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O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova?

Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia

2. O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova?

O acórdão em análise faz menção do espaço temporal entre o julgamento e a sentença como causa determinante para a preclusão da prova, estabelecendo um prazo de trinta dias como limite inultrapassável. Este limite é sugerido porque se adequa a uma viva perceção sobre as provas de cariz oral produzidas em sede de julgamento, socorrendo-se o julgador da informação presente na sua memória de trabalho para fundamentar a sua convicção. Como pode ser lido no acórdão “o legislador ao fixar o prazo de trinta dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na contribuição da ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as perceções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova” e “…o juiz faria recurso da informação que possuía na sua memória de trabalho para fundamentar a sua convicção” (acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29/10/2008). Mas será o tempo um fator determinante para o declínio mnésico da informação? E será o tempo o fator mais importante e com um espaço temporal pré- definido para o declínio mnésico das informações codificadas? Peterson & Peterson

(1959)95 realizaram um estudo em jovens universitários e verificaram que estes eram

incapazes de recordar em média mais de 20% de siglas consoantes após terem decorrido dezoito segundos. Este estudo e outros similares permitiram concluir que a duração na memória a curto prazo situava-se entre dez a vinte segundos, sem que haja repetição da informação. Se a repetição tiver lugar, a informação prolonga-se por bastante mais

tempo. Este estudo mostra, tal como os estudos anteriores de Ebbinghaus96, que a maior

parte das informações codificadas perdem-se após breves segundos depois da sua codificação, tornando-se mais gerais e menos robustas na memória. As informações codificadas serão mais facilmente evocadas e transferidas para e memória a longo prazo, caso tenha havido repetição da informação, caso carreguem consigo um significado emocional, entre outros fatores. O importante a saber é que não há um limite estabelecido para a manutenção das informações na memória, o que contraria a ideia dos trintas dias como limite inultrapassável para manter viva as perceções de determinado evento, de acordo com o acórdão em análise.

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Autores cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001. 96

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Destes estudos advém a teoria do desuso. Esta teoria postula que o traço mnésico perde-se gradualmente ao longo do tempo por falta de uso da informação e teve como base as investigações remotas de Ebbinghaus. Ebbinghaus, com a elaboração da curva do esquecimento, verificou que a maior parte do esquecimento situava-se nos primeiros momentos logo após a codificação da informação. É possível concluir que o tempo de facto influencia no declínio do traço mnésico, realçando o frequente adágio “com o tempo acaba-se por esquecer”, mas o limite de trinta dias estabelecido pelo legislador como inultrapassável para a permanência viva das perceções pessoais do julgador sobre as provas orais, é parcamente fundamentada, uma vez que de acordo com a teoria do desuso, no sistema de memória a curto prazo (atualmente denominado como sistema de memória de trabalho) as informações permanecem por um curto período de tempo. A fundamentação atribuída pelo legislador à ciência, não parece encontrar qualquer base científica. Contudo, a teoria do desuso ainda não conseguiu obter confirmação ou rejeição experimental, pois há indícios de que a passagem do tempo por si só, não serve como preditor do esquecimento, existem outras fontes, tais como a interferência retroativa e/ou proativa, que podem influenciar a recuperação ou recordação do traço mnésico.

A teoria da interferência revela exatamente isso, as informações mais antigas serão evocadas com maior dificuldade que as informações mais recentes, isto porque há a ocorrência de mais aprendizagens entre o momento atual e eventos antigos do que entre eventos atuais e os recentemente codificados, ou seja, a ocorrência de

interferências. Keppel & Underwood (1962)97 colocaram em prática esta teoria numa

das suas investigações e concluíram que o grau de evocação da informação retida na memória a curto prazo diminuía à medida que aumentava a interferência proactiva, ou seja, quantas mais experiências e por conseguinte mais informações retidas na memória, maior será a interferência provocada no traço mnésico, possibilitando o esquecimento de informações mais antigas. No que concerne à interferência retroativa, esta também pode ser aplicada à memória do julgador. Imagine-se que o julgador tem mais do que um julgamento por dia e que esses julgamentos são similares entre si, de acordo com a teoria da interferência aplicada sob a forma retroativa, quanto maior for o grau de similaridade em termos de significado entre uma experiência intermédia e uma

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experiência posterior, maior será a interferência retroativa (aprendizagem entre dois eventos com distanciamento temporal). As experiências relativas à teoria da interferência sugerem que a interferência representa um papel mais importante que o fator temporal no esquecimento no sistema de memória a curto prazo. Assim sendo, a justificação dada pelo acórdão relativamente à preclusão da prova seria descartada à luz desta teoria.

O importante a reter é que o tempo por si só não é um fator determinante para o desvanecimento do traço mnésico, a interferência proactiva e/ou retroativa são também importantes, podendo concluir que a interferência será maior quanto maior tempo influenciar um item armazenado na memória.

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