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2. O jornalismo como instituição social e as atividades jornalísticas

2.1 As fases do jornalismo: do opinativo ao tecnológico

Ao longo de seu percurso histórico, o jornalismo passou, segundo Marcondes Filho (2002), por quatro fases: a opinativa, a informativa, a explicativa e a tecnológica. Essas etapas mostram como o jornalismo foi sendo reconhecido como um campo social que faz a mediação entre o indivíduo e os outros campos sociais. Delegou-se ao jornalismo a missão de entrar em lugares aos quais o ator não tinha acesso para que pudesse tomar conhecimento de fatos que poderiam ser do interesse da sociedade. Assim, o jornalismo foi conquistando uma centralidade, um lugar de referência na construção social da realidade (VIZEU, 2005; VIZEU, ROCHA e MESQUITA, 2011).

A primeira fase do jornalismo vai de 1789 a 1830. É a época do jornalismo político- literário exercido sem fins econômicos, etapa do jornalismo opinativo, espaço para o embate político. No início, o jornalismo, segundo Lima Sobrinho (1923), era uma atividade cultivada

20 A teoria do agendamento, o agenda-setting, sustenta que as pessoas agendam os assuntos que norteiam as suas

conversas ou debates com base nos temas noticiados pela mídia. Foi abordado, inicialmente, por McCombs e Shaw (1993), para estudar as eleições nos Estados Unidos. A partir desse paradigma, os critérios que regulam a enunciação jornalística de um fato são ampliados e desdobrados.

por indivíduos idealistas, liberais e até românticos, que acreditavam nos ideais da Revolução Francesa. A imprensa era artesanal, feita por quem desejava debater ideias que contribuiriam para jogar luz na escuridão, esclarecendo sem esconder o viés opinativo.

O jornalismo era uma atividade exercida de forma voluntária e engajada por cidadãos de qualquer área profissional que queriam dar visibilidade às propostas de seus grupos. As ideias e influências políticas e econômicas não ficavam escondidas, como acontece hoje, eram expostas claramente para a opinião pública (BENEDETTI, 2009). O jornalismo surge, segundo Marcondes Filho (2002), desse embate político-ideológico. Era muito diferente do atual modelo, mais comercial e feito por jornalistas assalariados, resultado do desenvolvimento da indústria da imprensa (LIMA SOBRINHO, 1923).

Esse cidadão dos primordios do jornalismo reaparece no final do século XX reincorporado no nosso repórter-amador que, de forma artesanal e voluntária, busca dar visibilidade e jogar luz a temas que muitas vezes estão fora da pauta da grande imprensa. Esse repórter-amador aciona as disposições que aqui analisamos e age ativamente no jornalismo, hoje industrial, mas com ideais próximos às práticas de origem do campo, sem, contudo, o reconhecimento existente no passado.

Nesse mesmo século XIX, começaram a aparecer nos Estados Unidos os primeiros jornais que tinham uma linha menos opinativa e mais informativa. Iniciou-se a segunda fase, a do jornalismo informativo, que foi de 1830 a 1900. Entre os fatores que contribuíram para essa etapa, pode-se citar a alfabetização da população, a urbanização das cidades, a criação de empresas jornalísticas e o progresso tecnológico. O jornal passa a ser visto como uma empresa, assim como qualquer outra do sistema capitalista.

Nessa fase, surgiram novos gêneros jornalísticos, como a entrevista e a reportagem. No final do século XIX, os jornais tornaram-se mais acessíveis. O modelo da narrativa ficou atual e noticioso. A linguagem tinha que ser clara, concisa, direta, simples e precisa. O jornalismo apostou no modelo que separa fatos de comentários.

O jornalismo mais engajado e opinativo foi pouco a pouco sendo substituído pelo modelo que conhecemos hoje, que privilegia os interesses das empresas de comunicação. As gráficas manuais e artesanais foram dando lugar às rotativas, que produziam em escala industrial. Abriu-se espaço para os anúncios e as matérias pagas. O jornal tinha que almejar o lucro para pagar os custos de investimentos da modernização do parque gráfico e da contratação de profissionais.

