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Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP

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Escola de Direito

Vânia Andrea Oliveira Gomes

janeiro de 2016

Atuação da Psicologia no Direito:

reflexões sobre o artigo 328º do CPP

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Vânia Andrea Oliveira Gomes

janeiro de 2016

Atuação da Psicologia no Direito:

reflexões sobre o artigo 328º do CPP

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Dra. Maria Clara da Cunha

Calheiros de Carvalho

e do

Prof. Dr. Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque

Dissertação de Mestrado

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III

Agradecimentos

Aos meus pais, que me incentivaram sempre a estudar e alcançar todos os meus sonhos e que sem eles a minha carreira académica não seria possível.

Ao meu irmão, que esteve sempre presente e me apoiou na conclusão desta dissertação. Às minhas amigas Cláudia e Joana que sempre me questionaram sobre o desenvolvimento da minha dissertação, o que me motivou a avançar com este trabalho. Ao meu namorado Flávio, que nos momentos de maior tensão, sempre teve uma palavra mais acertada.

E essencialmente, à minha orientadora, Professora Doutora Clara Calheiros, que com a sua pacificidade e capacidade de expressão, me ajudou a compreender o Direito com a maior objetividade. E ao meu orientador, Professor Doutor Pedro Albuquerque, que incansavelmente me apoiou na parte inerente à Psicologia e que prontamente me ajudou a elaborar um trabalho cada vez melhor.

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IV

Mestrado em Direito Judiciário

“Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP” Autor: Vânia Andrea Oliveira Gomes

Orientadora: Professora Doutora Maria Clara Calheiros

Co-Orientador: Professor Doutor Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque

Resumo

A relevância dada ao artigo 328º nº6 do CPP surge por força da necessidade do STJ, de 29 de outubro de 2008, em fixar jurisprudência por divergência entre acórdãos. A interpretação dada a este artigo prevê que caso a audiência de julgamento não possa ser retomada no prazo de trinta dias perde a eficácia da prova já produzida oralmente, com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência da documentação a que alude o artigo 363º do mesmo diploma. Os meios adequados à gravação da audiência de julgamento entraram em vigor pelo Decreto-Lei nº39/95, de 15 de fevereiro. Este decreto implicava que os Tribunais dispusessem dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. No entanto, só em 2007 pela lei nº48/2007, de 29 de agosto, é que se dá o culminar do processo encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação das declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de nulidade. No entanto, o CPP continuava a prever a preclusão da mesma caso o adiamento da audiência ultrapassasse os trintas dias.

O princípio da imediação chamado à colação no acórdão surge como meio justificativo para não permitir que a audiência exceda os 30 dias sem que a prova precluda, pois 30 dias, de acordo com o acórdão, são o limite máximo para manter viva as perceções retiradas do julgamento inerentes ao julgador. A psicologia veio mostrar-nos que a memória humana está sujeita a inúmeros fatores que prejudicam a capacidade de recordar e que atuam desde a codificação da informação.

Palavras-chave: Artigo 328º, memória, preclusão da prova, meios tecnológicos,

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V

“Intervention of Psychology in Law: reflexions on article 328º CPP”

Abstract

The need of the STJ (29 October 2008) to fix jurisprudence caused by a divergence amongst court rulings, translates in the importance given to article 328 nº 6 of the CPP. The interpretation given to that article provides that if the trial hearing can't be resumed within thirty days it loses the effectiveness of evidence already produced orally. This loss occurs regardless of the existence of the documentation referred in the

article 363 of the same legal diploma. The appropriate means to the recording of the

trial hearing entered into force by Decree-Law no.39/95, of 15 February. This decree meant that the courts had the technical means of recording a cassette in order to ensure the full reproduction of the declarations made orally in audience. However, only in 2007 by Law No48/2007 of 29 August, we see real progress of the process started in the mid-1990s. Now it is enforced that the documentation of oral statements provided in audience is always mandatory, under penalty of nullity. Nevertheless, the CPP continued predicting the preclusion of it if the hearing postponement exceeds thirty days.

The principle of immediacy called upon the court ruling implies the disallowance of the audience to exceed the thirty days without the proof losing all its value. According to the judgement, thirty days are the maximum limit to keep alive the perceptions withdrawn from the trial inherent to the magistrate.. Psychology has shown us that human memory is influenced by unlimited facts that cause prejudice to the ability of recalling past events.

Keywords: Article 328, memory, proof preclusion, technology resources,

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VI

Índice

Agradecimentos Resumo

Abstract

Índice de ilustrações VIII

Lista de siglas e abreviaturas IX

Introdução 10

CAPÍTULO I Parte I – A memória humana: da perceção à recordação 1. O conceito de memória humana 12

1.1.O processo de memorização 17

2. O modelo de memória humana 19

3. A falibilidade da memória humana: as sete transgressões 25

4. As teorias do esquecimento: um problema da memória humana 32

Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia 1. O juiz e a sua livre apreciação: a influência da memória 37

2. O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova? 41

3. A produção de nova prova oral: reprodução da informação 44

4. A preclusão da prova versus visualização da audiência de julgamento 48

CAPÍTULO II Parte I – Reflexão ao artigo 328º do CPP: o princípio da imediação 1. Reflexão ao artigo 328º do CPP: o adiamento da audiência de julgamento e consequente preclusão da prova 53

2. O processo evolutivo do artigo 328º do CPP em estreita ligação ao artigo 363º do CPP 64 3. A emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico

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VII

português 72

3.1.O juiz e a imediação: uma aliança histórica 79

i) As regras de experiência 80

3.2.A oralidade em consonância com a imediação 83

4. As limitações ao princípio da imediação: o aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento 87

4.1.As exceções ao princípio da imediação/ norma do artigo 355º do CPP 88

i) O princípio do contraditório 90

ii) A Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro: o aproveitamento das declarações do arguido prestadas numa fase anterior ao julgamento 94

5. O princípio da concentração e da celeridade processual: uma (des)aproximação ao princípio da imediação 97

6. Uma última e breve consideração: a atualização ao artigo 328º do CPP 103

Conclusão 106

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VIII

Índice de ilustrações

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IX

Lista de Siglas e Abreviaturas

Anamatra – Associação de Magistrados da Justiça de Trabalho CC – Código Civil

CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem CEJ – Centro de Estudos Judiciários

CPP – Código de Processo Penal

CRP – Constituição da República Portuguesa D.L. – Decreto de Lei

MP – Ministério Público OA – Ordem de Advogados Proc. – Processo

RP – Relação do Porto

STPO – Código de Processo Penal alemão TC – Tribunal Constitucional

TRC – Tribunal da Relação de Coimbra TRP – Tribunal da Relação do Porto STJ – Supremo Tribunal de Justiça Vol. – Volume

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Introdução

A contribuição da Psicologia no Direito não é recente, a primeira aproximação surge no final do século XIX através da Psicologia do Testemunho. Freud também desenvolveu alguns estudos sobre o processo mental de formação da decisão nos juízes. O processo de memorização tem merecido especial atenção tanto para a Psicologia assim como para o Direito, desde que os estudos sobre a memória têm mostrado que existem inúmeros fatores, tais como a distorção, a persistência, a sugestionabilidade, entre outros, capazes de alterar a informação retida.

