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As teorias do esquecimento: um problema da memória humana

A psicologia cognitiva nos seus primórdios deu pouca atenção aos estudos sobre o esquecimento, pois procurava sobretudo entender o funcionamento cognitivo humano através da comparação da cognição com o funcionamento dos computadores, o que é fortemente reprovável. Atualmente é sabido que a memória humana e a memória de um computador não podem ser comparadas, uma vez que a memória humana é sujeita a fatores internos e externos, tais como as emoções. A memória humana apresenta elevados índices na sua capacidade de retenção, no entanto o esquecimento é a prova diária que a memória é falível. O esquecimento não significa que o sistema de memória é imperfeito, muito pelo contrário, é um mecanismo que possibilita a libertação de

informações irrelevantes e triviais71.

Durante muitos anos acreditava-se que as informações ficavam retidas na memória e que se perdiam com o passar do tempo. Esta premissa serviu de base para a investigação sistemática de Ebbinghaus no final do século XIX. Esta investigação conduziu à elaboração da curva do esquecimento, mostrando que a maior parte do esquecimento verificava-se nos primeiros momentos após a codificação da informação. O esquecimento mostra-se mais acentuado em intervalos de retenção entre os dezanove minutos e as vinte e quatro horas, posteriormente a informação retida torna-se mais geral e menos atenta aos pormenores de determinado evento presenciado. Embora a teoria de Ebbinghaus fosse bastante inovadora para a época, uma vez que teve um enorme impacto para as futuras investigações, observou-se que o passar do tempo não afetava por igual a informação armazenada, chegando-se à conclusão que o tempo por si

só não era um preditor do esquecimento72.

Neste ponto do trabalho serão descritas três teorias sobre a natureza do esquecimento: a teoria do desuso ou declínio do traço; a teoria da interferência; e a teoria da incongruência contextual. Os investigadores têm procurado responder a

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Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.

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questões sobre a causa do esquecimento, se se deve ao fator ou às interferências entre os

eventos, por exemplo, autores como McGeoch (1932), Waugh & Norman (1965)73.

A teoria do desuso ou declínio do traço encontra as suas raízes nas investigações de Ebbinghaus. Esta teoria afirma que o esquecimento depende da falta de uso da informação durante o período de permanência na memória, traduzindo a ideia que as informações estão mais robustas na memória quanto mais recentemente tiverem sido

processadas ou tiver havido uma repetição sucessiva da informação codificada74.O

momento entre a codificação e a posterior recuperação é determinante no desempenho da memória, ou seja, o tempo é um preditor para a maior ou menor capacidade de

recuperação das informações armazenadas75, existindo inúmeras investigações que

suportam esta teoria (por exemplo Cowan et al., 1992; Cowan, Nugent, Elliott & Geer,

2000)76. Contudo, Nairne (2002)77 mostrou evidências contrárias à teoria do desuso,

conseguindo mostrar que por vezes o desempenho da memória é maior quanto mais tempo tiver ocorrido entre o evento e a evocação. É uma teoria que não encontra consenso entre os teóricos, pois teorias como a da interferência e da incongruência contextual, vieram colocar em causa o fator tempo como fator único e determinante no esquecimento.

A teoria da interferência é a teoria dominante da atualidade sobre a explicação do esquecimento. Esta teoria assume que a capacidade para recordar determinada informação pode ser interrompida pelo que se aprende anteriormente ou posteriormente, atuando sob a forma proativa e retroativa respetivamente. De acordo com esta teoria as informações mais antigas serão evocadas com maior dificuldade que as informações mais recentes, isto porque há a ocorrência de mais aprendizagens entre o momento atual

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Autores cit in Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559. 74Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.

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Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.

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Autores cit in Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.

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Nairne (2002) cit in Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.