O jornalismo passou a ser uma atividade que exigia uma dedicação maior ou quase exclusiva de seus profissionais. A imprensa se expandiu, tornando-se uma indústria. Os donos

dos veículos poderiam cobrar por anúncios e pela venda. Criou-se uma cultura profissional e isso gerou, segundo Benedetti (2009), implicações deontológicas (princípios profissionais) e cognitivas (conhecimento específico), como abordamos no processo em que o jornalismo foi decisivo para a construção da noção de tempo presente.

Quando um jornal estampava um conteúdo mais opinativo e engajado, recebia logo o adjetivo de panfletário e parcial. Isso porque o jornalismo praticado pelas grandes empresas passou a ser considerado, utopicamente, imparcial, objetivo e neutro. Esses valores, construídos principalmente pela imprensa norte-americana e adotados pela imprensa brasileira, passaram a nortear os jornalistas porque conferiam credibilidade ao conteúdo das matérias e à imagem das empresas de comunicação, como se as protegessem de qualquer crítica em relação aos interesses econômicos e políticos de seus proprietários.

Era dentro dessa cultura profissional que as empresas procuravam conquistar leitores e anunciantes e, consequentemente, ampliar as vendas. Na primeira fase, mais opinativa, valorizavam-se as ideias e a cultura geral. Agora, na segunda, destacavam-se a velocidade e a precisão na apuração e na redação da notícia. O jornal, para Lima Sobrinho (1923), passou de instrumento orientador a produto de uma indústria utilitária.

Na segunda metade do século XIX, o modelo de jornalismo norte-americano dividia- se entre as notícias sensacionalistas (penny press), principalmente as dos crimes espetaculares, e o lide que respondesse aos 5W21. A informação sem comentário despertaria mais respeito entre os leitores, o que levou o jornalismo a almejar a neutralidade, combinada com a pretensa objetividade. Cria-se um novo paradigma para o jornalismo, como diz Traquina (2004), para tentar separá-lo da narrativa publicitária, ou seja, das ideias apaixonadas e engajadas, como se as empresas e os jornalistas não as tivessem.

A objetividade, contudo, constrói-se dentro dos interesses estabelecidos pelos veículos de comunicação. A intenção é a neutralidade, mas o texto faz parte de uma construção narrativa na qual os argumentos de persuasão não deixam de estar presentes. Afinal, para conquistar a audiência não basta só informar, tem que persuadir (MESQUITA, 2004). Apesar de colocar números e dados estatísticos, para embasar a noção de objetividade, neutralidade e imparcialidade, os fatos são enquadrados segundo a ótica das empresas. Eles são

21 O lide tradicional corresponde ao primeiro parágrafo da reportagem, que precisa ser escrito a partir da

informação mais importante, nova ou curiosa. De acordo com Amaral (1997), Garcia (1998), Lage (2002) e Erbolato (2003), esse modelo segue o esquema dos 5 W e 1 H, que vai orientar o repórter. Ele tem que responder: quem ou com quem aconteceu o fato (who), o que aconteceu (what), quando (when), onde (where), por quê (why) e como se deu este fato (how).

descontextualizados e recontextualizados socialmente para se tentar esconder as marcas da subjetividade.

É na terceira fase do jornalismo, de 1900 a 1960, que os grandes conglomerados de comunicação se consolidam, formando os monopólios. Os jornais impressos começam a rodar em grandes tiragens. Inicia-se a etapa do jornalismo de explicação. Esse modelo de análise pressupõe a especialização dos jornalistas, contrapondo-se ao formato generalista e descritivo anterior. No final dos anos 60 do século XX, voltou-se a valorizar a narrativa mais subjetiva, retomando em parte o texto mais opinativo da fase inicial.

A industrialização da imprensa, contudo, deu origem a um modelo de negócios que suplantou o jornalismo movido à paixão e ao idealismo, exercidos de forma amadora em gráficas quase artesanais. Ao longo dos anos, as empresas foram se fortalecendo e criando sistemas de comunicação que favorecem o surgimento de conglomerados nos quais um único grupo é responsável pela administração de vários veículos como jornais, rádios e televisões. Esses conglomerados começaram em nível regional para depois atingirem escala nacional (MELO, 2010) e, atualmente, transnacional.

A quarta fase começa nos anos 70 do século passado e vai até os dias de hoje, é a etapa do jornalismo tecnológico. As novas ferramentas da comunicação, criadas com a internet, provocam mudanças profundas nesse mundo social, que passa do sistema analógico ao digital. O grande avanço ocorreu na década de 90 quando a potencialidade da comunicação, advinda da grande rede de computadores, começou a ser utilizada como ferramenta para democratizar o acesso dos indivíduos à informação.

