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A HORA DO ESPANTO AS “PÉROLAS” DO PORTUGUÊS

VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

3. A PRIORI E A POSTERIOR

Essas expressões latinas têm sido empregadas de modo equivocado, em inúmeras situações nos ambientes forenses. Na verdade, há uma banalização das duas expressões como se fossem sinônimas de “antes” e “depois”.

A priori (pronuncie “a prióri”) significa “anterior à experiência, anterior à verificação experimental, apresentado como

hipótese, preconcebido, sem fundamento, de antemão”. Nesse contexto, a expressão “a priori” representa o método que conclui pelas causas e princípios.

Faz parte de uma expressão de maior extensão, “a priori ratione quam experientia”, que significa “por um raciocínio anterior à experiência”. Serve para indicar, por exemplo, um princípio que eu faço valer antes de mais nada e do qual não abro mão. Exemplo: Não posso conceber, “a priori”, que alguém seja impedido de manifestar seu entendimento nesta reunião.

Também pode designar um raciocínio que se baseia em pressupostos, não levando em consideração o que a experiência posterior possa trazer: É perigoso condenar “a priori” essa prática adotada pelo contribuinte (entenda-se: sem ainda ter visto seus desdobramentos e suas consequências).

Julgar uma pessoa “a priori” é fazer uma opinião de alguém antes de realmente conhecê-lo: Não me agrada fazer julgamentos “a priori”, todavia o homem tem um comportamento intragável.

O raciocínio “a priori” opõe-se ao raciocínio a “posteriori”. Na Filosofia e na Lógica, as duas expressões são usadas com significados bem definidos e especializados.

Segundo Kant80, são a “priori” os elementos do conhecimento (intuições, conceitos, juízos) independentes da experiência. Assim, por exemplo, a proposição “todos os corpos são extensos” é uma afirmação necessária e universalmente verdadeira (os juízos “a priori” são universais e necessários), existam corpos ou não; é uma verdade que não depende da experiência. O conhecimento é a posteriori quando só é possível por meio da experiência.

Como se disse, “a priori” tem como antônima outra expressão latina: a posteriori, que significa “conhecimento, afirmação, verdade provenientes da experiência, ou que dela dependem”. Quer dizer “de trás para diante”, representando um método que conclui pelos efeitos e consequências.

Julgar “a posteriori” é julgar pela experiência. Argumentar “a posteriori” é argumentar passando do efeito à causa. A Universidade Estadual Paulista (UNESP), em seu vestibular realizado pela Fundação VUNESP, em dezembro de 2004, elaborou, como de costume, elogiável Prova de Língua Portuguesa, digna de admiração e louvor. Trouxe uma passagem de um texto escrito por Eça de Queirós (1845-1900) que exigiu a interpretação dos termos “a priori” e “a posteriori”. Aprecie o trecho abaixo transcrito:

“Idealismo e Realismo

( ...) O ut r or a um a nov e l a r om â nt i c a , e m l uga r de e s t uda r o hom e m , i nv e nt a v a - o. Hoje o r om a nc e e s t uda - o na s ua r e a l i da de s oc i a l . O ut r or a no dr a m a , no r om a nc e , c onc e bi a - s e o jogo da s pa i x õe s a priori; hoje , a na l i s a - s e a posteriori, por pr oc e s s os t ã o e x a c t os c om o os da pr ópr i a f i s i ol ogi a . De s de que s e de s c obr i u que a l e i que r e ge os c or pos br ut os é a m e s m a que r e ge os s e r e s v i v os , que a c ons t i t ui ç ã o i nt r í ns e c a dum a pe dr a obe de c e u à s m e s m a s l e i s que a c ons t i t ui ç ã o do e s pí r i t o dum a donz e l a , que há no m undo um a f e nom e na l i da de úni c a , que a l e i que r e ge os m ov i m e nt os dos m undos nã o di f e r e da l e i que r e ge a s pa i x õe s hum a na s , o r om a nc e , e m l uga r de i m a gi na r, t i nha s i m pl e s m e nt e de obs e r v a r. O verdadeiro autor do naturalismo não é, pois, ‘Zola’ – é ‘Claude Bernard’. A arte tornou-se o estudo dos fenômenos vivos e não a idealização das imaginações inatas...” ( Eç a de Q ue i r ós , C a r t a s I né di t a s de F r a di que M e nde s . In: Obras de Eça de Queirós) . ( De s t a que s nos s os )

Eça de Queirós, ao anunciar que “outrora no drama, no romance, concebia-se o jogo das paixões a priori; hoje, analisa-se a

posteriori, por processos tão exatos como os da própria fisiologia”, assume uma visão determinista, ao cotejar a literatura

romântica, praticada no passado (“outrora”), e a arte realista, praticada no momento da elocução (“hoje”). Segundo o autor, a primeira prioriza a inspiração e a intuição, sem se pautar nas convicções da realidade exterior – é a arte apriorística e

subjetiva. A segunda, por seu turno, vislumbra a arte como produto da observação e análise do mundo sensível, a partir de uma postura de criticidade racional e científica – é a arte calcada na experimentação científica. Reitere-se que, para Eça de Queirós, as expressões “a priori” e “a posteriori” significam, respectivamente: antes ou independentemente da observação dos fatos; e depois ou em decorrência da observação dos fatos.

É importante enaltecer que um dos pilares do Naturalismo foi a adoção de princípios mecanicistas e deterministas, que influenciaram a cultura na segunda metade do século XIX. A corroborar, citem-se as palavras do fisiologista Claude Bernard81 – “O determinismo é absoluto tanto para os fenômenos dos corpos vivos como para os dos corpos brutos82” –, a par do trecho do soneto Eu (1935), de Augusto dos Anjos – “(...) Duras leis as que os homens e a hórrida hidra / a uma só lei

biológica vinculam (...)”. Para Augusto dos Anjos83, aliás, a diversidade da realidade se unifica por leis universais e absolutas, o que explicaria, por exemplo, a inexorabilidade das transformações, do amanhã e da morte.

4. IN CA SU

A expressão in casu tem a acepção de “no caso”, podendo ser livremente utilizada nos petitórios. Exemplo: Não pode

prosperar, “in casu”, o argumento expendido pelo Réu.

Ademais, pode ser substituída por expressões sinônimas, como: “no caso em tela”, “no caso em comento”, “no presente caso”, “no vertente caso” ou, ainda, insistindo no latim, “no caso ‘sub examine’”– expressão sobremodo elegante, que confere agradável som prosódico ao texto, devendo ser pronunciada como “sub eczâmine”. Traduz-se por “no caso em exame”.

Nos meios forenses, é comum a dúvida entre a grafia “sub examen” e “sub examine” quando se pretende dizer que a matéria está sendo examinada ou sob exame. Frise-se que, à luz do latim, é possível dirimir a dúvida por meio da análise de expressão latina similar: a locução adverbial “in limine” (ou seja, “desde logo, no início”), originada pelo substantivo “limen”, que significa “limiar, entrada”. O caso nominativo é “limen”; “liminis” é o genitivo e “limine”, o ablativo (caso latino que representa as palavras na função de adjunto adverbial, em que aparece uma preposição, como in, sub, de). Então, como “examen” e “limen” pertencem à mesma declinação (neutros da 3ª), temos, à semelhança de “limen”, “liminis” e “limine” os termos “examen”, “examinis” e “examine”. Consequentemente, redija-se “sub examine”.