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A Primeira Civilização Paisagística

No documento Conceito jurídico de paisagem (páginas 31-35)

A primeira civilização paisagística, seguindo a teoria de Berque (1995) e que cumpre todos os quatro requisitos para ser assim considerada, será a chinesa, no século V antes de Cristo, na dinastia de Han. Na China, nesse período histórico, a paisagem surge fundada sobre a religião e moral. Especialmente na doutrina do “TAO” de Lao Tsé, para a qual representar a forma de um fundo paisagístico que se insere na obra é uma forma de se distanciar do diabo, dando-se sua construção “na observação da natureza e na busca da realização humana - realização do caminho perfeito o “tao” (SOLANO, 2000, p.28).

O chinês possui duas palavras para designar paisagem: shanshui, que significa literalmente montanha - água e evoca os elementos da paisagem; e o fengjing, que evoca vento e cenário, com uma conotação de luminosidade, trazendo à tona a perspectiva do ambiente paisagístico (ROGER, 1997).

Os chineses produziram várias representações literárias da paisagem, criando verdadeiros tratados sobre ela e, posteriormente, inventaram uma forma de representá-la pela pintura, com uma precisão meticulosa, a qual seguia os códigos e preceitos estabelecidos para a paisagem. Na China, ao contrário do Ocidente, a paisagem aparece, primeiro, na literatura e depois se torna pictural.

As figuras principais que aparecem na pintura de paisagem na China são a montanha e a água. Observa-se, nas pinturas, a proporção dos elementos e nenhum destaque especial dado ao ser humano quando nelas aparece.

Com a influência do taoísmo, devido à exigência espiritual, os artistas chineses insistem na oposição pictural do Yan Ying. Demonstram, sem dúvida, o interesse pela pintura paisagística, todavia retratam uma paisagem idealizada.

Os manuais chineses de pintura indicavam que, para pintar uma paisagem, o artista deveria visitar a paisagem várias vezes, retornar a seu estúdio, refletir sobre ela e então pintá-la, o que pode ocorrer dias, meses ou até mesmo anos depois. O pintor chinês Zong Bing afirma “Je déroule lentement des peintures, et tandis que je les observe, je m’avance dans une entendue sans limites qui m’entoure de tous côtés et que m’ouvre à ce sentiment de l’infini que le ciel inspire en moi”10 (GILLET, 2006). A impressão desse pintor é exemplo de

interpretação da paisagem e não apenas de sua retratação.

Le paysage chinois es détaché de la réalité. Pour le peintre il s’agit d’évoquer par exemple les huit paysages de la rivière Xiang. Un monticule das un jardin évoque une montagne. Le peintre transpose, il ne reproduit pas, il fait allusion à quelque chose. Il peint l’interieur du paysage, le «ying», ce qui implique totalement l’artiste et une grande tension nerveuse précède l’acte du trait, le macrocosme «yang» étant contenu dans le microcosme. Au total, il ne s’agit pas de la représentation du rapport au monde sensible, mais de l’expression d’une association intime entre homme et nature.11 (DONADIEU; PÉRIGORD,

2005, p. 66)

O sentimento é intrínseco à formação da representação da paisagem, o que se repetirá nos países influenciados pela filosofia chinesa, especialmente Japão e Coréia. Todos esses países têm em comum essa cosmogonia, onde a natureza demonstra um espírito e energia, onde montanhas e água são sagradas e formam, mediante a conjunção da montanha com a água e o ser humano, uma paisagem perfeita, harmoniosa e equilibrada, respeitando-se as regras do fung shui. Na verdade, segundo Solano (2000, p. 40), as paisagens orientais “nada mais são que informações e percepção de análise de locais que poderiam nutrir

10

Eu faço lentamente as pinturas e, ao mesmo tempo em que eu as observo, eu me adianto num entendimento sem limites, que me envolvem de todos os lados e me abrem a esse sentimento de infinito que o céu inspira em mim (tradução nossa).

11

A paisagem chinesa se desprende da realidade. Para o pintor significa evocar, por exemplo, as oito paisagens do rio Xiang. Um morrinho no jardim evoca uma montanha. O pintor transpõe a imagem, ele não a reproduz, ele faz alusão a alguma coisa. Ele pinta o interior da paisagem, ou seja, o yin; e isso implica totalmente o artista e uma grande tensão nervosa precede o desenho do macrocosmo yang que está contido no microcosmo. No total, não se trata de representação da relação com o mundo sentido, mas a expressão de uma associação íntima entre o homem e a natureza (tradução nossa).

potencialmente a saúde, e outros que poderiam destruí-la, todos organizados e codificados em um método”.

E por fim, o último dos elementos para determinar que uma sociedade é paisagística: a criação de jardins. Na China, a arte dos jardins era empregada para trazer, a quem os visitasse, tranqüilidade, equilíbrio e proximidade com a natureza. Belos e ordenados, os jardins chineses em muito se parecem com os japoneses, apresentando a mesma função de deleite e apreciação do belo, transmitido pela natureza construída.

Na arte paisagística chinesa o que importa é o invisível, o vazio dos lugares e da arquitetura e não exatamente o espaço material e seus objetos, os seus componentes, buscando-se compreender a estrutura subjetiva das coisas e o sentimento intrínseco ao lugar e seus efeitos sobre os indivíduos. Para esse fim, utiliza-se de representações simbólicas, que expressem uma forma reverente de ver o mundo.

A importância da paisagem na China se deve ao fato desta se apresentar como parte da vida humana, expressando-se os chineses através das palavras a fim de determiná-la, utilizando textos literários e poemas para louvá-la, textos técnicos para ensinar a harmonia e o equilíbrio natural das energias, jardins

Figura 2 - Jardim Clássico de Suzhou

construídos paisagisticamente a partir dessas técnicas (que se revelam autênticos textos visuais de cunho estético), e ainda pinturas, que, além de retratarem a natureza, são efetivas representações dos sentimentos despertados pela paisagem no artista. Por essa razão, pode-se dizer que na China cumprem-se os quatro requisitos da teoria de Berque (1995), a configuração de uma sociedade como paisagístico. Todos os elementos que conformam a sociedade paisagística no oriente são ligados intrinsecamente à religião, representada pelo feng shui, onde paisagem é a manutenção da energia de forma ideal, unindo harmoniosamente ser humano e natureza.

Assim, enquanto a civilização ocidental dava seus primeiros passos em termos de organização, o Oriente já conquistara séculos de cultura paisagística consolidada, fruto de uma sociedade já sensibilizada pelo mundo ao seu redor.

2.3 A fase Pré-paisagística no Ocidente (Pré-História, Idade Antiga e Idade

No documento Conceito jurídico de paisagem (páginas 31-35)