• Nenhum resultado encontrado

A procura pela superação do modelo convencional de desenvolvimento

CAPÍTULO 1: AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL

1.2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO CONTEXTO DA

1.2.2. A procura pela superação do modelo convencional de desenvolvimento

A idéia e o ideal de sustentabilidade nascem da imposição da crescente consciência sobre a insustentabilidade dos modelos de desenvolvimento que vimos antes. Embora somente nos anos recentes a temática do desenvolvimento sustentável tenha passado a

destacar-se nas agendas de cientistas, políticos e setores da sociedade civil organizadas, convém lembrar que datam da década de 60 os primeiros alertas sobre as externalidades negativas dos enfoques de desenvolvimento agrícola e rural. Rachel Carson, em 1962, publicaria seu livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), denunciando efeitos nocivos dos pesticidas organoclorados sobre o meio ambiente. Mais tarde, em 1971, seria criada a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), uma das primeiras entidades ambientalistas em nosso país. Em 1973, Schumacher publicaria o clássico Small is

beautiful (traduzido ao português como “O negócio é ser pequeno”), onde apresentava seu

ponto de vista sobre outro possível projeto de sociedade. Ele se concentrava nos problemas de escala e dimensões apropriadas das atividades econômicas e nas tecnologias, defendendo que o pequeno empreendimento não só é possível, senão que é mais apropriado.

Como podemos observar, não é de hoje que os modelos convencionais de desenvolvimento e de desenvolvimento agrícola e rural vêm sendo criticados. Entretanto, a força construtiva dos enfoques orientados à sustentabilidade passaria a exercer influência cada vez mais significativa a partir de 1971, com a publicação de Blueprint for survival, documento-chave nas discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. Posteriormente, teríamos a publicação do livro

The limits of growth (Limites do crescimento), por Meadows e sua equipe. Esta obra já

alertava sobre a impossibilidade de conciliar as políticas de promoção do crescimento econômico com a necessária proteção ao meio ambiente, pregando a necessidade de se estabelecer um “estado de equilíbrio global”, mediante o controle das forças que tendiam a aumentar ou diminuir a população e o capital (MEADOWS, 1978). Confirmando suas teses iniciais, Meadows e seus colegas publicariam, em 1991, Beyond the limits of growth (Mais além dos limites do crescimento), onde afirmam que as conclusões de 1972 não previam uma catástrofe, mas pretendiam lançar o desafio de “como alcançar uma sociedade materialmente suficiente, socialmente eqüitativa e ecologicamente perdurável, mais satisfatória em termos humanos que a sociedade de nossos dias, obcecada pelo crescimento econômico” (MEADOWS, 1994).

Estas primeiras advertências foram daí para frente seguidas de muitas outras que nasceram como resultado de estudos e conferências sobre desenvolvimento e meio ambiente. Novos estudos e contribuições, decorrentes das novas visões sobre o processo de desenvolvimento, passaram a incorporar, de forma cada vez mais evidente, a problemática da sustentabilidade. Mais especificamente sobre o desenvolvimento rural, foram sendo construídas propostas e alternativas aos modelos convencionais, ainda que no âmbito da

tecnocracia mundial passasse a prevalecer o que alguns autores como Alonso Mielgo e Sevilla Guzmán chamam de “enfoque ecotecnocrático do desenvolvimento sustentável”, o qual fundamenta-se no crescimento econômico continuado, e que tenta equacionar a relação sociedade/ambiente e os limites do crescimento mediante um otimismo tecnológico, artifícios econômicos e mecanismos de mercado.

O desenvolvimento sustentável é aquele que (nos setores agrícola, florestal e pesqueiro) conserva a terra, a água, os recursos genéticos vegetais e animais; é ambientalmente não degradante, tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável” (FAO, 1995). Conforme esta Organização, para que se possam alcançar os objetivos da Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável (ADRS), a maior parte dos países em desenvolvimento não terá outra opção senão a de intensificar a agricultura (AS-PTA, 1992), o que colocava em suspeita a real possibilidade de se alcançar níveis mais elevados de sustentabilidade na agricultura de tais países. Por sua parte, ainda na esfera institucional-burocrática, o Banco Mundial proporia o desenvolvimento sustentável como aquele que é capaz de atender a três objetivos centrais e mutuamente relacionados, a saber: o crescimento econômico, a diminuição da pobreza e o manejo ambientalmente saudável dos recursos naturais. Contudo, conforme a conceituação do próprio Banco Mundial, quando julgado necessário e desejável, seria admissível aceitar trade-offs (intercâmbios) entre os objetivos de crescimento, alívio da pobreza e manejo ambiental sadio (PEZZEY, 1992), o que demonstra uma visão equivocada, resultante do viés ecotecnocrático antes referido.

Nessa mesma linha, organizações regionais, a exemplo do IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura), definem a sustentabilidade da agricultura e dos recursos naturais como “o uso dos recursos biofísicos, econômicos e sociais segundo sua capacidade, em um espaço geográfico, para, através de tecnologias biofísicas, econômicas, sociais e institucionais, obter bens e serviços, diretos e indiretos da agricultura e dos recursos naturais, para satisfazer as necessidades das gerações presentes e futuras” (IICA, 1992).

Seguindo o esforço de construção de um conceito orientador, a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável das Américas, que reuniu representantes dos países americanos em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), afirma que a “sustentabilidade exige, primeiro e sobretudo, um conjunto de princípios e práticas que tratem, de modo equilibrado, as dimensões econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento”, alertando, entretanto, que “o desenvolvimento sustentável não supõe que todos os países se encontrem no mesmo nível de desenvolvimento, nem que adotem critérios uniformes para alcançá-lo”. Isto é, ainda que o desenvolvimento sustentável exija responsabilidades de todos, estas são, por sua vez,

diferenciadas, dadas as tendências e problemas existentes em cada país. Não obstante, os chefes de Estado reconheciam que sem um combate decisivo à pobreza, seria impossível proteger a integridade do sistema natural que nos sustenta, já que tentar proteger nossos sistemas ecológicos, desconhecendo as necessidades humanas, constitui uma impossibilidade política, moral e prática. Portanto, a estratégia central para o “Desenvolvimento Sustentável das Américas”, além de aperfeiçoar a legislação, deve “promover e fortalecer a participação cidadã”, assim como “melhorar o acesso popular ao conhecimento e às tecnologias” (OEA, 1996).

Como podemos ver, ao longo das últimas décadas e a partir da trajetória clássica do desenvolvimentismo, passaria a ocorrer a conseqüente construção de correntes do tipo ecotecnocrático, originando, desde então, mais de cem conceitos já catalogados sobre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a partir da crítica ao modelo convencional de desenvolvimento, vamos encontrar outras escolas de pensamento que se contrapõem aos pressupostos antes enunciados e que, a partir do resgate histórico da questão camponesa e de uma nova visão da relação entre a Agronomia e a Ecologia, passariam a estabelecer as bases para sustentar uma nova construção paradigmática: a Agroecologia. Porém, antes de discutirmos a emergência de um novo paradigma que oriente pra o caminho do desenvolvimento rural sustentável, é necessário fazer uma análise mais cautelosa e crítica sobre os verdadeiros ideais da construção do termo “desenvolvimento sustentável”, assim como deixar claro o que entendemos como sustentabilidade socioeconômica e ambiental na perspectiva da Agroecologia.