A escolha deste tema surgiu após a análise do acórdão do STJ, de 29 de outubro de 2008, que aborda a temática da preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os trinta dias, de acordo com a norma do artigo 328º nº6 do CPP. Este acórdão fixou jurisprudência no sentido da preclusão da prova, com sujeição ao princípio da imediação. Assim que li este acórdão no que se refere à justificação dada para a preclusão da prova com base em contribuições da psicologia e por já ter abordado o tema da memória no meu projeto de graduação, deparei-me com algumas incongruências entre aquilo que o Direito dizia ser e aquilo que a Psicologia tinha mostrado com os seus estudos, tais como, o limite de trinta dias como um limite inultrapassável para manter viva as perceções retiradas de um evento (como por exemplo, num julgamento).

Também, e após uma breve análise sobre o princípio da imediação, achei que este princípio, apesar de fundamental ao processo penal e ser um dos princípios mais apreciados assim que que se passou de um processo do tipo inquisitório para um processo do tipo acusatório (mitigado por um princípio da investigação), mostrava-se nos meandros do processo penal um pouco defraudado, logo, não deveria ser tomado tão em conta como justificativo para a preclusão da prova. E, uma vez que, após a alteração ao CPP em 2007, as declarações orais prestadas em sede de julgamento têm de ser obrigatoriamente gravadas pelos meios técnicos idóneos, sob pena de nulidade, não há qualquer preocupação em que as informações se percam na “memória do julgador” e não permitam uma correta deliberação por parte do julgador do caso, assim o princípio da imediação não fica claudicado. O princípio da imediação sugere a ideia de uma aproximação comunicante entre o tribunal e os sujeitos processuais, para efeito de

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formação da convicção do tribunal através da apreensão pessoal do julgador, ou seja, tem de haver uma imediatividade entre o julgador e os meios de prova trazidos a tribunal. A este princípio ligam-se princípios como o da oralidade, o do contraditório, o da concentração, o da celeridade, e entre outros.

Assim sendo, decidi estabelecer um elo interdisciplinar entre a Psicologia e o Direito, mostrando que há uma necessidade de chamar à colação determinadas ciências, para dar um melhor fundamento a determinadas conceções doutrinárias. Daí que a escolha do tema tenha sido a atuação da psicologia no direito, com particular reflexão sobre artigo 328º do CPP.

Este trabalho começa por abordar no seu capítulo I o tema da memória, mostrando os estudos sobre o processo de memorização, o porquê da memória humana ser falível e quais as teorias do esquecimento que melhor justificam o desvanecimento das informações codificadas. Numa fase seguinte, segue-se, ainda na área da Psicologia, uma vertente mais reflexiva, dando a conhecer como é que a memória influência o juiz no momento em que faz atuar o princípio da livre apreciação da prova, assim como mostra que os trinta dias não se encaixam como um limite inultrapassável para manter as informações codificadas, e se visualizar/ ouvir a gravação da audiência de julgamento é mais benéfico para o julgador do que a preclusão da prova. No capítulo II, referente ao Direito, inicia por uma reflexão ao artigo 328º do CPP, traz-nos também o processo evolutivo do artigo anterior com ligação ao artigo 363º do CPP. Fala-nos da importância e da emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico português, e ainda quais as limitações a este princípio, tais como, o aproveitamento das declarações do arguido prestadas numa fase anterior ao julgamento, para deliberação por parte do julgador. Por fim, e no mesmo capítulo, e porque o artigo 328º do CPP sofreu uma alteração em 2015 no seu nº6, é feita uma breve consideração sobre esta atualização normativa.

Posto isto, é importante perceber que cada vez mais há uma necessidade patente de haver uma interação entre as várias ciências, e que todas estas ciências possam contribuir de forma significativa para uma melhor e correta aplicação da justiça. Afinal, o conhecimento bem fundamentado foi sempre visto como uma arma evolutiva.

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CAPÍTULO I

Parte I – A memória humana: da perceção à recordação

1. O conceito de memória humana

A memória humana1 é uma função cerebral importante, já que o fundamental

para qualquer ser humano é a sua capacidade para armazenar experiências futuras e

poder beneficiar delas numa atuação futura2. Ellis e Hunt (1995) defendem que a

memória humana é de facto o coração do funcionamento intelectual humano3,

justificando-se a partir de uma visão de um ser humano sem memória, o que não permitiria planear ações futuras, ter qualquer tipo de relação com o meio externo,

construir a personalidade e desempenhar determinados comportamentos4. Para Ferreira

e Amaral (2004)5 falar de memória é falar de uma certa estrutura de arquivamento que

permite ao Homem experiências socialmente significativas do passado, integrá-las no presente e percecionar o futuro. Na neuropsicologia a memória humana é tida como uma função cerebral complexa, situada nas estruturas corticais do cérebro, ligando-se a outras áreas de cognição, tais como, a atenção, o raciocínio, a perceção, a aprendizagem, a consciência ou as emoções, e integra-se numa extensa rede neuronal dependendo da integridade de todo o sistema.

Atualmente6, os investigadores da memória humana7 defendem que a mesma

não é uma entidade única com subdivisões especificas e que trabalha na maior parte do

1

Para entender a memória humana é fundamental saber quais os processos que envolvem a aquisição, o armazenamento e a evocação.

2

Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4,1999, pp. 705-723. 3

Estes autores defendem que a memória humana não é apenas um armazenador estanque do passado, mas torna-se base importante para toda a nossa vida mental.

4Nunes, B. “Memória: funcionamento, perturbações e treino”. Lisboa, Lidel, 2008.

5Ferreira, J & Amaral, A. “Memória eletrónica e desterritorialização”. Política & Sociedade, vol. 4, pp.137-166 6

Posner (1980) relata o interesse pela memória desde os gregos com Diogénese e Apodônia. Neste tempo relacionaram a memória ao ar, uma vez que notaram que o Homem respirava com maior facilidade após recordar um facto esquecido, cit in Neufeld, C. &

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- 13 -

tempo em série, mas que existem diversos sistemas de memória e que estes podem operar em paralelo.

Nos anos 60 o que se encontrava em discussão entre os investigadores dedicados à memória era a distinção entre a memória a curto prazo e a memória a longo prazo, pois era uma preocupação dos estudiosos distinguir o que era provisório e o que era

permanente no funcionamento da memória8 tendo sido desenvolvidos vários modelos

que pretendiam descrever a arquitetura básica dos sistemas da memória. Nesta mesma década foi proposto por vários autores a distinção de vários componentes da memória a longo prazo, no entanto neste trabalho será usada a classificação de memória a longo prazo de Squire (1992).

