• Nenhum resultado encontrado

II. A prosódia materna na perspectiva lingüístico-discursiva e a interface

2.1 Parâmetros prosódicos

2.1.1 A prosódia na fala materna dirigida ao bebê

Para compreender a prosódia18 materna na fala dirigida ao bebê, percorreremos os estudos de Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) e Cavalcante (1999; 2003a; 2003b).

Baseadas na abordagem de De Lemos, Scarpa (2001) e Cavalcante (1999) partiram da perspectiva de que a criança é inserida em um mundo/funcionamento simbólico, em que a fala do outro a interpreta e a significa. Cavalcante (1999; 2003a) diz que a criança é significada pela mãe e se subjetiva nas interações com o outro.

O bebê, ao ser concebido, começa a apresentar existência ativa, dentro do discurso da mãe. Assim, ao ser falado pela mãe/Outro, “ocupa um espaço discursivo na linguagem,

mesmo antes de ter nascido” (FREIRE, 1997, p. 43).

Estudos apontam que nos primeiros dias de vida, o bebê apresenta uma reação positiva aos sons da fala, que lhe são gratificantes. Já nas primeiras semanas de vida, é capaz de discriminar a fala de outros sons, rítmicos ou não. Por volta dos 3 ou 4 meses de idade, os bebês começam a balbuciar seqüências de sons que se aproximam da fala humana. Até aproximadamente os 10 meses, o balbucio torna-se cada vez mais padronizado e ocorre numa freqüência maior. Por volta desse período, o ritmo, a entonação, a intensidade e a duração da fala começam a ser recorrentes e estruturados (SCARPA, 2001).

À medida que o balbucio se padroniza, antes do surgimento das primeiras palavras, a seqüência e as características de sons tornam-se mais semelhantes às características fonéticas da língua materna. “Os elementos prosódicos, como ritmo e entonação, são bastante salientes tanto na fala da criança quanto na percepção que a criança tem da fala do adulto” (Ibidem: 225).

Scarpa (1991; 1996) afirma que o estudo acerca da aquisição da prosódia apresenta duas vertentes. A primeira tem como objeto a língua, do ponto de vista da produção e da percepção de unidades entonacionais como pistas de compreensão. Nesta vertente, situam-se trabalhos que levam em conta a aquisição de sistemas prosódicos como o tom, acento de

18

Compreende componentes da produção da fala, como duração, intensidade (amplitude), altura (freqüência), velocidade de fala, pausa. Esses parâmetros combinados são responsáveis pelos subsistemas de ritmo, tom e entonação (SCARPA, 1999).

intensidade e de duração. Além desses trabalhos, há outros que apresentam uma listagem dos parâmetros prosódicos mais comuns na fala das crianças pequenas, principalmente na fase dita “pré-lingüística”.

A segunda vertente apresenta como objeto a interação social da criança com seus pares ou com seus interlocutores adultos. Nesta vertente, podem ser encontrados trabalhos que tenham a listagem de parâmetros prosódicos presentes no input, ou modificações de tais parâmetros na fala dirigida à criança (SCARPA, op. cit.). Entre esses trabalhos, poderíamos mencionar o estudo de Snow (1997), segundo o qual a prosódia, em geral, está sintonizada com a atividade de resposta e atenção da criança. Para ela, a sintonia da fala dirigida à criança (FDC) inicia-se na primeira infância e tem uma característica bastante observada: o uso do tom agudo e o padrão de entonação exagerada. Estudos sugerem que essa característica representa uma resposta aos padrões de atenção dos bebês.

Nota-se que essa dupla face dos estudos da aquisição da prosódia torna a própria prosódia um espaço privilegiado de processos de subjetivação e engajamento da criança no diálogo e, simultaneamente, de processos de objetivação e canal privilegiado de organização da forma fônica empreendida pela criança. Essa questão raramente é levada em conta (SCARPA, 1991; 1996).

