• Nenhum resultado encontrado

compreender o programa de enriquecimento instrumental de Reuven Feuerstein

14. Projeção de relações virtuais

2.4.5.4. Das fases do ato mental

Referente ao ato mental, percebemos de forma mais acentuada a relação entre a compreensão de Reuven Feuerstein (1980) e a concepção dos cientistas cognitivos sobre as redes de neurônios cerebrais35, como vimos anteriormente, na página 68, concebe o cérebro (rede neural natural) como uma máquina (rede neural artificial).

Para esses cientistas cognitivos, as redes neurais são dispositivos configurados dinamicamente, definindo-se o peso de suas próprias conexões. Elas podem ser vistas como um dispositivo que associa a cada vetor de entrada um vetor de saída. O caráter global da transformação é determinado pelo peculiar conjunto de valores de pesos das conexões (sinapses). Pode-se dizer, então, que as redes neurais, através dos pesos dessas conexões sinápticas entre as unidades da rede, representam padrões de informação recorrentes no meio ambiente, constituindo estruturas estáveis (TENÓRIO, 1998).

Segundo esses pesquisadores cognitivistas, com um programa adequado, fornece-se o valor de entrada para a rede e então se compara o vetor de saída com o resultado desejado. Se o resultado estiver errado, os pesos das conexões são alterados, de maneira a aproximar a saída do resultado desejado. Usando-se várias amostras como entrada e modificando- se os pesos a cada vez, a rede será ‘ensinada’ a produzir os resultados corretos.

35

“O neurônio é a célula funcional do cérebro. Cada neurônio recebe sinais (inputs) de um grande número de outros neurônios, que podem inibir ou excitar seu nível normal de ativação. O nível de ativação é função do número de conexões, do tamanho ou peso das conexões, da polaridade estimuladora ou inibidora das conexões, e da intensidade dos sinais. Os neurônios estão sempre excitando uns aos outros com a emissão constante de sinais de freqüência variando ente 0 a 200 hertz” (TENÓRIO, 1998, p. 110).

Entretanto, isso é eficaz, especificamente, no caso de máquinas, não de Homens. De acordo com Tenório (1998), “como acontece com qualquer modelo e analogia, se há semelhanças entre o comportamento das redes e do cérebro, há também muitas diferenças” (p. 114). Por outro lado, “em cérebros reais, um axônio faz contato sináptico com apenas uma porcentagem relativamente pequena dos milhões de células na população alvo. Nos modelos neurais artificiais, com todas as unidades da camada seguinte” (p. 115).

Além disso, para Tenório, o problema se torna complexo porque, segundo ele, os modelos neurais não manipulam símbolos, e constituem um espaço no qual uma coleção de padrões de conexões “sinápticas” fluem e denotam outros padrões. Esse autor afirma que “os símbolos não podem ser identificados nas conexões, pois constituem um nível mais elevado de organização, representado pelos padrões da rede; das atividades paralelas, distribuídas e coletivas das estruturas subcognitivas é que emerge um padrão cognitivo, que não é obtido, assim, por computação simbólica; não há, portanto manipulação de símbolos” (p. 116).

O que acontece no PEI? Há uma transposição literal dessas idéias para o âmbito da sala de aula? Sabemos que no momento de resolução da tarefa, o professor deve “capturar” o ato mental do aluno, isto é, categorizar, analisar e ordenar as funções cognitivas deficientes em função dessas três fases (entrada, elaboração e saída da informação), e checar as hipóteses levantadas pelo aluno, recorrendo às folhas padrões já aplicadas.

A nosso ver, para compreendermos as relações entre os tipos de raciocínio e as representações simbólicas na proposta pedagógica de Reuven Feuerstein, é necessário entendermos seu horizonte epistemológico, isto é, a corrente cognitivista (bem como a sua matriz referencial: o behaviorismo).

Entretanto, vale ainda salientar que, de acordo com Thagard (1998), mesmo existindo um grande debate nas ciências cognitivas sobre a natureza

das representações e computações que constituem o pensamento, além das idéias de representação e de computação como inadequadas para explicar os fatos fundamentais da mente, é na ciência cognitiva que “opensamento pode melhor ser entendido em termos de estruturas representacionais na mente e procedimentos computacionais que operam naquelas estruturas” (p. 21).

Na nossa perspectiva, Feuerstein (1980) também trabalha, no seu programa de enriquecimento instrumental, fundamentado nesse paradigma. Pois o ato mental, para ele, é analisado em função das estratégias que o estudante emprega para manipular, organizar, transformar, representar e reproduzir nova informação.

Assim, na sua concepção, o ato mental acontece em três fases: input (entrada), elaboração e output (saída). Essas três etapas, segundo ele, estão interconectadas e cada uma delas tem sentido à medida que uma se relaciona com a outra. Para Feuerstein (1980), em cada dessas fases, o indivíduo, que está privado de sua própria cultura, apresenta determinadas funções cognitivas deficientes36.