Com a entrada do computador nas redações e, posteriormente, com o acesso dessas mesmas redações à internet, o jornalismo deu um grande salto, o que provocou uma série de mudanças nas práticas jornalísticas que podem ser divididas, segundo Soster (2009), em três fases. A primeira é marcada justamente pela popularização da internet, o que ocorre a partir da década de 90. O marco balizador é o surgimento das versões digitais dos jornais impressos, que passam a disponibilizar os seus conteúdos nos sites, mudando a configuração da relação entre jornalistas, empresas e cidadãos comuns.

A segunda fase é caracterizada pela processualidade desse novo cenário que redimensiona o sistema midiático, envolvendo atores, espaços sociais e ferramentas oferecidas pela informatização. Essa relação se estende do interior de um veículo para outro. Uma notícia que é divulgada por um site vai se transformar em pauta para outros veículos. A informação original é repercutida e apropriada pelos membros desse sistema através de uma

rede. O foco dessa relação, para Soster (2009), é o processo em si. O fluxo é mais importante do que o lugar de onde partiu ou vai chegar a informação.

A terceira fase é marcada pela descentralização, autorreferência e correferencialidade (SOSTER, 2009). Ancorado em uma estrutura de rede, o jornalismo opera a partir de uma nova lógica. O lugar discursivo não está mais centralizado nas redações, desloca-se no fluxo construído por uma sociedade interligada por uma rede. Muitas vezes o acontecimento, segundo Soster (2009), é construído dentro desse fluxo.

As instituições jornalísticas continuam sendo importantes, mas passam a fazer parte de um sistema maior porque com a internet o fluxo da informação é multidirecional. É neste contexto que surge o nosso cidadão comum que age ativamente, ator que está disposto a atuar no processo de produção e difusão da informação.

Soster (2009) chama de autorreferencialidade o fato das operações jornalísticas se voltarem para o próprio sistema midiático. As fontes estão, cada vez mais, no interior desse sistema. Na correferencialidade, os veículos se referenciam mutuamente. O acontecimento pode ser gerado dentro do fluxo de informações, quando os veículos interagem entre si. Os sites jornalísticos incorporam outras mídias em seus espaços, exercendo uma cultura de convergência midiática (JENKINS, 2008).

Com as novas tecnologias digitais, o fluxo de informação caminha por vários sentidos (PRIMO, 2011). A linha que demarcava precisamente o lugar do produtor e do receptor da informação não existe mais. A indústria do jornalismo sofre mudanças profundas. As empresas de comunicação não são mais detentoras do poder de mediar e controlar a informação. O polo de produção foi descentralizado e ampliado. Pode-se buscar informação em qualquer lugar através dos acessos permitidos pela conexão em rede.

O universitário e comerciante Tom da Lanchonete fica conectado à grande rede mais de três horas por dia, apesar da extensa carga de trabalho que tem na lanchonete de sua propriedade e no estágio que realiza na área de logística. Tem acesso à internet desde 2005 em sua residência e no trabalho. Sempre cultivou o hábito de ler jornal e de ver o noticiário da televisão e ouvir o do rádio, disposições adquiridas com os pais. Revelou que, depois da internet, não se contentou mais em só ficar recebendo notícia da grande imprensa, passando a consultar diretamente as fontes de informação sobre os assuntos de que gosta.

Ao descobrir a possibilidade de colaborar com os veículos de comunicação, sentiu-se motivado a comentar e enviar sugestões de matérias, sem reconhecer os esquemas disposicionais que acionou para realizar essa prática. Também criou espaços nas redes sociais

para escrever seus próprios textos, recomendando ainda sites que costuma ler e reportagens que viu, principalmente sobre transporte público, tema que gosta de debater.

Aproveita ainda o seu canal de comunicação na internet para falar sobre os problemas de sua comunidade na Zona Norte do Recife. Faz postagens diárias, voluntariamente. Apresenta-se como um cidadão que produz informação “por prazer”. Essa atividade, para Tom, é um hobby por meio do qual discorre sobre os problemas da comunidade e do transporte público em geral. Não se considera um jornalista em função da falta de “compromisso profissional”, escrevendo quando quer.

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