Em trabalho posterior, Scarpa (2005) retoma a afirmação que a prosódia apresenta dupla face na aquisição, uma vez que é considerada a via privilegiada de engajamento da criança no diálogo e, simultaneamente, é o veículo primeiro da organização das formas lingüísticas, principalmente através dos sistemas de ritmo e entonação.

Além dessas vertentes em relação ao estudo da aquisição da prosódia, Scarpa (1991; 1996) observa que, na literatura, as referências sobre aquisição ou papel da prosódia, principalmente sobre parâmetros relativos à altura, direção de curva e tessitura, têm voltado sua atenção para dois aspectos, o primitivismo da entonação e a entonação como evidência do conhecimento gramatical prévio. O primeiro aspecto indica que a entonação é preexistente ao léxico e à gramática, ou seja, os padrões entonacionais são estabelecidos antes dos sistemas lexical e gramatical. Neste caso, a hipótese da precedência da entonação sobre a gramática e o léxico manifesta-se na fala da criança pré-linguística. As vocalizações salientam variações de freqüência fundamental, ritmo, volume, velocidade de fala, qualidades diferenciadas de voz, entre outras manifestações prosódicas. “Essas possibilidades expressivas na fala da criança implicam necessariamente indiferenciação entre gesto e voz ou gesto e prosódia/elementos paralingüísticos/segmentais” (SCARPA, 1996, p. 91). O segundo aspecto tem relação com o primeiro, pois, sendo a prosódia sobretudo a entonação, primitiva, ela deve ser considerada evidência de conhecimento prévio de cunho gramatical ou categorial. Aqui, tem-se como hipótese a questão de que a prosódia é uma ferramenta lingüística favorável à moldagem da materialidade e reorganizações sucessivas.

Diferentemente do que diz a literatura,Scarpa (1991) acredita que a entonação não tem precedência estrutural sobre outros domínios da gramática e ainda não está convencida de que a entonação seja evidência direta de conhecimento prévio de ordem hierarquicamente

superior, uma vez que não tem observado em seus dados o conhecimento sintático (ou semântico-pragmático) prévio refletido na massa fônica, como sugere a hipótese do conhecimento sintático prévio.

Em trabalhos anteriores sobre a prosódia e processos dialógicos, Scarpa (1985; 1990) caracteriza a face do caminho privilegiado da criança ao diálogo como melódica / entonacional por excelência. A autora destaca que a prosódia estabeleceria o elo inicial entre som e sentido, por meio da organização formal da fala e o potencial dos efeitos significativos criados pela instanciação da língua nos diálogos.

Posteriormente, retoma a idéia de que a ligação entre som e significado começa a ser traçada pela prosódia, o que guiará a criança em direção aos limites de uma possível gramática. Logo, a prosódia, assim como a gramática, é submetida ao funcionamento da língua. Dessa forma, assim como há erro gramatical, há também erro rítmico/prosódico, sinal que a criança está organizando os vários componentes do sistema concomitantemente (SCARPA, 1999).

A criança, nas relações discursivas estabelecidas com o outro, tem a tarefa inicial de alçar a massa fônica indiferenciada do significante. A prosódia é um caminho adequado para segmentar, configurar, delimitar através de unidades significativas rítmicas e entonacionais (Ibidem: 33).

Observa-se que a prosódia, com seu caráter delimitativo, demarcativo e configuracional mais aberto que os de natureza gramatical, mostra-se como uma porta de entrada da criança para a linguagem na segmentação do contínuo da fala, que pode ser a sinalização para o aprendiz de uma língua possível (SCARPA, 1999).