A classificação de Squire (1992) promove uma grande distinção entre memória explícita ou declarativa e memória implícita ou não declarativa. A memória explícita refere-se à memória que o sujeito pode relatar verbalmente e processa-se de forma consciente. Nas provas de memória explícita é exigida a recuperação voluntária de um evento previamente armazenado, ou seja, a recuperação é intencional e o sujeito é

consciente do evento9. A memória implícita traduz-se no conhecimento de como se

desempenha determinada ação, como por exemplo, andar de bicicleta10. Nas provas de

memória implícita a evocação das informações é feita por meio de desempenho11 em

vez de reconhecimento consciente. Em 1972, o psicólogo canadiense Endel Tulving12

propôs uma divisão na memória explícita, a memória semântica e a memória episódica, a partir dos avanços feitos nos anos 60 na ciência informática. A memória episódica retém informações num contexto espacial e temporal de determinado evento que marca

Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-63.

7 Autores como Baddeley, Albuquerque, Schacter.

8

Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9,2006, pp. 111 a 119.

9Autor cit inBallesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.

10

Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.

11

Nas provas implícitas, a memória é avaliada através dos efeitos no desempenho de tarefas específicas, como a aprendizagem repetida, a ativação repetida e a completação de palavras, entre outras. Vide Pinto, A. “Memória, cognição e educação: Implicações mútuas”. Educação, cognição e desenvolvimento: Textos de psicologia educacional para formação de professores, 2001, pp. 17-54. 12Tulving, E. “Episodic and semantic memory”. Organization of memory, London, vol. 381, 1972, pp. 381-402.

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o passado do sujeito, ou seja, surge a partir de acontecimentos de vida previamente experienciados. A memória semântica relaciona-se com o conhecimento sobre o mundo, estendendo-se entre o simples conhecimento do significado das palavras até aos atributos sensoriais e conhecimentos gerais, como por exemplo, o funcionamento de uma dada sociedade. Na memória implícita não há uma divisão clara, mas é possível distinguir-se quatro componentes:

 A memória procedimental;

 A pré-ativação ou efeito de priming;

 O condicionamento clássico simples;

 A aprendizagem não associativa.

A memória procedimental relaciona-se com a aprendizagem de competências cognitivas e motoras nas mais diversas situações do quotidiano. A pré-ativação ou priming é um efeito no qual a exposição prévia a um determinado estímulo influencia a resposta quando o mesmo estímulo é apresentado posteriormente, ou seja, a apresentação de um item influencia o processamento de um item subsequente. O

condicionamento clássico simples, descrito inicialmente por Ivan Pavlov13, refere-se a

um tipo de aprendizagem no qual um estímulo neutro é apresentado juntamente com um estímulo que provoca uma resposta, por outras palavras, implica a associação entre dois estímulos em que o estímulo neutro adquire propriedades de um estímulo significativo. Por fim, a aprendizagem não associativa ocorre quando um sujeito é submetido a um

estímulo reiteradamente, e de acordo com Cardoner e Urretavizcaya em 200614,

traduz-se em fenómenos de habituação e traduz-sensibilização. A habituação surge como uma diminuição na resposta quando há um estímulo familiar e previamente reconhecido. A sensibilização traduz-se na apresentação de um estímulo ameaçador em que a resposta dada a este estímulo é mais intensa e prudente.

O modelo modal ou também designado de modelo dos três sistemas de

armazenamento de informações de Atkinson e Shiffrin (1968)15 refletia a ideia da

13

Ivan Pavlov foi um fisiólogo russo, ficou conhecido pelas suas descobertas no processo digestivo dos animais. O que mais tarde originou a teoria do condicionamento clássico na psicologia do comportamento.

14

Autor cit in Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.

15

Autores cit in Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp. 111-119.

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- 15 -

memória humana ser uma entidade única com processamento serial, isto porque, e de forma sucinta uma vez que irá ser explanada a teoria no ponto seguinte deste trabalho, presumia que a entrada da informação dava-se a partir do ambiente e processada numa primeira fase pela memória sensorial. Posteriormente, a informação seria transferida temporariamente para a memória a curto prazo antes de ser registada na memória a longo prazo. Embora fosse um modelo com rigor científico, os teóricos criticaram-no por ser excessivamente estático, apontando uma similaridade nas tarefas desempenhadas pelos diferentes tipos de memória o que sugeria processos comuns, logo um sistema de memória unitário e serial.

No entanto, já em 1890 William James16 propôs a possibilidade da memória não

ser um sistema unitário, com a divisão entre uma memória primária e uma memória secundária, levando mais tarde à conceção da memória a curto prazo e da memória a longo prazo respetivamente. Estas memórias eram entendidas como memórias que estariam disponíveis na consciência (memória primária) e como memórias mais

duradouras (memória secundária)17. Mas esta ideia só começou a ganhar força nos finais

dos anos 60 do século XX, quer como resultado da investigação experimental quer

como resultado da investigação neuropsicológica. Glanzer e Cunitz em 196618

corroboraram a ideia de uma memória não unitária através dos seus trabalhos experimentais. Estes trabalhos realizados sobre tarefas de recordação livre de uma lista, mostraram que as palavras do início e do fim da lista eram melhor recordadas que as palavras que se encontravam no meio da lista, efeitos conhecidos como o efeito de

recência19 e o efeito de primazia20 respetivamente. No entanto, quando a recordação era

retardada, o efeito de recência tendia a desaparecer e o efeito de primazia apresentava-se

16William James através de uma analogia de Platão “memória seria análoga a uma impressão de cera guardada de modo como o evento havia ocorrido e, se ela se perdesse, era porque não havia sido realmente vivenciado”, traduz a ideia que as impressões mnemónicas não são eliminadas, mesmo que as informações originais não possam ser recordadas pelo sujeito num determinado evento, cit in Neufeld, C. & Stein, L.“A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-63.

17

Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96. 18

Autores cit in Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96.

19

Capacidade para memorizar os últimos itens de uma lista. 20

Hamilton (1986) concluiu que os sujeitos ao realizarem um julgamento sobre a personalidade de um determinado indivíduo, tendem a dar maior importância às primeiras impressões do que as posteriores, a isto designa-se, efeito de primazia. Logo a tendência dos sujeitos e recordaram com maior desempenho as primeiras impressões. Vide in Carvalho, M. “Formação de impressões, falsas memória e efeito de primazia”. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia, Lisboa, 2012.

(17)

- 16 -

quase inalterado. De acordo com estes resultados, os investigadores sugeriram que as palavras relembradas sob o efeito de recência seriam recuperadas da memória a curto prazo e as palavras relembradas sob o efeito de primazia seriam recuperadas da

memória a longo prazo21. A interpretação desta posição bi-modal refletia o desempenho

de dois sistemas distintos22. As investigações de Shallice e Warrington23 (1970) em

doentes em diversas tarefas de memória de curto prazo e memória de longo prazo evidenciaram que o mesmo doente apresentava uma redução na capacidade da memória a curto prazo e uma perfomance normal para a memória a longo prazo, refletindo a ideia de diferentes memórias com desempenhos diferentes.

