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A proposta pedagógica de Reuven Feuerstein, ou do programa de enriquecimento

compreender o programa de enriquecimento instrumental de Reuven Feuerstein

2.4.2. A proposta pedagógica de Reuven Feuerstein, ou do programa de enriquecimento

instrumental (PEI): aspectos histórico-

contextuais

O programa de enriquecimento instrumental (PEI), de acordo com entrevistas com estudiosos e sites especializados no assunto, surgiu a partir do resultado de uma experiência de avaliação cognitiva de jovens órfãos de guerra, em 1950, quando se fazia a preparação deles para a imigração e entrada no mercado de trabalho em Israel. Conforme as seguintes informações:

O psicólogo Reuven Feuerstein desenvolveu o Programa de Enriquecimento Instrumental em resposta a uma necessidade que observou nos anos quarenta enquanto trabalhando com uma agência judia para crianças órfãs ou separadas dos pais pelo Holocausto. Muitas destas crianças foram infectadas com severas desordens emocionais e consideradas de baixo nível intelectual. De fato, os testes de QI aplicados nessas crianças tiveram pontuações que as classificaram como mentalmente retardadas. (In: www.mediationarca.org)

O programa de enriquecimento Instrumental do psicólogo Reuven Feuerstein se desenvolveu a partir de suas observações nos anos quarenta trabalhando com uma agência judia para crianças órfãs ou separadas dos pais pelo Holocausto. (In:

www.centraldidatica.com.br)

Cristiano Assis Gomes (2002) nos informa que, entre 1950 e 1954, Feuerstein trabalhou para o Estado de Israel, numa instituição chamada Youth Aliyah, na perspectiva de desenvolver o potencial cognitivo de crianças judias provenientes do holocausto e de diversos lugares, como a Ásia e a África. Segundo esse autor, “essas crianças ficavam em campos na França e em Marrocos, onde deveriam ser preparadas para a sua imigração em Israel” (p. 71), e foram submetidas aos testes tradicionais, como o de QI, e às provas piagetianas para analisar o nível intelectual das crianças, constatando-se, em ambos os testes, um atraso cognitivo muito acentuado, conforme Gomes, na maioria delas, em nível de retardo mental mesmo.

O prognóstico era o pior possível.

Contrariamente aos testes, Feuerstein observava através de sua interação com aquelas mesmas crianças que elas apresentavam um padrão de raciocínio alterado, bem melhor do que o padrão usual. Elas mostravam potenciais não- demonstráveis, os quais apenas mediam as capacidades manifestas. Feuerstein

buscava ir além das observações pontuais e imediatas dos testes. (GOMES, 2002, p. 71)

Silvia Zanatta Da Ros (2002) considera que esse trabalho, dedicado à tarefa de receber e integrar as crianças judias vítimas do holocausto, propiciou a Feuerstein a elaboração de suas hipóteses de modificabilidade cognitiva estrutural.

No entendimento desse teórico, a inteligência se aprende e a cultura é enriquecida através do que ele chama de experiência de aprendizagem mediada (EAM), conseqüentemente, na sua percepção, a falta desse tipo de mediação causa as deficiências cognitivas nos indivíduos, por estarem sofrendo da síndrome de privação cultural. Esse estudioso compreende que só uma mediação sistemática, por um humano capacitado, que se interpõe entre o organismo vivo e o estímulo, filtrando, selecionando e organizando as informações, pode tirar um indivíduo da condição de recebedor passivo para agente de produção de informações (FEUERSTEIN, 1980).

Conforme Zanatta, os adolescentes marroquinos, que nos anos de 1950 a 1954 imigraram para Israel, mostravam nos testes utilizados uma defasagem de três a seis anos em relação às suas idades,a maioria deles era analfabeta, e em torno de 25% desses adolescentes não conheciam as diferentes operações fundamentais da aritmética. Eles, segundo essa autora, “apresentavam limitações à curiosidade, à interação e à exploração. Era difícil para esses jovens conceituar, abstrair, simbolizar, representar. O que Feuerstein chamará mais tarde de síndrome de privação cultural manifestava-se ali pela possibilidade limitada em se modificarem para responder às demandas da nova cultura” (ZANATTA DA ROS, 2002, p. 17).