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e eventos antigos do que entre eventos atuais e os recentemente codificados78. McGeoch

(1932)79 propôs que o esquecimento era provocado pela interferência de atividades

ocorridas entre a aprendizagem e a recordação (interferência retroativa). MacGeoch &

Macdonald (1931)80 numa das suas investigações sobre a interferência retroativa

verificaram que: quanto maior for o grau de similaridade entre um evento e aprendizagens posteriores, a interferência retroativa manifestava-se com maior

intensidade. Underwood & Postman (1960)81 chegaram a conclusões semelhantes. Estes

autores mostraram que a interferência retroativa é elevada quando duas respostas diferentes são associadas ao mesmo estímulo; e é mínima quanto estão presentes dois estímulos diferentes. A interferência proactiva refere-se à dificuldade que as pessoas têm de aprender novos itens, porque os itens previamente aprendidos interferem na nova aprendizagem, ou seja, a evocação de uma lista de palavras é fortemente afetada pela

aprendizagem prévia de outra lista semelhante. Greenberg & Underwood (1950)82,

precursores da teoria da interferência proactiva, aferiram que este tipo de interferência aumenta com o número de listas aprendidas previamente, ocorrendo principalmente com intervalos de retenção mais longos. Embora a teoria da interferência seja um bom

modelo explicativo do esquecimento, Tulving (1967)83 refutou esta teoria numa das

suas investigações. Os seus resultados foram determinantes para postular a teoria da incongruência contextual.

A teoria da incongruência contextual relaciona-se com o facto de a informação estar disponível na memória, mas o seu acesso estar temporariamente restrito, por força

da ausência de indicadores ou pistas adequadas. Tulving (1983)84 refere que para um

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Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.

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McGeoch (1932) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.

80 MacGeoch & Macdonald (1931) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus

fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155. 81

Underwood & Postman (1960) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.

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Greenberg & Underwood cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1,2003, pp. 129-155.

83 Tulving cit in Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.

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melhor acesso à informação armazenada é necessário que haja pistas ou indicadores que promovam a recuperação e podem ser elementos de significado das palavras, elementos ambientais ou ainda elementos orgânicos e emocionais. Esta teoria ganhou relevo em estudos clássicos da memória, onde mostravam que o contexto ambiental era importante para recuperar a informação, uma vez que ajudava na fase de recordação, porque a informação relativa às características ambientais havia sido codificada juntamente com

a informação a recordar85. Este pressuposto foi determinante para o princípio da

codificação específica de Tulving & Thomsom (1973)86, afirmavam que qualquer pista

ou indicador (interna ou externa), associado a um item na fase de codificação facilitaria a sua recuperação na fase de recuperação. O princípio é regido por três postulados:

1. “O modo como os itens são percebidos afeta o modo como são

retidos ou armazenados”;

2. “Os indicadores selecionados na altura da codificação determinam

o tipo de indicadores que facilitarão o acesso à informação retido”;

3. “Quanto maior for a concordância entre os indicadores usados na

fase de codificação e na fase de recuperação, melhores serão os resultados obtidos”.

Godden & Baddeley (1975)87 levaram a cabo a principal investigação

justificativa desta teoria. O estudo debruçou-se sobre mergulhadores, onde demonstraram que estes recordavam melhor as palavras aprendidas debaixo de água se fossem submetidos ao mesmo contexto ambiental.

Assim sendo, o esquecimento é a incapacidade de reter, recordar ou reconhecer uma informação. De acordo com as teorias analisadas, o esquecimento deve-se a múltiplos fatores que ainda estão em debate pelos teóricos. O melhor é associar o esquecimento à falta de pistas adequadas, ao tempo e às interferências. Todo este

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Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.

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Autores cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.

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Autores cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.

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conjunto é preditor de um baixo acesso à informação retida na memória. Segundo

Izquierdo88 “Talvez o esquecimento seja o aspeto mais predominante na memória; mas

conservamos e usamos suficientes memórias ou fragmentos de memória para ter um desempenho ativo, funcional e relativamente satisfatório como pessoas”.

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Izquierdo (pp. 17, 2007) cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.

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