Tendo em conta certas questões deixadas em aberto pelo modelo de Atkinson e Shiffrin (1968) e as investigações que se realizaram a doentes que padeciam de problemas da memória, Baddeley e Hitch em 1974 criam um modelo que coloca em causa a visão de uma memória unitária com processamento serial, o modelo da memória de trabalho, fundamentando-se na suposição de que existe um sistema para a manutenção e manipulação temporárias de informação. Com este modelo, que vai ser amplamente explicado em pontos seguintes do trabalho, concluiu-se que o componente que permite realizar tarefas cognitivas não é o mesmo que permite o armazenamento na

memória a curto prazo 24, o que supõe que há uma diferença nas tarefas desempenhadas

pelos diferentes tipos de memória.

Em suma e de acordo com Alan Baddeley, prestigiado psicólogo inglês e autor do modelo da memória de trabalho “A memória é a capacidade de armazenar e recuperar informação. Sem ela, não poderíamos ver, ouvir, pensar e comunicar, nem

21

Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.

22

Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96.

23Warrington, E. & Shallice, T. “Category specific semantic impairments.” Brain, vol. 107, 1984, pp. 829 a 854. “We report a

quantitative investigation of the visual identification and auditory comprehension deficits of 4 patients who had made a partial recovery from herpes simplex encephalitis. Clinical observations had suggested the selective impairment and selective preservation of certain categories of visual stimuli. In all 4 patients a significant discrepancy between their ability to identify inanimate objects and inability to identify living things and foods was demonstrated. In 2 patients it was possible to compare visual and verbal modalities and the same pattern of dissociation was observed in both. For 1 patient, comprehension of abstract words was significantly superior to comprehension of concrete words. Consistency of responses was recorded within a modality in contrast to a much lesser degree of consistency between modalities. We interpret our findings in terms of category specificity in the organization of meaning systems that are also modality specific semantic systems.”

24

Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp. 111-119.

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- 17 -

sequer teríamos um sentido de identidade pessoal. A memória humana não é uma

entidade simples e unitária, mas antes um conjunto de sistemas em interação25”.

1.1.O processo de memorização

A função primordial da memória é de codificar, registar e recuperar informações

que permitam ao ser humano uma correta adaptação ao meio envolvente26 e para

entender a memória é fulcral saber como se processa o processo de memorização 27.

Este processo envolve as operações de codificação, armazenamento e recuperação, dando-se de forma constante e na maior parte do tempo de modo independente da vontade do sujeito, e não permite destrinçar entre o que permanece e o que não permanece das experiências vividas. Os estados emocionais, ou por outras palavras, a elevada excitação emocional do momento é determinante para o que é memorizado ou não, isto porque, o aumento da atividade excitatória potencia o processo de

memorização, uma vez que provoca um acréscimo da atividade das células nervosas 28.

O processo de memorização envolve três operações e que de acordo com

Sternberg29 em 2000, são três operações comuns da memória. A codificação refere-se à

forma como o sujeito transforma um estímulo sensorial rececionado pelos órgãos sensoriais numa representação mental, que posteriormente é armazenada na memória. Esta primeira operação trata as características físicas dos objetos e das palavras atribuindo-lhes um código, que pode ser semântico, visual ou acústico. O resultado da codificação é em seguida armazenado sob a forma de imagens visuais e acústicas

25

Autor cit in Castro, M & Santos, P. “Entrevista…com Alan Baddeley”. Grupo de estudos e reflexão psicológica, Porto, Jornal de Psicologia, 1984, p.6.

26

Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723. 27

Depois de vários séculos de estudo sobre a memória por diferentes posições filosóficas, o interesse científico iniciou-se nos finais do século XIX na Alemanha com Ebbinghaus. Desde então que os investigadores nesta área se têm voltado para seguir os passos de Ebbingahus e descobrir afinal o que é a memória, quais as regras e princípios que a regem, quais os fatores que produzem a sua deterioração, formas de a melhorar e quais os modelos ou teorias que explicam o seu funcionamento. Vide Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705 a 723.

28Nunes, B. “Memória: funcionamento, perturbações e treino”. Lisboa, Lidel, 2008.

29

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prototípicas, dando-se a construção de uma imagem mental por associação da imagem física a uma imagem prototípica. A informação é melhor armazenada quando ocorre a repetição da informação, ou pela organização da informação ou ainda pelo uso de estratégias mnemónicas. Por fim, a recuperação trata-se da forma como o sujeito acede à informação armazenada. A esta operação é possível destacar dois fenómenos, o processo de interferência e o contexto. O processo de interferência traduz-se na capacidade de o sujeito referenciar e recordar as novas informações que sejam semelhantes às que estão previamente armazenadas. Relativamente ao contexto, fenómeno estudado pelo psicólogo Alan Baddeley em mergulhadores, refere-se à capacidade de o sujeito recordar com maior facilidade quando colocado no mesmo contexto em que a informação foi memorizada.

Por último, para que este processo de memorização tenha um bom desempenho é necessário que o cérebro esteja ativo para o seu trabalho inicial de receção e organização das informações e precisa de áreas específicas da memória e outras específicas de funções como a linguagem, para que se consiga a correta integração e evocação de memórias.

(20)

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2. O modelo de memória humana

A memória humana não é um sistema unitário de processamento, muito pelo contrário, trata-se de um sistema que se decompõe em múltiplos subsistemas mnésicos, ou seja, assume-se como princípio que não existe uma só “memória” com várias subdivisões, mas sim diversos sistemas independentes que podem operar em paralelo. Para suportar esta ideia, a literatura na área da psicologia cognitiva e neuropsicologia, apresenta inúmeros relatos que dão suporte empírico à tese de que a memória humana é

composta de diversos sistemas de memória com interação entre eles30. Observações

feitas a pacientes portadores de lesões cerebrais mostraram pacientes com um funcionamento de memória a curto prazo relativamente normal, no entanto eram incapazes de reter novas informações de forma duradoura. A análise feita a estes pacientes fez supor que a lesão cerebral produzira um défice na capacidade de transferência de informações da memória a curto prazo para a memória a longo prazo. Contudo, noutros pacientes observou-se a dissociação inversa, traduzida numa alteração grave na memória a curto prazo com apresentação da capacidade de retenção de

informações na memória a longo prazo31.

Desta noção emerge o modelo da memória de trabalho32, que afasta a ideia

clássica de uma “memória-armazém” que recebe as informações vindas do exterior e que as conserva, para uma “memória-processo” que realiza múltiplas operações cognitivas, tais como, a aprendizagem, a compreensão, o raciocínio, entre outras. No entanto, antes de explicar o funcionamento da memória de trabalho, é prioritário conhecer um dos principais modelos que permitiram aos investigadores chegarem à conclusão que de facto a memória humana não é um sistema unitário que apenas armazena as informações.