Dessa maneira, tanto a teoria quanto o programa de enriquecimento instrumental (PEI), de Reuven Feuerstein, foram sistematizados a partir de sua experiência com os sobreviventes do holocausto e do seu trabalho de

adaptar os emigrantes judeus no mercado de trabalho em Israel, como podemos observar, de certo modo, através da sua própria biografia.

Feuerstein nasceu em 1921 na cidade romena de Botoani. De 1940 a 1941, ele freqüentou, em Bucareste (Romênia), a “Teachers College”, e, de 1942 a 1944, a “Onesco College”, também em Bucareste, obtendo o grau de psicólogo. Nesse período, trabalhou numa escola para crianças com necessidades especiais. Depois de escapar da ocupação nazista em seu país, em 1944, vai para Israel, onde realiza um curso de preparação de professores, trabalhando, nesse mesmo ano, para Youth Aliyah, em Jerusalém.

Retomou os seus estudos em 1949, na Suíça, onde participou de um curso ministrado por Carl Jaspers, Carl Jung e L. Szondy. De 1950 a 1955, freqüentou a Universidade de Genebra, trabalhando para Andrey Rey e Jean Piaget, completando seus estudos em Psicologia Geral e Clínica em 1952, e obtendo a licença em Psicologia em 1954. Finalmente, em 1970, ele fez seu doutorado em psicologia do desenvolvimento pela Universidade de Sorbonne/Paris, cujo título foi: Les differences de fonctionnement cognitif dans les grupes socio-ethniques differents. Leur nature, leur etiologie et les pronostics de modifiabilité21.

Essas informações são importantes, a nosso ver, porque nos possibilita dimensionar o processo de elaboração e sistematização da proposta pedagógica, de Reuven Feuerstein, para o ensino médio na Bahia.

Consideramos importante resgatar um trecho de uma entrevista, no livro de Cristiano Gomes, concedida por Feuerstein em 1994:

[...] a guerra acabou e dediquei-me às crianças sobreviventes do holocausto. Elas foram para Israel depois de passarem três, quatro anos em campos de concentração. Seus pais haviam morrido em câmaras de gás. Algumas chegaram em Israel como esqueleto. Eram totalmente analfabetas aos oito anos, nove anos

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Essas informações foram obtidas através de sites: um, das organizações The International Center for the Enhancement of Learning Potential (ICELP) e The Hadassah-Wizo-Canada Research Institute (HWCRI), ambas lideradas por Reuven Feuerstein: www.icelp.org ; www.newhorizons.org . Acesso em nov. 2002.

de idade. Eu não podia aceitar que fossem retardadas ou idiotas. [...] Não conseguiam organizar o pensamento, nem suas ações [...] hoje essas crianças tornaram-se homens e mulheres inteligentes e dignos. (FEUERSTEIN, apud GOMES, 2002, p.187)

Outro trecho, também relevante, está no prólogo do manual Aprendizagem mediada dentro e fora da sala de aula, do Programa de Pesquisa Cognitiva, da Universidade de Witwatersand, África do Sul. Nele, Feuerstein informa que “a teoria da experiência de aprendizagem mediada (EAM) data da década de 50. [...] Os guias para professores do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) também usam a EAM como principal modalidade para formar a interação “professores-materiais-exercícios- alunos”. Os parâmetros da EAM são usados de uma maneira focalizada na execução do programa de enriquecimento instrumental” (FEUERSTEIN, apud MENTIS, 1997, p. 09; 10).

Para realização do trabalho, Feuerstein e seus colaboradores formularam 14 blocos ou cadernos didáticos, chamados de instrumentos, de aproximadamente 20 a 30 folhas cada, com tarefas para serem resolvidas, divididos em dois níveis, tendo como lema: “Um momento deixe-me pensar”, cujo objetivo é aumentar a capacidade de aprendizagem e o nível de modificabilidade cognitiva estrutural dos indivíduos submetidos à aplicação do programa. (SANTOS, 2001; 2002)

