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4. Os perfis sociológicos dos repórteres-amadores

4.2 O universo de Antonio Empreendedor: universitário bolsista e comerciante

4.2.3 Mundo da comunidade: os exemplos da mãe e da avó materna

A família da mãe morava há mais de 40 anos no mesmo bairro. A avó materna sempre participou das mobilizações feitas pelos líderes comunitários para buscar mais qualidade de vida para os moradores do lugar. Antonio, contudo, não considerou que essa participação poderia conferir à avó o titulo de líder comunitária. Ela respondia positivamente à ação tomada por outros indivíduos. Estimulada pela avó, a mãe dele desenvolveu as mesmas

tendências, costumava frequentar as reuniões da entidade do bairro. Algumas tias maternas criaram essa disposição, mas não a acionavam tão frequentemente como a mãe dele.

Antonio lembrou que desde criança costumava ver a mãe chamando os vizinhos para que todos fossem às reuniões da associação. A maioria, segundo ele, só comparecia quando havia algum documento importante para ser assinado. A avó e a mãe se mobilizavam para tudo. Os vizinhos não iam com os filhos, não era comum. Ele, porém, gostava de fazer companhia à mãe, era uma exceção.

A posição de ambivalência disposicional de Antonio em casa e na comunidade começou a partir desse comportamento. Na própria família original, considerava-se diferente. O pai e os irmãos nunca queriam se envolver. Entre os vizinhos, não seguia o perfil dos outros garotos da mesma idade que ficavam em casa enquanto os pais estavam nas reuniões.

Quando Antonio não podia comparecer, sempre perguntava à mãe sobre o que tinha sido debatido, o que já sinalizava para a formação de sua disposição em querer buscar informação. Ou seja, manter-se atualizado. Já havia a sinalização para as disposições que o levariam a desempenhar os papéis de cidadão-repórter e repórter-amador.

Apesar dessa forte tendência para a ação social e, consequentemente, para a ação política, ele nunca exerceu cargo de direção na entidade do bairro e não expressou nenhum desejo nesse sentido. Além das reuniões da associação, ele e a mãe frequentavam os encontros convocados pelos integrantes do Orçamento Participativo (OP), programa desenvolvido pela Prefeitura do Recife entre 2001 e 2012, por meio do qual a população vota e elege as obras que, para ela, são prioritárias para o bairro.

Antonio afirmou ter herdado da avó e da mãe a tendência de querer resolver os problemas coletivos. Segundo ele, a própria mãe reconhece que dos três filhos ele é o único que desenvolveu essas inclinações recorrentes para as práticas social e política, beneficiando não só a família dele, mas os demais moradores. Apesar de gostar dessas atividades, ele admitiu ficar frustrado porque não vê resultado imediato, ou seja, a solução dos problemas reivindicados. Mesmo assim, continua participando das mobilizações.

Eu penso sempre assim. O problema na rua não é meu, é nosso. Mas todo mundo chega e reclama: - Ah! Meu Deus tem um buraco na rua. Tem um buraco na rua. Sim e não vai fazer nada? Então assim, talvez, de tanto escutar isso, eu disse não alguém vai ter que fazer alguma coisa. E esse alguém vai começar por mim porque se eu não fizer quem vai fazer? Por que assim uma andorinha só não faz verão, né? Estou sempre incentivando as pessoas no que dá para fazer (Antonio).

A família da mãe de Antonio também realizava trabalhos voluntários, arrecadando alimentos e roupas. O material coletado era distribuído a parentes e amigos que ainda

continuavam morando no interior. Ele revelou que esses indivíduos enfrentavam muitas dificuldades, maiores do que as dele. Apenas nessas ocasiões, o pai e os irmãos colaboravam, mas não era uma disposição recorrente. Antonio considerava que os irmãos eram “individualistas e materialistas” porque não tinham um olhar para o coletivo. “Quando são chamados para participar das coisas, não vão, têm preguiça para tudo”. Ele disse que, para participar de atos como estes, deixa todo o cansaço de lado.

No esquema disposicional de Antonio, as tendências para as ações sociais estão diretamente ligadas às inclinações para as práticas políticas. Mesmo inconscientemente, ele passou a fortalecer a sua atuação politica quando uma professora de história e geografia do 9º ano do ensino fundamental II despertou nele a importância de se ter leitura crítica e de se mobilizar para conseguir melhorias para a escola. Essa motivação reforçou as disposições que tinham sido adquiridas na família para o assistencialismo e a preocupação com o social. A participação das reuniões na associação e no OP são ações políticas. Ele confessou que todos esses fatores o levaram a querer chegar logo aos 16 anos para votar, o que não era muito comum entre os irmãos e os amigos.

Desde os 16 anos, Antonio vota e quando escolhe os seus candidatos leva em consideração as propostas e a identificação pessoal, às vezes também o partido. Cobra as ações dos políticos. Sempre procura informações sobre política na internet. Nas campanhas eleitorais, busca os sites dos candidatos e dos partidos e assiste às propagandas dos candidatos na TV e no rádio.

Hoje, depois que eu passei a votar, eu paro... tem dia mesmo que eu digo: não hoje eu vou assistir para ver o que aquele candidato vai falar. Aí eu comparo, às vezes eu escrevo, guardo tudo na minha mente. Quando não, eu escrevo mesmo... sempre tem, assim, umas contradições. Eu vejo o passado do candidato. Eu vou fundo mesmo, entro no site deles quando eles têm. Procuro ver se aquilo que ele fez é mesmo verdade. É um conjunto para poder formar o voto (Antonio).

A disposição para a liderança de Antonio na comunidade é identificada pelos moradores que o procuram, pedindo ajuda para resolver problemas ou para fazer denúncias. Em função dessa tendência para atuar ativamente e não querer ficar exercendo um papel semelhante ao daquele cidadão que só reclama e fica na posição passiva, já foi lembrado para representar o bairro em campanha política. Ele não descartou essa possibilidade.

O universo de Antonio era constituído por disposições dos tipos diacrônicas, que levam em conta a trajetória biográfica do passado, e sincrônicas, que são acionadas pelo contexto presente. Os esquemas disposicionais se formaram inconscientemente em meio a um

emaranhado de tendências que se cruzaram, mas que tinham dois fortes fios condutores: as disposições para as ações sociais e políticas, formadas na família e na comunidade.

Toda a trajetória de Antonio tem como referência as variações disposicionais a partir desses dois mundos. Ele praticamente só deixa a casa materna e o bairro onde mora para ir à universidade e ao estágio. Tudo é resolvido por ele na própria comunidade.

O problema financeiro da família e as suas tendências para buscar trabalho com o objetivo principal de não pedir dinheiro aos pais poderiam tê-lo conduzido para a formação de disposições mais individualistas e ascéticas, focadas mais no núcleo familiar em detrimento da comunidade. Não foi o que ocorreu. Entre os parentes, ele cultivava tendências que já indicavam que o seu perfil era dissonante: o de um jovem com disposições para realizar o jogo do agir ativamente no jornalismo.

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