36

Recebemos, em 2000, da supervisão do PEI, em nossa escola, uma lista contendo a descrição de determinados comportamentos apresentados pelos alunos, durante a aplicação desse programa, que, segundo os treinadores, “atestavam” a comprovação do professor Feuerstein de que os estudantes baianos, do ensino médio, sofrem da síndrome de privação cultural: “Responde prematuramente ao primeiro e mais óbvio estímulo e ao qual falta autocontrole para abordar uma tarefa sistematicamente; tem dificuldade de compreender instruções comunicadas oralmente; tem dificuldade de seguir um cronograma de estudos; tem dificuldade de organizar dezenas e unidades em suas próprias colunas; não observa todos os detalhes necessários e relevantes no tempo dado; tem dificuldade de considerar todas as alternativas de uma questão de múltipla escolha; não consegue perceber que um quadrado, girando em seu próprio eixo, continua sendo um quadrado; usa aproximações e distorce certas dimensões quando responde; não consegue retardar a gratificação ou investir em planejamento de longo prazo; não consegue prever conseqüências usando o pensamento “se...então”; falha ao utilizar informações relevantes aprendidas no passado para resolver um problema no presente; busca confirmação de que copiou corretamente apesar de ter o modelo à sua frente; tem dificuldade de “pensar alto” e tirar conclusões abstratas; tem dificuldade de encontrar métodos para testar suposições; não se preocupa em contar as coisas (isto é, a totalidade dos eventos); é incapaz de aplicar regras existentes a novas situações; confia no estímulo concreto para resolver problemas, porque não consegue fazer isto mentalmente; visualiza objetos e eventos de forma isolada, como entidades não correlatas; fica satisfeito e dá respostas do tipo: “É isso só, por isso mesmo”; pergunta com freqüência o que fazer após a tarefa ter sido explicada; relata uma história sobre “cachorro” quando a discussão é sobre “camelos”; comete erros “bobos” (por exemplo: somar ao invés de substituir); não consegue responder empaticamente ou ver as coisas do ponto de vista do outro; tem dificuldade em planejar e trabalhar sistematicamente; ao copiar um quadrado de um modelo, desenha um triângulo; tem dificuldade para explicar suas respostas; rasga sua folha de respostas; apressa-se em apresentar as respostas sem verificá-las”. É desse modo, com professores “catalogando” as atitudes dos estudantes dentro dessa estrutura classificatória, que iremos possibilitar, por exemplo, o desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da solidariedade dos jovens-adolescentes do ensino médio na Bahia?

Abaixo, o elenco das funções cognitivas deficientes, classificadas pelo PEI e a serem corrigidas mediante a sua aplicação:

a) de entrada:

1. Percepção borrosa e confusa;

2. Comportamento exploratório não planejado – impulsivo e assistemático;

3. Ausência ou falta de instrumentos verbais e conceitos que afetam a discriminação e identificação dos objetos com seu nome;

4. Orientação espacial deficiente – carência de um sistema estável, que implica uma desorganização espacial em nível topológico, projetivo e euclidiano;

5. Orientação temporal deficiente: carência de conceitos temporais; 6. Deficiência na constância e permanência do objeto;

7. Deficiência na precisão e exatidão na recopilação de dados;

8. Deficiência para considerar duas ou mais fontes de informação de uma só vez.

b) de elaboração:

1. Dificuldade para perceber e definir um problema;

2. Dificuldade para distinguir os dados relevantes dos irrelevantes; 3. Dificuldade ou carência da conduta comparativa espontânea; 4. Estreitamento do campo mental;

5. Percepção episódica da realidade; 6. Carência de raciocínio lógico;

7. Falta de interiorização do próprio comportamento; 8. Restrição do pensamento hipotético inferencial; 9. Carência de estratégias para verificar hipóteses; 10. Dificuldade na planificação da conduta;

11. Dificuldade na elaboração de categorias cognitivas, porque faltam recursos verbais em nível receptivo e/ou expressivo e por carecer da classificação (categorias);

12. Dificuldade para conduta somativa;

13. Dificuldade para estabelecer relações virtuais. c) de saída:

1. Modalidade de comunicação egocêntrica; 2. Dificuldade para projetar relações virtuais; 3. Bloqueio na comunicação da resposta; 4. Resposta por ensaio-erro;

5. Carência de instrumentos verbais para comunicar adequadamente as respostas previamente elaboradas;

6. Carência da necessidade de precisão e exatidão para comunicar as próprias respostas; 7. Deficiência no transporte visual;

8. Conduta impulsiva que afeta a natureza do processo de comunicação.

Conforme o curso de treinamento, um professor aplicador de PEI sabe quando uma dessas funções cognitivas deficientes foi corrigida através de três condutas principais apresentadas pelos estudantes: (a) o quê e como planejam; (b) quem rasura menos; e (c) quando se tornam independentes.

Ficamos a nos perguntar se é com este processo de observação classificatória que, para Feuerstein, permite precisar em que nível terá que incidir a aprendizagem do sujeito? Isto favorece a compreensão do professor acerca da complexidade do ato mental de construção do conhecimento e clareza do que ele precisa fazer para contribuir na formação de um sujeito autônomo, solidário e inventivo a um só tempo? Ou é um equívoco a ser reparado na experiência disponibilizada aqui na Bahia?

Mesmo se acreditássemos (porque, na verdade, tudo isso é um regime de crenças), perguntaríamos ainda: o processo de aprendizagem se dá de forma mecânica, ou seja, com momentos controlados de entrada, elaboração e saída de informações? Como o professor irá dar conta de observar, categorizar, analisar, ordenar e corrigir essas possíveis funções cognitivas deficientes, “curando” os alunos de uma síndrome de privação cultural num universo escolar tão diversamente complexo dentro desse padrão classificatório? Se isso fosse possível e necessário, no nosso contexto, como fazê-lo, simultaneamente, com 40 a 50 alunos por sala, apenas com um único instrumento e uma única modalidade de atuação pedagógica? Ainda, sem levarmos em consideração, as condições materiais e simbólicas que vivem os professores das escolas públicas do estado da Bahia. (!)

Considerando que “vivemos o “real” como a presença da nossa experiência” (MATURANA, 2001, p. 191). Como é e como se dá essa observação e essa intervenção do professor-aplicador de PEI? Em base a que ele categoriza, ordena e interfere no processo de aprendizado do outro? É de acordo ao que vê, ao que ouve, ao que sente, isto é, sobre o “real”? Mas, insistimos, sobre qual realidade ele, o aplicador de PEI, fala eatua?