No nível I, é aplicado na 1.ª série do ensino médio nas escolas da Bahia, são trabalhados os seguintes instrumentos: organização de pontos, orientação espacial I, orientação espacial II, comparação, percepção analítica, classificação, ilustração; e no nível II, isto é, na 2.ª série, são trabalhados os demais blocos: silogismo, relações familiares, relações transitivas, relações temporais, instruções, progressões numéricas e desenho de padrão22. Assim, o conjunto desses instrumentos, cadernos ou

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Uma mudança prevista no procedimento dessa aplicação é a troca do instrumento orientação espacial

II, do nível I, com relações familiares, do nível II. Este passaria a ser trabalhado na 1.ª série e o outro na

2.ª série (ensino médio). No final da pesquisa, fomos informadas que cada escola seria responsável, sob a coordenação dos supervisores do PEI, por pequenas mudanças dessa natureza.

blocos didáticos, é chamado de programa de enriquecimento instrumental (PEI).

Já existem, atualmente, de acordo com o site www.icelp.org, 62 (sessenta

e dois) Centros de Treinamento Autorizado (Authorized Training Center - ATC), pelo Hadassah, WIZO-Canada Research Institute, Jerusalém e do The International Center for Enhancement of Learning Potential (ICELP/Israel), responsáveis pela disseminação dos estudos do professor Reuven Feuerstein no mundo, conforme demonstram as informações abaixo:

Como se observa, destes, 22 (vinte e dois) estão localizados na América do Sul; 01 (um) na América Central; 17 (dezessete) na América do Norte; 20 (vinte) na Europa; e 02 (dois) na Austrália. Destacamos, ainda, que, dos vinte e dois centros autorizados na América do Sul, 09 (nove) estão no Brasil; 04 em São Paulo, 01 em Belo Horizonte, 01 no Rio de Janeiro, 01

em Curitiba, 01 no Rio Grande do Sul e 01 na Bahia, na cidade de Salvador, denominado FLEM (Fundação Luís Eduardo Magalhães).

Vale ressaltar que a experiência tal qual está sendo realizada na Bahia não existe em lugar algum do mundo. A aplicação do PEI é realizada em pequenos grupos ou atendimento individual, geralmente, visando ao desenvolvimento de pessoas com dificuldades acentuadas de aprendizagem.

Com a nossa pesquisa, constatamos que essas instituições (ATC) prestam serviços destinados para pequenos grupos, e a maioria oferece cursos para formação de professores de no mínimo 3 a 5 anos de estudo na teoria e aplicação desse programa.

Notamos também que a sua aplicação nas escolas, em geral de ensino fundamental (séries finais), acontece a partir de uma observação sistemática, realizada geralmente pelo professor que, em sua disciplina, trabalha um dos instrumentos considerado necessário para solucionar uma dificuldade específica e pontual dos estudantes. Se um professor de Geografia, por exemplo, percebe que, na sua sala de 7.ª série, os alunos estão com dificuldades na leitura de mapas, então ele aplicará algumas folhas do instrumento de orientação espacial I e II; o mesmo vale para matemática que se utilizará, por exemplo, dos instrumentos de silogismo e progressões numéricas; e português do instrumento de ilustração, objetivando desenvolver habilidades de leitura e produção de textos.

Enfim, na sua disciplina escolar, cada profissional utiliza-se do instrumento que considerar adequado para resolver uma determinada dificuldade de aprendizagem dos seus alunos. Verificamos, também, que as escolas preparam seus professores visando a oferecer esse serviço aos pais, que estejam preocupados com um certo grau de dificuldade de aprendizado apresentado pelo seu filho numa determinada disciplina (ou em todas).

No Estado da Bahia, conforme dito anteriormente, o ATC está vinculado à Fundação Luís Eduardo Magalhães (FLEM), entidade integrada ao Governo do Estado/ Secretaria da Educação, e é responsável pela implantação do PEI em larga escala, desde 1999, nas escolas públicas do ensino médio, com o objetivo geral, segundo justificaram, de intervir no processo de ensino e aprendizagem, para promover não só uma modificabilidade cognitiva estrutural nos alunos, mas, também, nos professores. Primeiramente, esse programa foi introduzido nas 1as séries de todos os Colégios Modelo Luís Eduardo Magalhães, em um dos quais atuamos como professora de Língua Inglesa e aplicadora do PEI, nos anos de 1999 e 2000.

