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CAPÍTULO 4: AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS,

4.1. A DIMENSÃO SOCIAL

4.1.6. Variável Forma de Organização do Trabalho

Assim como o projeto PAIS, algumas atividades dentro do município têm estimulado a cooperação entre as comunidades de agricultores agroecológicos que aos poucos vem se moldando numa ampla rede social. Os números identificados ainda não alcançaram as expectativas esperadas pelos órgãos envolvidos no processo de transição agroecológica, os quais admitem ser uma questão de tempo para se atingir resultados bem mais significativos. A figura 36 ilustra os percentuais de participação do chefe de família em formas comunitárias de trabalho e comercialização, demonstrando que a participação em formas comunitárias de comercialização tem ultrapassado as de trabalho com valores de 45% e 30% respectivamente. Isso provavelmente se deve ao advento do PAA (em especial o PAA - merenda escolar) implantado no município.

As formas comunitárias de trabalho identificadas foi o mutirão para construção das cisternas de placas, barragens e igrejas nas diferentes comunidades, como também para a colheita e plantação de alguns cultivos como feijão, batata inglesa e mandioca.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 Sim Não % trabalho comercialização 30% 45% 70% 55%

Figura 36. Participação do chefe de família em formas comunitárias de trabalho e comercialização,

município de Lagoa Seca-PB. 2010

Segundo o presidente do STR, o agricultor Nelson Ferreira, as formas comunitárias de trabalho além de incentivar / fomentar a união entre os agricultores e fortalecer o movimento agroecológico, ela oferece uma maior tranqüilidade ao agricultor na ausência de mão de obra agrícola e não-agrícola, pois mesmo com a possibilidade de contratar um ajudante ou até mesmo admitir um meeiro, se verifica uma enorme dificuldade em encontrar pessoas disponíveis para o trabalho no campo. Ele explica que muitas pessoas que vivem no campo têm buscado outro tipo de atividade dentro e fora do município, alegando ser mais rentável e menos desgastante fisicamente. Nelson Ferreira complementa dizendo que mesmo com as mudanças ocorridas na região após a transição agroecológica e as conquistas verificadas com a adoção de projetos socioeconômicos direcionados ao agricultor familiar, a mentalidade do homem nascido no campo ainda é pessimista em relação à melhoria das condições de vida, sendo necessário testemunhar anos de “bons frutos” para apagar a imagem da amarga vida de exclusão e desigualdade no meio rural. Essa pesquisa demonstrou que 40% dos integrantes familiares das famílias estudadas possuem outro oficio. Diante desse quadro, os chefes de família acabam empregando outras pessoas que não pertencem ao núcleo familiar para ajudar nas atividades do campo.

Também verificou-se nesta pesquisa que 50% das propriedades agroecológicas possuem trabalhadores que não pertencem ao núcleo familiar. O mais interessante é que apenas 10% dos que não pertencem às famílias exercem a função de meeiros, enquanto os outros 40% são empregados como trabalhadores assalariados. Alguns chefes de família declaram que dificilmente encontram um agricultor disposto a trabalhar na condição de

meeiro, e mesmo pagando o salário mínimo, essas pessoas preferem outro tipo de trabalho não agrícola que julgam mais rentável e menos desgastante.

Outro ponto interessante destacado pelos agricultores é que mesmo os familiares que trabalham fora de casa, devido à maior procura pelos produtos agroecológicos nos últimos tempos, como é o caso da fábrica de polpa de frutas e das casas de farinha, eles acabam deixando a sua parcela de contribuição nos momentos de folga, finais de semana e até feriados. Na maioria das vezes aqueles integrantes familiares que não tem relação direta com a terra ou produção artesanal, acabam por contribuir com as tarefas domésticas, diminuindo a sobrecarga para as mulheres, que além dos trabalhos domésticos exercem muitas outras funções produtivas.

Algumas mudanças são nítidas na forma de organização de trabalho, principalmente no que concerne ao papel da mulher no campo. Na maioria das vezes as mulheres ficam responsáveis pelas atividades domésticas e pelo entorno da casa (cultivo de plantas ornamentais e medicinais, limpeza do terreno e alimentação das aves). Também é função da mulher a fabricação de doces caseiros, detergentes e outros produtos artesanais, além de participarem do cultivo e colheita quando necessário. Já os homens são responsáveis pelo plantio, pelos tratos culturais e pela e colheita, incluindo a preparação do adubo, a pulverização, a compra dos materiais agrícolas e a comercialização dos produtos, mas que não os eximem dos serviços domésticos quando suas esposas se ocupam em outras atividades. O que de fato aparece como algo novo é a presença da mulher frente às negociações do produto cultivado e a participação nas tomadas de decisões em relação ao destino do lucro mensal familiar.

