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3. A pesquisa de campo

3.1 A primeira fase: a aplicação do questionário

Decidimos aplicar o survey dentro de uma amostra intencional, ou seja, a nossa intenção foi convidar os 32 indivíduos que estão na categoria de medalhas de ouro do DP, os que mais postavam mensagens, para responder ao questionário. Deste grupo, localizamos 21 internautas e 20 deles concordaram em participar desse estudo de corte-transversal, isso porque o fórum continuou ativo, cadastrando internautas, após o fechamento de nosso corpus. Esses atores responderam a um questionário com 122 perguntas – 33 delas abertas e 89 fechadas –, preenchido pela própria pesquisadora enquanto realizava as entrevistas. A maioria delas ocorreu em lugares públicos já que era nessa ocasião em que a entrevistadora e os entrevistados se conheciam pessoalmente. Até então, os contatos eram feitos por e-mails e telefonemas. Nesses encontros, o questionário era respondido em um tempo médio de uma hora.

Com as informações coletadas, procuramos descrever características gerais desses indivíduos, contemplando variáveis como sexo, idade, classe social e nível de escolaridade, mas também estado civil, renda individual e familiar, profissão e moradia. Perguntamos ainda

sobre aspectos relativos às práticas sociais e às atividades culturais, políticas e esportivas, assim como o uso da internet e dos veículos de comunicação mais tradicionais para buscar informações. Levantamos também a opinião do grupo sobre o fórum colaborativo do Diario, a participação de cada um deles no portal e o aproveitamento das opiniões emitidas e das pautas enviadas na versão impressa do jornal. Todos esses pontos serão aprofundados na primeira parte do capítulo da análise.

Embora o nosso corpus pareça fazer limitações para generalizações, não é objetivo de nosso estudo fazer generalizações. Além disso, ficou evidenciado que a ação individual se dirige e repercute na coletividade. A leitura dos dados coletados na primeira fase já sinalizava para a indicação de homogeneidades e heterogeneidades. Isso nos ajudou a começar a identificar as variações inter e intraindividuais dos membros desse grupo para que chegássemos aos seis indivíduos que estariam na segunda etapa.

Apesar de estarmos interessados nas dissonâncias, partimos do pressuposto que os seis cidadãos escolhidos para a fase seguinte deveriam ter algumas características em comum, como as descritas no quadro abaixo:

Quadro 1

Características gerais dos seis entrevistados

Colaborar ou já ter colaborado com outro veículo, além do fórum do DP;

Criar um canal de comunicação próprio alternativo à grande imprensa, como blog, ou ter externado essa vontade, mesmo que ainda não tivesse condições de fazê-lo;

Querer ser produtor de informação;

Demonstrar forte necessidade de se manter atualizado e informado, consultando, sobretudo, os canais disponibilizados pela grande imprensa nos seus diversos formatos;

Ter acompanhado, pelo menos por algum período, o aproveitamento das sugestões de pautas que eram publicadas na versão impressa do DP;

Continuar a mandar mensagens ou acessar o fórum do DP. FONTE: Elaboração própria.

3.2 – A segunda fase: as entrevistas em profundidade

Para investigar o nosso objeto, utilizamos o dispositivo metodológico de Lahire 1991; 1993; 2002; 2004a; 2004b; 2005; 2006a; 2006b; 2010a; 2010b) para ter acesso aos esquemas disposicionais acionados pelo indivíduo que age ativamente no jornalismo, aproximando o nosso olhar das variações inter e intraindivíduais dos membros de nosso grupo de estudo. As concepções das entrevistas em profundidade também podem ser estudadas a partir dos trabalhos desenvolvidos por Queiroz (1991), Bauer e Gaskel (2002), Duarte (2005) e Bourdieu (1997). Eles nos auxiliam a entender como o problema levantado por nosso estudo pode ser trabalhado por essa técnica de pesquisa. Isso porque os dados coletados pelo

investigador não são apenas identificados, mas, sobretudo, interpretados e reconstruídos dentro de uma perspectiva crítica e realista, considerando sempre a fidelidade do contexto da entrevista.

As entrevistas em profundidade podem ser classificadas a partir de suas características: abertas, semiabertas e fechadas. Optamos pelo modelo semiaberto a partir do qual pudemos abordar ao máximo o assunto estudado, utilizando um roteiro-base39 para garantir o foco da pesquisa. Isso não criou nenhuma camisa de força que pudesse impedir certa flexibilidade, já que os entrevistados, à medida que conversavam, traziam à tona novos tópicos de conexão com a nossa investigação.

Esse método foi importante para que pudéssemos responder à nossa questão central: quais são as disposições sociais, atualizadas em um universo relacional e contextual, que contribuem mais frequentemente para o indivíduo participar ativamente do mundo do jornalismo e como isso ocorre? Em relação à coleta do material da entrevista em profundidade, tudo foi documentado em questionários, cadernos de anotações e gravador. Apesar da evolução das ferramentas tecnológicas, com o surgimento de novos modelos de gravadores, as dicas de Queiroz (1991) foram importantes para que pudéssemos aguçar a nossa sensibilidade sem perder de vista o controle da situação.

Queiroz explica que o uso do gravador, como forma de captar o real, valoriza o relato oral. As gravações poderiam conservar a legitimidade do momento da entrevista, documentando emoções como entonação da voz e pausas, o que não acontecia quando a entrevista era registrada com a transcrição imediata para o papel. Para Bourdieu (1999), o pesquisador não deve tomar depoimentos de forma isolada. Em vez disso, precisa realizar entrevistas e compará-las. Isso não deve ser feito para relativizar, mas para fazer aparecer as diferentes visões de mundo a partir do confronto das informações coletadas.