De acordo com os siteswww.sec.ba.gov.br e www.flem.org.br, “o Programa

de Enriquecimento Instrumental é um dos projetos estratégicos do programa Educar para Vencer, da Secretaria de Educação do Estado, e tem por finalidade desenvolver capacidades cognitivas, habilidades e potenciais de professores e alunos da rede estadual de ensino, através da experiência de aprendizagem mediada” (grifo nosso).

Segundo informações obtidas, para verificarem a urgência em desenvolver capacidades cognitivas, habilidades e potenciais de professores e alunos, foram realizadas algumas pesquisas, através da Secretaria de Educação do Estado, e a conclusão é que os alunos da rede pública, na Bahia, têm funções cognitivas deficientes, ou sofrem de privação cultural, isto é, são privados de sua própria cultura.

Alguns professores da rede estadual, inclusive eu, foram convocados a participar de dois cursos, numa primeira etapa, PEI nível I, de 19 a 30/08/1999, e, numa segunda etapa, 08 a 19/05/2000, PEI nível II.

Primeiramente, implantou-se o PEI nível I, na primeira série do Ensino Médio, ano seguinte nas duas primeiras séries. Para cada sala de

aula, determinou-se que trabalhariam dois professores-aplicadores de PEI, ministrando 4 (quatro) aulas semanais23. Outras medidas foram adotadas, como: a redução da carga horária de Matemática e de Língua Portuguesa de 4h (quatro horas) aula/semanal para 3h (três horas); de Sociologia e de Filosofia de 2h (duas horas) aula/semanal para 1h (uma hora) aula/semanal24; bem como, durante o processo de implantação do programa, os professores seriam observados e supervisionados para garantir o resultado esperado: alunos e professores desenvolvidos, do ponto de vista de suas capacidades e habilidades cognitivas.

Segundo Beyer (1996), Feuerstein “é, primordialmente, um psicólogo e pesquisador ocupado na recuperação de indivíduos que apresentam dificuldades acentuadas de natureza cognitivo-intelectual” (p. 66 – grifo nosso). E ainda, “Reuven Feuerstein é um pesquisador israelita que veio alcançando renome mundial pelo método desenvolvido para o trabalho com crianças deficientes” (p. 65 – grifo nosso). Também, Cristiano Assis Gomes (2002) afirma que decorrente da demanda de um recurso pedagógico para alavancar o desenvolvimento de crianças sobreviventes do holocausto, e, posteriormente, utilizada em outras situações de risco, a proposta de Feuerstein conduz a mudanças no comportamento e na estrutura mental cognitiva e neurológica do sujeito.

Assim, em virtude dessa especialidade de Feuerstein em trabalhar com indivíduos com problemas cognitivos acentuados, decorrentes de questões estruturais orgânicas e/ou de fortes interações sociais, estamos

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A partir de algumas entrevistas, constatamos que, pela falta de aplicadores, esta medida será revista, uma vez que já é realidade em algumas escolas a existência de um professor por sala.

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É importante, também, salientar que, conforme esses professores entrevistados, “é de responsabilidade de cada estabelecimento de ensino determinar o que é melhor para os seus alunos”. Por conta disso, por exemplo, existem escolas em que as disciplinas que sofreram alteração na carga horária foram: Língua Estrangeira e Educação Física, passando de 2h (duas horas) aula/semanal para 1h (uma hora) aula/semanal. Outras instituições, também, devido às exigências do corpo docente e, principalmente, do discente, estão reduzindo as aulas de PEI de 4h (quatro horas), como previsto no início da implantação do programa, para 3h (três horas) aula/semanal, com vistas à redução de 2h (duas horas) aula/semanal. Além disso, segundo professores e alunos entrevistados, a maioria dessas aulas (de PEI) está sendo destinada à reposição de atividades de outras disciplinas consideradas, por eles, mais importantes, como: história, matemática, português, geografia, física e química.

analisando o seu programa, compreendendo-o como uma proposta pedagógica para as primeiras séries do ensino médio, através da seguinte problemática: é o PEI adequado e apropriado para o contexto da educação formal dos adolescentes das escolas (públicas e gratuitas) do Estado da Bahia?