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Tipos De Paisagem

No documento Conceito jurídico de paisagem (páginas 112-127)

Criar um tipo de paisagem é muito complicado, pois cada ser humano pode inventar sua própria paisagem ordinária a partir de seus sentimentos e olhar. Segundo Donaudieu e Perigord (2005, p. 9), “Certaines societes inventent dês formes et dês modeles pour regarder, alors que d’autres se contentent de reproduire leurs heritages sans em comprendre la portee. Pour ces raisons, les formes du paysage constituent des enjeux majeurs pour charque societe"57. A

divisão dos tipos de paisagem podem se basear em vários critérios: geográficos, ecológicos, morfológicos, culturais, sentimentais, artísticos, estruturais, ou de interesse social.

Dentro dessa gama de ideias, fica difícil discorrer sobre o tema, por isso optou-se por utilizar a classificação de Donaudieu e Périgord (2005). A opção se deve à amplitude dos tipos e à modernidade que representa essa

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Certas sociedades inventam formas e maneiras de olhar, enquanto outras se contentam em reproduzir suas tradições sem se importar em compreender o que significam. Por estas razões, as formas de paisagem constituem um problema para cada sociedade. (tradução nossa)

classificação, já que contempla não apenas a classificação tradicional, mas as novas formas reconhecidas por organismos internacionais e pela própria sociedade. A conservação e produção das paisagens é fruto das relações entre entes privados e públicos, mudando-as de acordo com necessidades econômicas, sociais, de identidade, de não identificação.

Seguindo tal teoria dividiu-se a paisagem em cinco grandes tipos e as subdividem segundo suas especificidades, sendo:

1/ Herança rural e natural: considera-se herança rural e natural as paisagens tradicionais, que exprimem os valores do conservadorismo social ou as políticas públicas de proteção. Elas se dividem em quatro grandes subtipos:

a) Paisagem selvagem: é aquela natural com nenhuma ou pouca influência do ser humano, confundindo-se com o meio ambiente natural (ressalte-se, porém que, segundo a corrente de artialização de Alan Roger (1997), paisagem natural sem nenhuma influência humana é impossível). Algumas paisagens desse tipo estão em parques juridicamente estabelecidos, porque a ideia dos parques é proteger o meio ambiente natural e não a paisagem.

b) A paisagem rural: construída originalmente pelo ser humano, para organizar a produção de alimentos, num tempo em que a natureza era vista como feia e desorganizada. Foi a expressão máxima de paisagem, por ser vista como a natureza organizada pelo ser humano e, por isso, melhorada. Ela reflete a vida agrícola, idílica, que parece inicialmente ordinária, mas hoje atrai vários turistas. Geralmente sustentada pelos poderes locais, ela tem um valor paisagístico reconhecido na Europa, por representar valores importantes e a história desta sociedade.

Figura 13 - Monte Azul, Minas Gerais

c) A paisagem patrimonial: é a paisagem reconhecida como tal por determinação dos órgãos de proteção desses elementos, tanto internacionais como nacionais, regionais ou locais, como a UNESCO, e, no Brasil, o IPHAN. Os elementos são inscritos por representar valores culturais e/ou naturais conjugados ou não, dando uma dimensão de monumentalidade estética ou simbólica. Herança do passado, esse tipo de paisagem é protegida e conservada integralmente e imobilizada para as futuras gerações.

Figura 14 - Ouro Preto – Minas Gerais

d) A paisagem emblemática: pelo próprio nome, designa uma paisagem símbolo de valores maiores, sejam eles de uma nação ou de uma religião. É o tipo de paisagem herança, que representa de onde vieram ou como se formaram essas nações e religiões, sendo um símbolo de seu passado arraigado, que não pode ser esquecido, caso contrário se perderia o senso de unificação ou de pertencimento.

2/ Paisagens urbanas, industriais ou de lazer: são aquelas que foram constituídas para uma funcionalidade, mas acabaram se tornando um ponto representativo ou pictural, logo, se tornando uma paisagem que busca ser protegida pelas sociedades.

a) Paisagem urbana: as paisagens urbanas ganham status de paisagem a partir do século XVII, por terem sido consideradas dignas de serem pintadas, processo iniciado pelos pintores holandeses em suas cidades. Por isso, é um tipo de paisagem pitoresca. Geralmente, são criações arquiteturais ou formações originais elevadas à qualidade de paisagens excepcionais. Podem ser puramente urbanas, as chamadas formações tipicamente urbanizadas, ou periurbanas, que são uma mistura de áreas rurais com urbanizadas, ou ainda se apresentarem em forma de vilas, isto é, formações urbanas antigas que não tem grandes prédios como nas zonas urbanizadas puras. Podem se caracterizar pelas formas planejadas diferenciadas, criadas por grandes arquitetos, ou pelo que representam para as comunidades nacionais ou locais, que garantem sua manutenção mesmo com o crescimento rápido e exagerado dos tempos modernos. Não são fixos, ou seja, tem a mobilidade que garante sua inserção e reconhecimento das novas gerações como representação de sua identidade.

b) Paisagem Industrial: tais paisagens foram criadas principalmente nos séculos XIX e XX como expressão por vezes de orgulho nacional, por serem símbolos de desenvolvimento e progresso tecnológico, fundadas na exploração dos recursos minerais e energéticos. Elas têm um conjunto arquitetural de uma estética impressionante devido a sua audácia. Sua organização estrutural geralmente se baseia no fordismo e taylorismo58 abandonados quando não demonstraram

possuir condições de se adaptar aos novos sistemas de concorrência ou ambientais. Em sua formação, dominam as chaminés, torres de comunicação, reservatórios. Quando deixaram de funcionar, passaram a representar um passado industrialmente grandioso, de que a sociedade sente falta.