30

Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.

31

Autores como Baddeley e Warrington, 1970; Shallice e Warrington, 1970; Baddeley, 1986 32

Embora haja divergências na literatura, atribui-se o uso inicial do termo memória de trabalho aos estudos de Miller, Galenter e Pibram (1960). Vide in Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.

(21)

- 20 -

Em 1968, Atkinson e Shiffrin33 propõem o modelo de registos múltiplos da

memória ou também designado modelo de três sistemas de armazenamento de informações. É um modelo que oferece uma explicação das estruturas e processos que compõe o sistema mnésico e que se desenvolveu a partir do modelo de Broadbent

(1958)34, o primeiro modelo estrutural do processamento da informação no sistema

cognitivo humano. De acordo com este modelo, existem três sistemas ou estruturas de armazenamento da informação: a memória sensorial, a memória a curto prazo e a memória a longo prazo. Estes armazenadores são capazes de reter informações por períodos de tempo diferentes, terem capacidades diferenciadas e processos de funcionamento próprios.

A memória sensorial é um armazenador de grande capacidade, mas com uma duração muito limitada. As modalidades mais estudadas nesta memória são a visual e a auditiva, conhecidas como a memória icónica e ecoica respetivamente. A primeira tem uma duração aproximada de duzentos e cinquenta milésimos de segundos, e a ecoica de quatro segundos (Eysenck & Kenae, 1994 cit in Neufeld & Stein, 2001). A memória sensorial armazena de forma temporária e desorganizada todos os estímulos que chegam através dos sentidos. Os estímulos e a informação que advém deles são rapidamente analisados e os resultados dessa análise são transferidos para o próximo armazenador, a memória a curto prazo. A memória a curto prazo retém a informação de forma limitada

e temporária, apenas pelo tempo necessário à sua utilização35. Esta memória possui

capacidade de armazenamento limitado, cerca de sete unidades, e a duração da informação na memória a curto prazo situa-se entre dez a vinte segundos, no entanto, caso haja repetição, a informação prolonga-se por bastante mais tempo, de acordo com

estudos de Peterson & Peterson (1959)36.

Relativamente à memória a longo prazo, a capacidade de armazenamento é incalculável, pois, postula-se que esta memória encerre todas as memórias pessoais, os

33

Autores cit in Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559. 34

Autor cit in Lachter, J., Forster, K. & Ruthruff, E. “Forty-five years after Broadbent (1958): still no identification without attention”. Psychological review, vol. 111, nº4, 2004, pp. 880-913.

35 Lourenço, M. “Memória humana e aprendizagem de vocabulário: contributos da memória fonológica de curto prazo e do

conhecimento lexical prévio”. Textos selecionados, XXIII Encontro Nacional da Associação portuguesa de linguística, 2008, pp. 299-313.

36Peterson, L. & Peterson, M. “Short-term retention of individual verbal items”. Journal of Experimental Psychology, vol. 58, nº3, 1959, pp.193-198.

(22)

- 21 -

conhecimentos, as preposições que fundamentam algumas das nossas crenças, isto é, contém nela a aprendizagem e conhecimentos adquiridos ao longo de toda uma vida. A memória a longo prazo organiza todas as informações sob a forma de um repositório para que não se tornem inúteis em termos de uso e recordação. Toda esta organização

ocorre ao longo do processo de memorização37.

Este modelo defende que a informação é processada de forma serial, ou seja, que as informações recebidas pelos órgãos sensoriais são deslocadas numa primeira fase para a memória sensorial; posteriormente são transferidas e processadas na memória a curto prazo, perdendo-se aqui parte da informação, a restante é transferida para a

memória a longo prazo 38. A passagem da informação entre a memória a curto prazo e a

memória a longo prazo, de acordo com os autores deste modelo, depende de quatro

processos controlados 39:

 a repetição da informação;

 a codificação adequada da informação para a memória a longo

prazo;

 a decisão tomada relativamente à importância da informação;

 as estratégias de recuperação ou pistas que auxiliam no momento

da recordação.

Embora o modelo de Atkinson e Shiffrin (1968) fosse revolucionário para a época, pois oferecia uma explicação para o funcionamento das estruturas da memória, foi alvo de críticas, uma vez que transporta consigo uma ideia bastante simplista da memória a curto prazo e da memória a longo prazo como armazéns unitários como já foi referenciado no início deste ponto.

Como tem vindo a ser afirmado, o processamento serial, base para o modelo de Atkinson e Shiffrin (1968), valorizou a existência dos dois sistemas mnésicos (a saber, a memória a curto prazo e a memória a longo prazo). No entanto, a partir de meados dos

37

Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.

38

Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.

39

Neufeld, C. & Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-63.

(23)

- 22 -

anos 70 começou a ser questionado. Baddeley e Hitch (1974) 40 conduziram diversas

experiências sugerindo a existência de diversos componentes com funções independentes mas interligadas dentro da memória a curto prazo. Com o avolumar destas evidências, os investigadores criaram o modelo da memória de trabalho propondo a substituição do sistema da memória a curto prazo por um sistema mais complexo, que para além de manter temporariamente as informações assegura algumas atividades ou processos cognitivos.

A memória de trabalho, também designada de memória operatória, é responsável por manter transitoriamente representações mentais por um curto período de tempo, processá-las, selecioná-las e operá-las ou transformá-las para uma posterior utilização em tarefas cognitivas. A modificação terminológica prende-se à ideia de enfatizar o

papel funcional deste sistema em tarefas cognitivas 41. Na mesma linha de pensamento,

os investigadores Oberauer, Süb, Schulze, Wilhelm & Wittman (2000) descrevem o conjunto de funções cognitivas que a memória de trabalho executa no momento da estruturação e organização da informação, são elas:

 o armazenamento e transformação, ou seja, a capacidade para

manter ativos os conteúdos mentais e assim desenvolver operações cognitivas;

 a supervisão, traduzida na capacidade para monitorizar e controlar

as operações mentais, selecionar os processos apropriados e inibir os desnecessários;

 a coordenação, ou seja, a capacidade de processamento

simultâneo de elementos diferentes, procurando estabelecer um elo entre eles. O modelo da memória de trabalho é composto por três subsistemas de

processamento da informação, que permitem desempenhar as funções cognitivas42. O

principal é o executor central, e os subsidiários são o bloco de notas visuoespacial e o

loop fonológico ou articulatório43. O executor central tem um papel geral ou supervisor

40 Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.

41

Lourenço, M. “Memória humana e aprendizagem de vocabulário: contributos da memória fonológica de curto prazo e do conhecimento lexical prévio”. Textos selecionados, XXIII Encontro Nacional da Associação portuguesa de linguística, 2008, pp. 299-313.

