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CAPÍTULO 2: AGRICULTURA FAMILIAR E AGROECOLOGIA NO

2.2. A TRAJETÓRIA AGROECOLÓGICA NO ESTADO DA PARAÍBA, COM

2.2.1 Caracterização e tipologia

O Nordeste brasileiro tem uma área de mais de 1.662.947 km2, dos quais cerca de 912.208 km2 estão na região semi-árida. Inicialmente, o Nordeste era tido como unidade homogênea, porém, estudos recentes mostram a existência de 172 unidades geoambientais, distribuídas em 20 unidades de paisagem e, portanto, de grande diversidade edafoclimática. Essa variabilidade tem implicações para o desenvolvimento regional, pois impõe diferentes abordagens ao território.

Esta grande diversidade sugere uma reflexão sobre a índole das intervenções, sejam da parte do Estado, do setor privado ou do terceiro setor, que vem sendo praticadas ou proposta para o Semi-Árido nordestino. O suposto inicial é que as mesmas devam acontecer partindo da ótica de que é possível conceber ações que visem estimular o grau de racionalidade com que se comportam determinados agentes econômicos e certas comunidades e, ao mesmo tempo, tentar desestimular certos comportamentos que reproduzem as condições de ineficiência, que perpetuam a pobreza e comprometem a sustentabilidade das atividades produtivas. É ocioso dizer que nem sempre estas intervenções são possíveis nos marcos institucionais dados, o que sugere a idéia de um aperfeiçoamento da democracia na linha de reformas dirigidas à redução das desigualdades (BAIARDI e MENDES, 2006).

É no Nordeste que se concentram os segmentos mais pobres dos agricultores familiares do Brasil. Aqui é onde as políticas de geração de renda encontram maior dificuldade em sua efetivação. Quase não existe tradição camponesa porque monopolizavam- se praticamente todas as terras férteis com a produção de cana e algodão em grande escala, marginalizando boa parte da população rural a lugares com baixa fertilidade e produtividade. Ao comparar somente os produtores familiares no Sul e no Nordeste as diferenças regionais ficam mais evidentes: em média, a produtividade por estabelecimento da agricultura familiar no Sul é seis vezes maior do que no Nordeste. E a produtividade por ha é quase oito vezes maior do que no Nordeste (KÜSTER e MARTÍ, 2004).

No Estado da Paraíba, o conjunto da agricultura familiar está presente predominantemente na mesorregião do Agreste, com 49 % dos estabelecimentos agrícolas desta categoria. Os pequenos estabelecimentos de até 50 ha correspondem a 90 % do total de propriedades rurais do Estado, mas ocupam apenas 22 % da área agrícola total (IBGE, 1995). Ao norte de Campina Grande, município polarizador da mesorregião do Agreste, há um predomínio absoluto da pequena propriedade, fazendo desta a única região minifundiária do Estado (MOREIRA, 1988).

Os sistemas de produção da agricultura familiar da Paraíba estão todos baseados no policultivo (cultivos alimentares, comerciais e forrageiros) e na pecuária. Estão parcialmente ou totalmente integrados ao mercado há muitos anos, tendo havido na região uma sucessão de ciclos de cultivos comercias (fumo, algodão, sisal, mamona, batata inglesa, erva doce etc.) (SABOURIN e CARON, 1995). São sistemas bastante diversificados, em função da diversidade dos ambientes agroecológicos e geográficos da região, da diferenciação sócio- econômica entre os produtores, da sua origem e das diversas formas de acesso à terra.

A tipologia sumária dos produtores familiares da região Lagoa Seca, realizada pela Assessoria e Serviços–Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais, utiliza as próprias referências e nomes usados pelos agricultores. A mesma indica uma maioria de pequenos agricultores (dos roçados) e de agricultores sem terra (arrendatários, meeiros etc.). Em terceiro lugar vêm os agricultores criadores e, finalmente, os produtores especializados (fruticultores e bataticultores) (AS-PTA, 2000). Na realidade, foram identificados seis subsistemas produtivos no seio das unidades familiares na Mesorregião do Agreste Paraibano: as culturas anuais (roçados), as culturas permanentes (fruteiras), a criação animal (principalmente bovinos), os quintais, a pequena irrigação (muito pouco freqüente) e o extrativismo (também pouco importante) (AS-PTA, 2000).

2.2.2 O caminho para sustentabilidade local

Na contracorrente do modelo hegemônico, sob o domínio econômico dos sistemas monocultores para exportação e das políticas oficiais de desenvolvimento, os camponeses resistiram e desenvolveram suas experiências produtivas e de pluriatividade, estabelecendo uma lógica de produção assentada na diversificação de culturas alimentares. Promoveram, assim, a dinamização da economia, ao levarem seus produtos para os mercados locais, especialmente ligados às feiras livres nos municípios da região, assim como para outras regiões interioranas do estado da Paraíba. É justamente nesse campo de resistência que se vai construindo a identidade da agricultura camponesa na região.