Figura 17 – Indústria. Disponível em <http://pdvativo.blogspot.com/2011/02/industria-aumenta- precos-e-sofistica.html>

c) Paisagem de interface (transição): Esquecidas e evitadas, essas paisagens são consideradas pontos negros pelos poderes públicos pois resultam da acumulação de obrigações funcionais e de atividades diversas que se inserem nos territórios por sua necessidade e não primeiramente por beleza ou arquitetura. São como as

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O Fordismo é um modelo de produção que introduziu a linha de montagem automatizada e Taylorismo é o modelo de administração com ênfase em tarefas, objetivando o aumento da eficiência operacional.

vilas industriais, formadas para dar abrigo aos trabalhadores, que têm compromisso com a economia e não com a beleza. Se acompanhadas de aeroportos e vias de acesso, são chamadas de paisagens de junção, pois são apenas pontos de encontro entre os seres humanos e os espaços, consideradas como espaços de fronteira, espaços suburbanos não planejados, que representam a mutação do território, pois são áreas de especulação e ainda em construção.

Figura 18 - Vila de trabalhadores da Fazenda dos Ingleses – São Paulo Foto de Kelson Médici Disponível em <http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/banana/a-Fazenda-dos-Ingleses.shtml>

d) Paisagem de turismo: Com o turismo se tornando uma atividade econômica altamente lucrativa nas ultimas décadas, a atividade turística, impulsionada pela facilitação das viagens, cria, em áreas de visitação de massa, uma paisagem própria, que visa de forma especializada atender ao turista e suas necessidades, por meio da construção e oferta de hotéis, estacionamentos, portos, áreas de jogos e lazer e de parada. Esses equipamentos turísticos são marcas fortes, que formam paisagens consideradas, às vezes, até repulsivas, se a questão das infraestruturas não é assumida e assimilada como estritamente necessária. Hoje,

numa nova concepção, esses equipamentos vêm sendo menos agressivos, de forma a não deformar muito os locais de turismo de massa.

Figura 19 – Mont Saint Michel, França

e) Paisagem de lazer: esse tipo refere-se geralmente a espaços especializados, tais como jardins públicos, áreas de parada para descanso em estradas, complexos esportivos, de caminhadas e práticas sociais novas, que geram novas e variedades extremadas de ideias de arquitetos paisagistas; futuristas, de contos de fadas, dentre outros. As paisagens de lazer também são de prazer, tais como áreas de caça, de banho de águas, dentre outras. Mas Donaudieu e Perigord (2005) questionam se essas áreas na verdade não estão apenas deturpando nossos sonhos de atender as necessidades, criando falsos locais de sonho, realidades virtuais e falsas.

Figura 20 - Atomium, Bruxelas, Bélgica

Especial destaque deve ser dado aos jardins, que, em termos de paisagem criada nos séculos XVIII e XIX, eram considerados uma forma de arte. Os jardins privados eram locais de quietude e tranqüilidade e os públicos, locais de beleza sublime oferecidos ao olhar. Sua construção nesse período utilizava diversos métodos, tais como técnicas de agricultura, arboricultura e arquitetura. Alimentava-se a ideia de dar um status divino ao ser humano, que transformava o caos da natureza em cosmos do jardim. Vários manuais sobre como fazer o jardim foram produzidos, e com isso se formou a ciência do paisagismo. A importância do jardim não pode ser reduzida a sua modernidade, deve-se atentar a sua função, que foi de representação da paisagem durante mais de um século.

Outro comentário a se fazer sobre esse tipo de paisagem se refere aos complexos esportivos construídos para grandes eventos, como olimpíadas e copas do mundo, que consomem milhões e demanda grande espaço, mas que após os eventos podem ou se tornar grandes áreas de pouco uso social e estranhamento da comunidade ou pontos turísticos importantes para o deleite dos que amam esportes.

3/ As Paisagens Institucionais: são paisagens de instituições de poder e religiosas, criadas com formas grandiosas para demonstrar o poder que elas detêm ou relembrar a importância do poder estatal na sociedade. São as seguintes:

a) Paisagem do Estado: o Estado busca na paisagem, desde muito tempo, demonstrar seu poder político de forma oficial, através da construção de grandes palácios reais, parlamentos, jardins e praças com elementos que representam grandes vitórias, ou marcas que fazem lembrar determinadas épocas de líderes que ocuparam o poder. Podem ser paisagens ideológicas, quando buscam impor ideias e valores de determinado poder no Estado ou criam áreas de poder mais chamativas para demonstrar a sua força.