42

Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.

43

(24)

- 23 -

na memória de trabalho. Ele é responsável por manter a regulação do fluxo de informações dentro da memória de trabalho, pelo ajustamento das informações da memória de trabalho com informações de outros sistemas de memória, e processamento e armazenamento de informações na memória de trabalho. A este executor cabe-lhe

ainda coordenar os dois componentes subsidiários de processamento de informação44. À

medida que o executor central amadurece, o bloco de notas visuoespacial e o loop fonológico vão adquirindo maior interdependência, uma vez que o executor media a

comunicação entre eles45.

O loop fonológico, designado por componente de processamento fonológico, armazena e processa as informações codificadas verbalmente (por via auditiva e visual) e tem como função reter as representações fonológicas do estímulo recebido. E por ser fisicamente limitado, as representações fonológicas tendem a deteriorar-se com o tempo, aproximadamente após dois segundos. É constituído por dois subsistemas, o armazenador fonológico a curto prazo que se integra num sistema passivo de armazenamento e processamento das informações verbais, escritas ou faladas; e um mecanismo ativo, designado de reverberação ou repetição articulatória subvocal, que permite integrar na memória de trabalho informações verbais que estejam em declínio mnésico (esquecimento) necessárias a determinada atividade. Este componente assegura assim, o armazenamento transitório do material verbal que através da sua repetição previne o declínio ou esquecimento da informação. O funcionamento do componente visuo-espacial processa-se da mesma forma que o componente fonológico mas sobre conteúdos não verbais, referindo-se aos objetos e às relações espaciais entre eles. Simultaneamente, desempenha um papel fulcral na formação e manipulação de imagens mentais permitindo ao indivíduo localizar-se e atualizar novas informações

visuo-espaciais (Baddeley, 2006)46. Este componente é fisicamente limitado no volume de

informações a processar, de acordo com alguns autores o limite é de quatro objetos

44

Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.

45

Uehara, E. & Fernandez, J. “Um panorama sobre o desenvolvimento da memória de trabalho e seus prejuízos no aprendizado escolar”. Ciências & Cognição, vol. 15, 2010, pp. 31-41.

46

Autor cit in Uehara, E. & Fernandez, J. “Um panorama sobre o desenvolvimento da memória de trabalho e seus prejuízos no aprendizado escolar”. Ciências & Cognição, vol. 15, 2010, pp. 31-41.

(25)

- 24 -

(Luck e Vogel, 1997)47 ou de seis no caso de localizações espaciais (Jiang, Olson &

Chun, 2000)48.

Em 2000, Baddeley procurou encontrar um elo entre a memória de trabalho e a memória a longo prazo. É neste contexto que surgiram os estudos de Erickson e Kinstsh

(1995)49 que mencionavam um novo elemento na memória de trabalho a longo prazo;

introduziu assim um quarto elemento, o retentor episódico. O retentor episódico é um componente de armazenamento temporário e com capacidade limitada (na ordem de seis unidades de informação) e permite a integração de informação que advém da memória a longo prazo, no momento em que a memória de trabalho opera sobre informações semelhante a nível fonológico e visuo-espacial, ativando temporariamente uma nova representação mental mediada pelas informações que se alojam na memória a longo prazo e nos componentes fonológico e visuo-espacial.

Concluindo, a memória de trabalho e a forma como funciona renova a ideia de que a memória humana não é um sistema simples que arquiva somente a informação, muito pelo contrário, traz consigo a conceção de um sistema de arquivo e processamento mais dinâmico aproximando-se de um sistema operativo de atenção que

trabalha os conteúdos da memória (Engle, Kane & Tühoisiki, 1999)50, o que levou a

alguns teóricos a definirem o executor central pelas funções cognitivas da atenção, ou que a memória de trabalho se resume à memória a curto prazo mais o controlo da atenção. A memória de trabalho passa a ser definida como um processo de decisão que administra a ativação da informação nos depósitos de curto prazo e longo prazo, assim

que é introduzido o quarto elemento, o retentor episódico51.

47Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:

Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23. 48

Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.

49Ericsson, K. & Kintsch, W. “Long-term working memory”. Psychol Rev., vol.102, nº2,1995, pp. 211-245.

50

Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.

51

Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp. 111-119.

(26)

- 25 -

3. A falibilidade da memória humana: as sete transgressões

A memória humana não armazena as informações de forma fidedigna como uma fotografia, pois entre a codificação, o armazenamento e a posterior evocação das

informações, o conteúdo pode mudar devido à influência de diversos fatores52. De

acordo com Schacter em 2003 “extraímos elementos fundamentais das nossas experiências e arquivamo-los; então recriamos ou reconstruimos as nossas experiências

em vez de recordar cópias exatas delas”53. Esta recuperação distorcida de experiências a

que se refere Schacter deve-se ao facto de as memórias humanas serem modeláveis de

acordo com as emoções, sentimentos, crenças, conhecimento e associações. Investigações recentes mostram que a memória humana não é só um processo reconstrutivo, como também um processo construtivo, ou seja, o ser humano não é somente capaz de evocar certas informações previamente armazenadas relacionadas com um evento, como também tem a capacidade de acrescentar novas informações ao que recorda, como vai ser discutido de seguida. Todo este processo tanto construtivo como reconstrutivo possibilita, por vezes, a implantação involuntária de memórias falsas.

Em 1999, Schacter sugere que “as falhas da memória humana podem ser classificadas em sete pecados: a transitoriedade, a distração, o bloqueio, a atribuição errada, a sugestionabilidade, a distorção e a persistência. Os primeiros três pecados envolvem diferentes tipos de esquecimento, os três seguintes referem-se a diferentes tipos de distorções, e o último pecado traduz-se em recordações intrusivas difíceis de

esquecer. Estes sete pecados trazem consigo a conceção de que a memória humana é

falível e que o esquecimento e recordação de determinados acontecimentos podem ocorrer de forma intencional e deliberada. O pecado da transitoriedade relaciona-se com o enfraquecimento da memória humana em virtude de dois fatores: o tempo decorrido entre o evento e o momento da recordação e a ocorrência de novas experiências após um determinado evento que queremos recordar. Em 1878,

52

Flores, M. “Prova testemunhal e falsas memórias: entrevista cognitiva como meio (eficaz) para redução de danos (?)”.Revista IOB de direito penal e processual penal, 2010.

53

Schacter cit in Rocha, S. “Memória: uma chave afetiva para o sentido na performance musical numa perspectiva fenomenológica”. Per musi, nº21, 2010, p.21

(27)

- 26 -

Ebbinghaus estudou este fenómeno em meio laboratorial. Através da elaboração da curva de esquecimento, Ebbinghaus postulou que a maior parte das informações recém-adquiridas desvaneciam-se logo após a sua aquisição, e que posteriormente o índice de perda da informação era menor. Ou seja, com o tempo as memórias tendem a tornar-se menos específicas formando uma impressão genérica do acontecimento. Por outro lado, ao adquirirmos novas informações, ocorrem mudanças neuroquímicas complexas nas conexões neuronais entre si e com o passar do tempo, estas conexões tendem a enfraquecer. Caso não haja um reforço dessas conexões através da repetição e/ ou recuperação das informações, a memória acaba por reter apenas o que o cérebro estabelece como essencial.

