelecer a associação entre os fatores de risco e a expressão do evento-resposta. Deve-se salientar que grande parte dos trabalhos do gênero (Primoch et al., 1996; Shepherd et al., 1999; Naidoo et al., 2001; Alexandre et al., 2002), desenvolvidos com crianças, também utilizaram este recurso metodológico.