Figura 21 - Congresso Nacional Brasília

b) Paisagem religiosa: criada para representar e firmar a importância da religião, paisagens desse tipo são geralmente sinais mais populares, que constituem marcas sociais de grande importância e imponência, chegando às vezes a representar uma cidade. Torres de relógios, minaretes, grandes catedrais,

estátuas de Cristo e outros santos gigantes. Todos eles permitem identificar uma cidade, um bairro, uma região, utilizados para representar, simbolizar as relações entre os seres humanos e o poder sobrenatural, obviamente sempre pelo seu intermediário: a religião.

Figura 22 - Palais du Pape – Avignon, França

c) Paisagem de conflito: são áreas que relembram eventos de conflitos armados que ocorreram no espaço, áreas, monumentos, museus, que marcam os locais emblemáticos de guerra ou demonstram seu poder destrutivo, para que nunca seja esquecido. Essas paisagens são de tipo variado, formando-se principalmente pela proteção de áreas devastadas e funcionam como marcas que fazem lembrar os fatos ocorridos, memoriais em homenagem às vidas perdidas, ou mesmo áreas fortificadas ou campos militares antigos.

Figura 23 - Check Point – Berlim, Alemanha

4/ As paisagens de criação e (re)criação: são paisagens criadas para atender uma determinada necessidade, seja econômica, seja social.

a) Paisagem Criadas: são as paisagens criadas para atender às necessidades econômicas, industriais e, por que não, às demandas também sociais da modernidade. Elas servem para organizar os fluxos e circulação de automóveis (que cresce cada vez mais na modernidade), de trens rápidos (vias novas). São as vias de acesso rápido, pontes de concreto, e outros que se sobrepõem às paisagens existentes e, geralmente por falta de espaço, criatividade ou coragem política, essa paisagem, na maioria das vezes de concreto, gera uma tripla poluição: visual, sonora e atmosférica. Como efeito, produzem redução do valor imobiliário das propriedades e, por isso, estão geralmente nas áreas de menor poder aquisitivo ou em áreas que se tornaram habitação de pessoas de menor poder aquisitivo, restabelecendo a antiga divisão das cidades industriais do século XIX, dispostas em “cidade alta” e “cidade baixa”.

Figura 24 – Ponte Colombo Salles, Florianópolis, Santa Catarina

b) Paisagem de (re)criação: existem inúmeros tipos de paisagem de (re)criação, caracterizando-se por serem áreas banalizadas, normalizadas e quase sempre assépticas, geralmente ligadas à globalização econômica. São feitas para organizar áreas econômicas, como, por exemplo, as cidades da costa brasileira durante a colonização, que eram voltadas exclusivamente para a retirada e envio de bens a Portugal, ou áreas de finanças, serviços, publicidade ou Jet society. Algumas se organizam segundo as lógicas de mais valias e outras por regulamentação política.

c) Paisagem patrimonializada: são áreas recriadas ou inventadas para demonstrar certa identidade dentro de um espaço em que aquela paisagem não deveria estar. Recria-se, em um determinado espaço, um modelo já existente, que representa um testemunho do passado, reforçando a lógica de apropriação, que visa consolidar um determinado grupo social, como se fosse um ícone representativo dos residentes. É produtora de território, mas o território produto pode ser muito diferente do território sonhado pelos autóctones. Localiza-se entre o progresso e involução. Pode-se ainda falar de um ponto de vista de fabricação da paisagem ou de colocar dentro da paisagem e são fundados em elementos simbólicos redutores e, às vezes, caricaturizadores daquele grupo social.

Figura 26 - El Camiñito, Buenos Aires, Argentina

5/ As paisagens de miséria e do esiuecido:

a) Paisagem de miséria: são as criadas pela pobreza e os marginalizados (l’oubli). Elas podem abranger desde cidades criadas e abandonadas em espaço e tempo curtos a favelas ou área de habitação espontânea e momentânea. São produzidas espontaneamente por pessoas que estão sempre viajando (ciganos) ou marginalizados, que constroem no espaço de forma não planejada, ou que não se encaixam no planejamento local ou na cultura arquitetônica. Podem se realizar dentro ou às margens das cidades.

Figura 27 - Acampamento cigano, Disponível em <http://www.abbra.com.br/house.htm>

b) Paisagem esquecida: São espaços abandonados por seus cidadãos (cidades fantasmas) devido ao êxodo rural, caracterizando-se pelo isolamento e por possuírem terras pouco utilizáveis. Hoje tem havido um boom imobiliário, pois o isolamento não é mais um problema. Cidades inteiras vêem sendo vendidas por preços chamativos, de forma que passaram a ter uma utilidade social e econômica. Vêm sendo também vendidas como pontos turísticos. A Espanha, por exemplo, produziu um guia dessas cidades fantasmas à venda e utiliza como um roteiro turístico.

Figura 28 - Vila Jaguará, criada para os trabalhadores com o fim da exploração mineral, foi abandonada. Sacramento Minas Gerais. Disponível em

No documento Conceito jurídico de paisagem (páginas 112-127)