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A produção de nova prova oral: reprodução da informação

Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia

3. A produção de nova prova oral: reprodução da informação

O acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 29/10/2008 refere que “nos termos do artigo 328º nº6 do CPP o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida…”. No entanto, de acordo com a psicologia, será benéfico a produção de nova prova? Não trará implicações na forma como é recordada novamente determinado evento tanto para as testemunhas como para o juiz? O senso comum talvez conduzisse à ideia de que produzir nova prova traria benefícios para a memória do julgador e assim a uma melhor decisão. Mas caso a testemunha trouxesse novos factos ou factos contraditórios, o julgador muito possivelmente ficaria com a perceção de um testemunho falso ou omitido.

É sabido que com o tempo as memórias tendem a tornar-se menos específicas, procurando o cérebro humano estabelecer uma impressão genérica do acontecimento; a aquisição de novas informações provoca interferências no material retido na memória, levando a uma maior dificuldade em evocar as informações mais antigas. É importante perceber que um testemunho não deve ser entendido como algo definitivamente exato e verdadeiro, já que pressupõe aquilo que o indivíduo conseguiu perceber da situação em

que se encontrava presente98. Nas testemunhas estes factos são bastante evidentes e

contribuem muitas vezes para a recuperação alterada de determinados acontecimentos, ou seja, as testemunhas recriam um determinado evento conforme o percecionaram, não porque estejam a mentir mas sim porque a memória humana tende a recriar um acontecimento que faça sentido para o indivíduo, preenchendo assim as lacunas do acontecimento de modo a obter um conjunto lógico possível. A isto denomina-se de falsas memórias. Sempre que o indivíduo tenta recordar um objeto, uma face, um evento, obtém por norma uma nova interpretação, ou seja, uma nova versão reconstruída da original, pois variáveis como o tempo, a idade e as experiências

posteriores, provocam a alteração de determinados detalhes99. Stein (1973, pp. 5)100 de

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Ericksen, L. & Lycurgo, T. “O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O Comportamento de partes e testemunhas”. ANAMATRA, nº38, 2011, pp. 112-141.

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Rainho, J. “Prova testemunhal: prova rainha ou prova mal-dita? Algumas considerações ajurídicas acerca da prova testemunhal”. Comunicação, 8º aniversário do TRC, 2010.

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acordo com a ideia anteriormente mencionada “a capacidade de uma testemunha depende das suas peculiaridades individuais, do rigor dos sentidos e da inteligência, bem como de conseguir conservar inalterável na memória a impressão recebida e ser capaz de comunicar fielmente”. Também fatores como a atribuição errada e a distorção contribuem para as “memórias falsas” e para uma perceção errónea juiz face ao testemunho, imaginando este que a testemunha possa estar a mentir. A atribuição errada é denominada de “julgamento erróneo”, o indivíduo atribui determinadas sensações e experiências do passado ao presente, e quanto mais tempo e experiências tiver ocorrido entre o evento e o seu relato, maior é a evidência da atribuição errada. A distorção é outro exemplo bem-sonante para a constituição de falsas memórias. Este fator vai moldando-se ao longo da vida do indivíduo, ou seja, conhecimentos preexistentes e crenças adaptam-se às opiniões e necessidades do presente, é altamente influenciável no testemunho, na medida em que a perceção sobre determinado acontecimento, objeto ou pessoa vai variando possibilitando a criação de relatos diferentes. Assim sendo, para um relato mais fiável do acontecimento é importante que a testemunha não evoque o evento várias vezes, uma vez que entre o acontecimento e a sua posterior evocação por parte da testemunha, esta ficou sujeita a várias interferências do seu dia-a-dia, “no seu espírito foram entrando pontos de vista novos que pouco a pouco foi admitindo como seus, alterando assim insensivelmente a sua narração primitiva, enriquecendo-a com novos detalhes. Chegada a ocasião de depor, novas influências se vão exercer e contribuir

ainda mais para uma maior deformação101”.

Bartlett (1932)102 foi um dos primeiros teóricos a explicar o que está na origem

das distorções da memória. Ele explica-as através de três acontecimentos, o efeito de esquema, as ilusões da memória e a confusão de acontecimentos, sendo o mais importante para o trabalho os acontecimentos imaginados. Este tipo de distorção assume características reais, ou seja, quanto mais o indivíduo acredita que esteve num

100Autor cit inSchacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.

101

Pessoa (1913, pp. 55 a 57) cit in Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011.

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determinado acontecimento, mas real parece o seu envolvimento103. Os acontecimentos

imaginados revelam-se bastante prejudiciais para a descoberta da verdade material e caso a audiência de julgamento seja adiada, mais intensamente esta distorção se manifesta.

E que consequências haverá para o juiz caso haja a produção de nova prova oral? A investigação tem mostrado que após o relato de um acontecimento, as testemunhas ao serem novamente questionadas sobre o mesmo acontecimento, elas podem sofrer o efeito da sugestionabilidade. A sugestionabilidade pode ser provocada pelo juiz e manifesta-se nas testemunhas. O juiz pode induzir em erro as testemunhas, isto é, pode transformar sugestões em falsas recordações com a colocação de perguntas capciosas. A sugestionabilidade envolve operações complexas entre o ambiente atual, o que se espera recordar e o que ficou retido na memória, o que pode traduzir o seguinte: se o juiz espera recordar determinado evento por já ter havido uma audiência de julgamento anterior, o provável é utilizar a sugestionabilidade como meio de induzir a testemunhas a relatar o que o juiz pretende ouvir, colocando em causa a preservação do traço mnésico das testemunhas.

Assim sendo, do ponto de vista da psicologia, a preclusão da prova e a posterior produção de nova prova em sede de julgamento, traz algumas consequências essencialmente para as testemunhas. É normal que a testemunha deforme o seu relato devido às inúmeras distorções que a memória humana pode apresentar, no entanto é pior que o seu relato seja distorcido pelo juiz quando este lhe coloca perguntas capciosas

capazes de manipular o seu discurso 104. Neste caso, é manifesta uma influência entre

testemunha/ juiz e juiz/ testemunha. Para além destas causas que advêm pela produção de nova prova, o direito apela à realização da justiça, tutela de bens jurídicos, estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos em tempo útil, e que na opinião de

Carmona da Mota (2008)105 a preclusão da prova num prazo superior a trinta dias não

salvaguarda convenientemente estes interesses. É possível encontrar aqui uma ligação

103

Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de realização de duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.

104

Ericksen, L. & Lycurgo, T. “O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O Comportamento de partes e testemunhas”. ANAMATRA, nº38, 2011, pp. 112-141.

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com a psicologia, na medida em que as testemunhas muita das vezes pretendem não recordar determinados eventos, pois sendo de índole traumático não assegura a paz jurídica da mesma. Também o facto de o juiz estar imbuído por memórias de um julgamento anterior, pode comprometer a realização da justiça de forma eficaz. Apesar de o juiz ser um sujeito imparcial, este pode ser afetado como fatores como a sugestionabilidade.

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