Quando as entrevistas são feitas de forma isolada, como se fizessem parte de um conjunto autosuficiente, podem produzir dois efeitos: mostrar que lugares difíceis são difíceis de se descrever e sinalizar que é necessário substituir imagens simplistas e unilaterais por complexas e múltiplas.

Bourdieu (1999) argumenta que essa perspectiva não valorizaria um relativismo subjetivista, mas reconheceria a própria diversidade do mundo social, enfatizando os inúmeros pontos de vista criados em função de diferentes disposições, choques de interesses e

estilos de vida que a própria convivência faz aparecer, principalmente quando o universo da pesquisa está inserido em análises de níveis menores.

Dentro da técnica da entrevista em profundidade, Lahire concebeu um dispositivo metodológico ainda mais específico, que vai contribuir de forma mais consistente para que o pesquisador possa aplicar o programa de estudo para a sociologia à escala individual. Lahire defende a realização de longas e sucessivas entrevistas com os indivíduos que estão sendo analisados. Nessa segunda fase, pudemos colocar em prática essa metodologia com cada um dos seis indivíduos escolhidos para que pudéssemos obter o maior número possível de informações sobre as disposições que eles acionam, mais frequentemente, quando agem ativamente.

Cada um dos seis cidadãos foi entrevistado três vezes. A primeira rodada de entrevistas ocorreu entre os dias 30 de janeiro e 4 de fevereiro de 2012. O roteiro-base tomou como referência os dados já levantados na primeira etapa. Em média, cada uma das entrevistas durou uma hora e 15 minutos. Só depois que o material foi decupado e analisado, juntamente com os questionários respondidos por eles na primeira fase, foi marcada a segunda rodada de conversas. As entrevistas foram realizadas entre os dias 14 e 23 de março de 2012. As gravações registram um tempo médio de uma hora e 20 minutos.

Para o agendamento da terceira e última rodada das entrevistas em profundidade, o ritual foi o mesmo. Antes do encontro com cada um dos entrevistados, o material registrado até aquele momento era analisado mais uma vez para que pudéssemos aprofundar pontos de relevância para a pesquisa e abordar outros temas que ainda não tinham sido tocados. Essa última rodada ocorreu entre os dias 2 e 10 de maio de 2012, com um tempo médio de uma hora e dez minutos.

Também foi com base na metodologia de Lahire que Sá (2010; 2011) utilizou a teoria disposicionalista e o programa à escala individual em suas pesquisas. “Trata-se de uma compreensão do mundo social e não da compreensão (psicológica-individual) dos atores. A ideia é compreender a sociedade por meio do estudo dos indivíduos” (SÁ, 2010, p.41). Em uma delas, traçou o perfil sociológico do homem de negócios do mundo contemporâneo. Na outra, investigou o complexo disposicional de trabalhadores informais que atuam como feirantes comercializando comidas e bebidas na Feira de Caruaru40.

É importante ressaltar que, antes de realizar as entrevistas em profundidade, fizemos um mapeamento dos indicadores sociológicos utilizados por Lahire (2002; 2006a) em alguns

40 A Feira de Caruaru é uma das maiores feiras livres do Nordeste do Brasil e uma das principais atrações

de seus trabalhos. Lahire (2006a) sugere que o pesquisador estabeleça indicadores de análise para que identifique os elementos que, em muitos casos, não estão isolados, mas combinados. Tomamos como exemplo uma pesquisa que Lahire (2006a) realizou na França sobre práticas culturais em um grupo de indivíduos.

O primeiro indicador foi o da identificação de experiências socializadoras heterogêneas durante a infância e a adolescência. O segundo, mudanças importantes de condições materiais e/ou culturais de vida (ex.: mobilidade social). O terceiro, efeitos específicos e localizados de formações escolares muito especializadas. O quarto, relações ambivalentes com sua própria cultura familiar de origem.

O quinto indicador seriam as influências conjugais que podem modificar as disposições familiares adquiridas. O sexto, as relações de amizade que favorecem práticas distintas daquelas que são implementadas entre os cônjuges. O sétimo, as variações de laços de amizades que tornam possível uma distribuição de práticas heterogêneas. O oitavo seria o dos contextos bem delimitados do ponto de vista espacial e/ou temporal para se verificar os que são favoráveis ou não à ativação das disposições que estão sendo estudadas.

A partir dos trabalhos de Lahire, escolhemos os seguintes indicadores disposicionais para a nossa pesquisa: os efeitos das práticas e das ações vivenciadas pelos cidadãos analisados nos mundos das famílias (original e formada), da educação, da comunidade, do trabalho e do jornalismo, levando em consideração o contexto e as relações que eles mantêm com outros indivíduos. Como já especificamos nesse capítulo, a estratégia metodológica de Lahire nos levou a elaborar um desenho com seis configurações de variações disposicionais, quadros que se articulam entre si, a partir do qual pudemos ter acesso aos esquemas disposicionais de cada ator estudado. Revelaremos, no próximo capítulo, o da análise, a pluralidade das disposições dos cidadãos observados em seus universos, que vão para além do jornalismo, mas que influenciam nas práticas jornalísticas que adotaram e foram aqui observadas.

Capítulo 4

Portraits sociológicos

1. Socializações múltiplas e indivíduos singulares: o jogo do cidadão comum que entra e

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