As mulheres e suas organizações têm participado ativamente da promoção do processo de transição agroecológica, assim como têm buscado derrubar alguns preconceitos e injustiças sociais voltadas às mulheres do campo. A presidente da Associação de Desenvolvimento Econômico, Social e Comunitário (ADESC), a agricultora Donga Maciel, esclarece que a luta por uma sociedade mais justa tem que começar dentro do próprio lar, eliminando todo tipo de agressão, descriminação e submissão da mulher. Ela explica que durante as reuniões na ADESC as mulheres presentes já chamam atenção para a necessidade de valorização do seu trabalho; criticam a hierarquização e fragmentação entre trabalho produtivo e reprodutivo; defendem o compartilhamento das responsabilidades pelo cuidado da casa e da família; e reafirmam o direito de serem reconhecidas como agricultoras e/ou artesãs. Donga complementa dizendo que a Agroecologia lhe ensinou a importância do restabelecimento da unidade familiar e do valor da mulher frente aos movimentos sociais, associações e sindicatos.

Cardoso e Rodrigues (2009), pesquisando o papel das mulheres na construção da Agroecologia no Estado da Paraíba, relataram que a crescente participação feminina na produção agroecológica e na esfera política têm contribuído para o empoderamento das mulheres, que começaram a transpor o espaço doméstico, conquistando maior autonomia e autoestima. Aliás, a elevação da autoestima é uma das principais conquistas destacadas pelas mulheres agricultoras de Lagoa Seca. Admitem que estão mais confiantes para sair do isolamento e ocupar espaços antes destinados apenas aos homens. Muitas agricultoras passaram a assumir cargos estratégicos nas associações e sindicatos, como a presidência e a tesouraria. Tais condições estão contribuindo para a alteração das relações de gênero em algumas famílias, incidindo sobre a distribuição do trabalho doméstico entre os demais membros da família (pai e filhos) e a inclusão das mulheres no planejamento produtivo da propriedade.

Uma discussão que não pode ser negligenciada é a existência ou não de trabalho infantil na região, uma vez que muitos trabalhos acadêmicos atuais relatam a presença de trabalho infantil nas comunidades rurais, devido à ausência de mão de obra suficiente para suprir a demanda de trabalho agrícola em determinadas épocas, mas principalmente pela existência de um processo cultural construído ao longo tempo, no qual a criança precisa auxiliar os pais nas multitarefas da casa e do campo com a justificativa de aprender um oficio e não se tornar um adulto ocioso. A questão é que o trabalho desenvolvido por crianças e adolescentes na agricultura, mesmo que seja respeitado o limite de idade mínima estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro, podem prejudicar seriamente o seu desenvolvimento físico e contribuir para a ocorrência de doenças graves quando chegar a fase adulta, tendo em vista que os trabalhos desenvolvidos no campo, muitas vezes exigem uma jornada de trabalho superior a oito horas diárias, envolvem carregamento de peso e esforços físicos que vão além da capacidade que uma criança ou adolescente possa suportar em razão do seu desenvolvimento ainda não estar completo.

Dentre as famílias estudadas verificou-se que 20% das crianças com idade entre cinco e quatorze anos (intervalo de idade das crianças pertencentes às unidades familiares estudadas) auxiliam nas tarefas domiciliares e do campo, no entanto os responsáveis por essas crianças esclarecem que é apenas uma contribuição insignificante no que tange ao tempo despendido para tais atividades e que de forma alguma prejudica o seu desempenho escolar. Também alegam que as atividades exercidas pelas crianças não exigem muito esforço físico e que não são obrigações impostas por seus pais. Já as famílias que não permitem nenhum tipo de ajuda advinda das crianças, alegam que seus filhos e netos com idade inferior a quatorze

anos só devem brincar e estudar para poder crescer um adulto feliz e saudável. Esses agricultores esclarecem que seus filhos e netos já se ocupam bastante com a escola e com o convívio com as outras crianças da comunidade.

O agricultor Severino Maciel diz que todos os agricultores que freqüentam as reuniões do Pólo Sindical , das associações rurais e das demais instituições comprometidas com a agricultura familiar agroecológica têm pleno conhecimento dos seus direitos e deveres, assim como do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, ele esclarece que dificilmente os agricultores agroecológicos apoiariam atitudes que burlem a lei e agridam os ideais da Agroecologia. Seu Severino ainda afirma que orientar não é levar para o roçado, mas é permitir ao filho uma educação de qualidade, ensinando os reais valores que formam o caráter de um cidadão e principalmente encaminha-los todos os dias a escola, pois é esta a real condição que habilita o jovem, a criança e o adolescente para o exercício dos seus direitos e qualificação futura para o trabalho.