Ilustração I – Curva do Esquecimento

O pecado da distração é atribuído a uma área de cognição, a atenção. No momento da codificação de qualquer informação, a atenção pode estar dividida entre várias tarefas. Neste sentido pode ocorrer uma redução geral da quantidade de recursos cognitivos que são canalizados para as novas informações a serem assimiladas. As informações que são armazenadas na memória e às quais se atribui relevância, recebem prioridade no processamento e captam a atenção automaticamente. A atenção pode envolver dois tipos de processos: automáticos e voluntários. Os processos automáticos de captação da atenção são rápidos e não requerem o controlo ativo por parte do sujeito, podendo ocorrer em simultâneo com outros processos. O exemplo mais comum deste tipo de processo é o surgimento de um objeto inesperado no campo visual, como uma bola, e mesmo antes de haver uma tomada de decisão consciente de atender ao objeto, o aparecimento inesperado atrai a atenção do sujeito. Neste caso, há apenas uma reação de

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captura da atenção gerada pelo estímulo. Os processos voluntários de direcionamento da atenção requerem a alocação de recursos cognitivos, razão pela qual duas tarefas realizadas em simultâneo resultam num conflito (interferência). Este tipo de processo necessita de um componente consciente para a sua realização e, por norma, é usado para

tarefas mais complexas ou não familiares54. Listz (cit in Altavilla, 1982)55 simulou um

homicídio entre dois alunos com uma arma branca na presença de 60 testemunhas. Quando o autor pediu para relatar o sucedido, apenas 10 conseguiram relatar com exatidão. Esta simulação sugere que quando há a presença de um foco atencional (arma branca) a atenção da testemunha centra-se na arma, colocando em causa a atenção para outras características, tais como, a descrição física do agressor.

O pecado do bloqueio traduz-se na procura incessante de uma determinada informação que é necessária num dado momento, no entanto encontra-se temporariamente inacessível, mesmo que essa informação tenha sido corretamente

codificada56.Este pecado diferencia-se da transitoriedade e da distração, na medida em

que a informação está presente na memória, mas inacessível e ao serem dadas pistas ou associações relacionadas com a informação, podem tornar-se suficientes para a recordação. No entanto, pode ocorrer o denominado “bloqueio de recuperação”, isto é, são fornecidos aos sujeitos sugestões/ pistas relacionadas com o item procurado, mas mesmo assim são incapazes de aceder ao item/ informação. Estes blocos de recuperação ocorrem tanto na memória episódica, como também na memória semântica. O exemplo mais estudado sobre o bloqueio é o fenómeno “TOT” tip-of-the-tongue, genericamente conhecidos como o fenómeno da ponta da língua. Os indivíduos são incapazes de produzir uma palavra ou um nome, no entanto têm a forte convicção que a mesma está disponível na memória e, muitas vezes, conseguem produzir parcialmente informação fonológica ou semântica do item a recordar. Este fenómeno foi estudado pela primeira

vez em 1966 pelos psicólogos Brown e MacNeill 57. Estudos demonstram que as

54

Helene, A. & Xavier, G. “A construção da atenção a parir da memória”. Revista brasileira de psiquiatria, nº25, 2003, pp. 12-20

55 Altavilla, E. “Psicologia Judiciária I: O processo psicológico e a verdade judicial”. Coimbra, Arménio amado., 1981.

56Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.

57Brown, R & McNeill. “The tip of tongue phenomenon”. Journal of verbal learning and verbal behaviour, vol.5, 1966, pp.

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palavras menos usadas podem contribuir para o aparecimento do fenómeno “TOT” e que a maior parte dos itens a pronunciar são recuperados até dez minutos, embora outros só surjam dias mais tarde.

A persistência tem uma estreita ligação a vivências com carga emocional e surge através de recordações intrusivas negativas, eventos traumáticos, medos e fobias crónicas que teimam em perturbar a memória. As emoções encontram-se presentes no momento da codificação e permitem determinar a intensidade da memorização da experiência, uma vez que, os estudos têm revelado que acontecimentos com maior carga

emotiva tendem a ser melhor recordados58. Ochsber (2000)59, segue a ideia anterior, no

entanto salienta que a tendência dos indivíduos é para recordar experiências negativas

mais do que positivas. Por exemplo, Mineka e Nugente (1995)60 dirigiram um estudo

sobre indivíduos deprimidos, mostrando que estes apresentam uma memória aumentada para eventos autobiográficos negativos quando comparados a eventos com carga positiva.

Os três últimos pecados em falta, a atribuição errada, a sugestionabilidade e a distorção foram propositadamente deixados para o final por possuírem uma relação estrita com o mundo judicial e por serem os mais prejudiciais ao processo judicial. A atribuição errada pode ser definida como um “julgamento erróneo”, atribuindo

determinadas sensações e experiências do passado ao presente61. De acordo com

Schacter (1999)62 este pecado pode ocorrer de três formas:

1. “Recordar de factos que jamais ocorreram, atribuindo

erroneamente o processamento rápido de novas informações ou imagens vividas que vêm à mente a recordação de eventos passados que não aconteceram”;

58

Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.

59 Ochsber, cit inCaixeta, V. & Pereira, D. (2008). “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas

Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45. 60

Mineka & Nugente, cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.

61

Rocha, S. “Memória: uma chave afetiva para o sentido na performance musical numa perspectiva fenomenológica”. Per musi, nº21, 2010.

62

(30)

- 29 -

2. “Recordar corretamente o que aconteceu, mas confundir a hora ou

o local (transferência inconsciente) ”;

3. “Atribuir equivocadamente uma imagem ou pensamento que

surge espontaneamente na imaginação, quando, na realidade, a recordação inconscientemente resulta de alguma coisa que lemos ou ouvimos (criptomnésia)”.

Os autores de um estudo denominado de “falsa fama” (Jacoby, Kelley, Brown &

Jasechko, 1989 cit in Caixeta & Pereira)63 chegaram à conclusão que uma forte

sensação de familiaridade, juntamente com a falta de recordações específicas permite a implementação de falsas memórias e consequentemente a atribuição errada da fonte. Este facto pode ser extremamente prejudicial para a obtenção da verdade material nos julgamentos. Um exemplo bem gritante do domínio judicial é o caso do psicólogo Donald Thomson, acusado de violação sexual com base numa recordação presumivelmente detalhada do seu rosto por parte da vítima. No entanto, o psicólogo foi dado como inocente, uma vez que tinha uma alibi coerente. Thomson no momento da ocorrência do facto estava numa entrevista televisiva. A vítima tinha assistido à

entrevista e erroneamente atribuiu o rosto do psicólogo ao violador64.