No início dos anos 1990, três sindicatos de trabalhadores rurais (dos municípios de Solânea, Remígio e Lagoa Seca), com assessoria da AS-PTA, colocaram o desafio de buscar estratégias inovadoras de incidência, capazes de gerar dinâmicas sócio organizativas que atuassem sobre a essência da problemática específica da agricultura familiar da região. Tratava-se de conectar suas pautas de luta, até então muito genéricas e influenciadas pelo movimento sindical nacional, à realidade e às motivações concretas da numerosa e diversificada agricultura familiar do território. A ação articulada desses três STRs criou as condições políticas para o surgimento do Polo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema. Desde então observa-se que tanto sindicatos como associações comunitárias, serviços pastorais e organizações de apoio começam a estabelecer novos padrões organizativos, técnicos e de intervenção política para o fortalecimento da agricultura familiar (SILVEIRA, FREIRE e DINIZ, 2010).

Ficava cada vez mais visível a busca pelo desenvolvimento local através de propostas inovadoras e experiências bem sucedidas nos municípios de Solânea, Remígio e Lagoa Seca, despertando aos poucos o interesse de sindicatos e de outras organizações de agricultores dos demais municípios do agreste paraibano. O trabalho exemplar de gestão dos recursos hídricos e do manejo de estoques coletivos de sementes realizado nesses municípios ganhou respeito, admiração e gratidão de toda a comunidade de agricultores familiares da região, motivando o Pólo Sindical da Borborema (rede de sindicatos associados) a mobilizar suas bases nas comunidades para divulgar as experiências em Agroecologia. Como bem explica a citação abaixo,

O Polo da Borborema passou a se consolidar não só como um ator demandador de políticas públicas específicas, mas fundamentalmente como

espaço político-organizativo unificador do conjunto das organizações da agricultura familiar em torno à construção de um projeto comum de desenvolvimento local e de promoção da Agroecologia (SILVEIRA, FREIRE e DINIZ, 2010).

O que se percebe nos últimos tempos no Agreste paraibano e em especial no município de Lagoa Seca – região delimitada como espaço geográfico desta pesquisa – é que um novo processo de sociabilidade foi se construindo a partir de intensas mudanças no quadro institucional e operacional do sistema agrícola da região, tomando como princípio norteador os ensinamentos da Agroecologia. Inovação de estratégias dirigidas à superação dos obstáculos técnicos, econômicos e sócio-organizativos vivenciados pela agricultura familiar da região vai ganhando mais espaço e força a cada saber compartilhado e a cada experiência vivenciada dentro da realidade local, garantindo ao passar do tempo a autonomia socioeconômica, política e cultural dos agricultores familiares desse município.

Embora as intenções sejam nobres por parte das entidades envolvidas com a sensibilização dos agricultores em relação às vantagens da conversão ao novo sistema, é preciso ter cautela na condução do processo de transição agroecológica para que não se construa novos poderes locais que irão servir a uma determinada parcela da sociedade em detrimento da condenação de outra considerada como fora do sistema. Um dos princípios da Agroecologia é a superação de um modelo excludente na ótica socioeconômica, que visa o desenvolvimento local sustentável sem marginalizar grupos por razões políticas ou divergências de opiniões.

A Agroecologia vem como chave mestra para abrir um novo caminho de justiça e inclusão social, incentivando o respeito e a solidariedade entre as comunidades, com foco na igualdade de oportunidades. Neste sentido, o município de Lagoa Seca se depara com um grande desafio: manter o incentivo ao processo de transição agroecológica sem precisar criar uma categoria “elitizada” na região, pois o que percebe-se é que embora o STR seja uma entidade voltada ao agricultor familiar, o foco de sua atenção está voltada principalmente para os agricultores de base ecológica; continuar o processo de incentivo à autonomia e ao desenvolvimento local sem nenhum tipo de imposição política ou ideológica, mas sempre focando no espírito de coesão social, muito embora tenha sido identificado nesta pesquisa alguns relatos de agricultores tecendo críticas a falta de imparcionalidade política por parte dos dirigentes do STR e da AS-PTA.

Diante do exposto, é imprescindível entender os motivos que levaram os agricultores a aderirem à transição agroecológica em Lagoa Seca, uma vez que a garantia da viabilidade do

processo e o alcance de níveis superiores dependem do grau de compreensão dos princípios norteadores da Agroecologia por parte dos atores envolvidos, constituindo-se de um despertar endógeno, evitando a conversão contrária por imposição externa ou falta de convicção e segurança.

2.3 ASPECTOS MOTIVADORES À CONVERSÃO AGROECOLÓGICA EM