Inconscientemente as testemunhas padecem do pecado da atribuição errada, o que pode trazer complicações jurídicas, muito embora não são intencionais nem são uma simulação, ou seja, consistem em erros que não se enquadram no crime de falso

testemunho65.

A sugestionabilidade de acordo com Schacter (1999)66 é descrita como uma

tendência dos indivíduos incorporarem informações de fontes externas a recordações pessoais, ou seja, a criação de falsas memórias pode ocorrer espontaneamente a partir de uma situação atual que é de alguma forma similar a uma situação anterior. Estas memórias ilusórias também podem surgir em resposta a sugestões que são feitas no momento em que o indivíduo tenta recordar uma determinada experiência, e muitas

63

Jacoby et all. cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.

64Wilbert, J & Menezes, S. “Falsas memórias: o pecado da atribuição errada”. Unoesc & Ciência ACSA, vol.2, nº1, 2011.

65

Flores, M. “Prova testemunhal e falsas memórias: entrevista cognitiva como meio (eficaz) para redução de danos (?)”.Revista IOB de direito penal e processual penal, 2010.

66

(31)

- 30 -

vezes usada nos tribunais sob a forma de perguntas, as perguntas capciosas. Este tipo de perguntas podem levar as testemunhas a identificarem determinada situação ou pessoa erroneamente. A sugestionabilidade tem uma estrita ligação com a atribuição errada, na medida em que a transformação de sugestões em falsas recordações envolve-a sempre, no entanto pode ocorrer a atribuição errada sem que tenha havido sugestões. E

experiência de Loftus e colaboradores (1978)67 ilustra bem o pecado da

sugestionabilidade. Nesta experiência foram fornecidas às testemunhas de um evento, informações novas e erradas desse mesmo evento. Estas testemunhas assistiram a um falso acidente automobilístico onde havia uma placa de “stop”. Loftus e colaboradores sugeriram a metade das testemunhas que a placa era de “cedência de passagem”. Os resultados revelaram que as testemunhas que tinham sido submetidas à sugestão, recordavam com maior frequência a placa de “cedência de passagem”, enquanto aquelas que não haviam recebido qualquer sugestão recordavam melhor a placa “stop”. Os efeitos da sugestionabilidade envolvem operações complexas entre o ambiente atual, o que se espera recordar e o que ficou retido na memória.

O último pecado, o pecado da distorção relaciona-se com os conhecimentos preexistentes e crenças, adaptando-se as memórias do passado às opiniões e necessidades do presente. Estas evidências já remontam aos estudos pioneiros de

Bartlett (1932)68, onde afirmava que as memórias podem ser influenciadas ou até

mesmo distorcidas pela aquisição de conhecimentos, crenças e expetativas atuais. Um

estudo bem ilustrativo da definição anterior é o de Marcus (1973)69. O autor pediu a um

grupo de pessoas para se pronunciar sobre questões sociais, tais como, a legalização da marijuana, a igualdade de género e a ajuda às minorias. Posteriormente, em 1982 pediu ao mesmo grupo para se pronunciar novamente sobre as mesmas questões sociais e pediu também que indica-se quais tinham sido as suas atitudes em 1973. Nos resultados verificou-se que as atitudes tinham modificado sobre as questões sociais, o que mostra que o ser humano transforma as suas crenças de acordo com o desenvolvimento dos

67

Loftus et all. (1978) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3,199, pp. 182-203.

68

Bartlett (1932) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.

69

Marcus (1973) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3,1999, pp. 182-203.

(32)

- 31 -

seus conhecimentos e panorama social. Dentro da distorção existem cinco tipos de distorções que ilustram de que forma a memória se reconstrói. As distorções de coerência e de mudança traduzem-se na reconstrução do passado sobre o próprio indivíduo, ajustando à compreensão que tem sobre si mesmo no presente. As distorções de compreensão tardia refletem-se na mudança de recordações de eventos do passado pela aquisição de conhecimentos atuais. As distorções egocêntricas ilustram a função poderosa do ego na criação de imagens e lembranças da realidade. As distorções estereotipadas assumem a forma de influências subtis de experiências anteriores em julgamentos atuais sobre outras pessoas ou grupos. As pessoas não têm recordações fidedignas sobre as suas crenças e pensamentos do passado, tirando conclusões sobre opiniões, atitudes e sentimentos do passado com base no que acontece no presente.

Concluindo e de acordo com o autor Schacter (2003)70“os sete pecados não são

meras irritações, que devem ser minimizados ou evitados. Eles também explicam como a memória recorre ao passado para informar o presente, preserva elementos de experiências atuais para futura referência e permite que voltemos ao passado quando desejamos. Os vícios da memória são também virtudes, elementos de uma ponte através do tempo, que permite que façamos uma ligação da mente com o mundo”.

70

Schacter (2003, p.250) cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.

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4. As teorias do esquecimento: um problema da memória humana

A psicologia cognitiva nos seus primórdios deu pouca atenção aos estudos sobre o esquecimento, pois procurava sobretudo entender o funcionamento cognitivo humano através da comparação da cognição com o funcionamento dos computadores, o que é fortemente reprovável. Atualmente é sabido que a memória humana e a memória de um computador não podem ser comparadas, uma vez que a memória humana é sujeita a fatores internos e externos, tais como as emoções. A memória humana apresenta elevados índices na sua capacidade de retenção, no entanto o esquecimento é a prova diária que a memória é falível. O esquecimento não significa que o sistema de memória é imperfeito, muito pelo contrário, é um mecanismo que possibilita a libertação de

informações irrelevantes e triviais71.

Durante muitos anos acreditava-se que as informações ficavam retidas na memória e que se perdiam com o passar do tempo. Esta premissa serviu de base para a investigação sistemática de Ebbinghaus no final do século XIX. Esta investigação conduziu à elaboração da curva do esquecimento, mostrando que a maior parte do esquecimento verificava-se nos primeiros momentos após a codificação da informação. O esquecimento mostra-se mais acentuado em intervalos de retenção entre os dezanove minutos e as vinte e quatro horas, posteriormente a informação retida torna-se mais geral e menos atenta aos pormenores de determinado evento presenciado. Embora a teoria de Ebbinghaus fosse bastante inovadora para a época, uma vez que teve um enorme impacto para as futuras investigações, observou-se que o passar do tempo não afetava por igual a informação armazenada, chegando-se à conclusão que o tempo por si

só não era um preditor do esquecimento72.

Neste ponto do trabalho serão descritas três teorias sobre a natureza do esquecimento: a teoria do desuso ou declínio do traço; a teoria da interferência; e a teoria da incongruência contextual. Os investigadores têm procurado responder a

71

Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.

72

Imagem

Ilustração I – Curva do Esquecimento

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