Na aquisição da linguagem, Scarpa (op. cit.) observa que trabalhos responsáveis pela percepção, assim como aqueles destinados à produção sugerem que a criança é sensível a várias facetas da prosódia. Cita alguns exemplos, originados de pesquisas longitudinais que realizou, as quais se destinavam a investigar o papel da prosódia na aquisição da linguagem. O primeiro exemplo está relacionado ao momento no qual a criança começa a produzir textos aparentemente narrativos. Essa produção ocorre através de seqüências de contornos atribuídos a expressões fragmentárias, constituídas por sucessivas nomeações de figuras. Pode-se dizer que, neste caso, não há narrativa do ponto de vista léxico-gramatical, mas existe um princípio de organização de narratividade através de macroestruturas entonacionais (ver Scarpa 1985; 1996). No segundo exemplo, a autora (1999) volta-se ao trabalho realizado em 199019, e diz que marcas entonacionais de especularidade, complementaridade e reversibilidade possibilitam o engajamento da criança no diálogo e afetam o outro na interação com ela. Por

19

fim, a autora tem registrado o acesso à organização primitiva da forma fônica por sistemas entonacionais primitivos e por certa estabilidade do acento nuclear na constituição do acento lexical.

Estudos acerca da produção e percepção da fala por crianças pequenas indicam que o acento nuclear não é apenas percebido cedo por crianças pré-lingüísticas, mas também demonstra certa estabilidade desde as primeiras emissões lingüísticas da criança (SCARPA, 1999).

Em contraposição a uma visão de complexidade sintagmática da aquisição fonológica, Scarpa (2005) observa que, durante a aquisição/organização prosódica, a criança percorre uma trajetória, que denomina: “de cima para baixo”, o que ocorre em interação constante com outros componentes lingüísticos. “Parece que o acento nuclear , de cunho entonacional, é o ponto de referência pelo qual a criança é atraída para a linguagem e vislumbra nela um princípio de estruturação” (SCARPA, p. 4, op. cit.). Esta afirmação indica que possivelmente a entonação constitui-se como via privilegiada de inserção da criança na língua.

Seguindo a perspectiva delineada por Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005) a respeito da prosódia, Cavalcante (1999) realizou pesquisa bastante significativa sobre a prosódia materna na fala dirigida ao bebê, o manhês, que descreveremos a seguir.

Para discorrer sobre a prosódia materna, Cavalcante (1999; 2003a) assume a abordagem estrutural, proposta por De Lemos, na qual a fala materna é compreendida enquanto movimento interpretativo, que funcionaria como via de inserção e sustentação da criança na língua. Propõe que a prosódia materna, além de ser um dos guias do bebê/infante de acesso à língua, pode desempenhar papel relevante no processo aquisicional, dando pistas para a compreensão da inserção do bebê na língua. No entanto, para isso, é preciso “situar

funcionalmente a relação afetividade/fala materna e o acesso do infante à língua”

(CAVALCANTE, 1999, p. 59).

Nos primeiros meses de vida do bebê, as modulações da voz da mãe, especialmente movimentos de altura e qualidades variadas de voz, apresentam-se como excelente porta de entrada do infante na língua (SCARPA, 2005). Cavalcante (op. cit.) afirma que, nesse período, a prosódia materna exerce uma função lingüístico-discursiva, marcando os deslocamentos de lugares discursivos entre mãe e bebê. Assim, além das mudanças de posição do infante com relação às modulações de voz da mãe, esses deslocamentos também se realizam em relação à fala materna dirigida ao bebê, uma vez que esta também é afetada pelo bebê. Esse deslocamento subjetivo ocorre sobretudo nas caracterizações prosódicas que a fala materna vai assumindo ao longo do tempo da dialogia com o bebê.

Nas modificações da fala materna, enquanto deslocamentos do sujeito e do papel discursivo atribuído ao bebê, Cavalcante (op. cit.) observa falas diferenciadas utilizadas pela mãe: fala atribuída, fala recortada, fala ritmada e fala enfática.

Na díade mãe-bebê, inicialmente, o foco de interação é o próprio bebê, no qual se observa predominantemente a especularidade na fala materna. Esta atividade especular se faz presente no que a autora chama de fala atribuída , que se caracteriza pela atribuição de “voz” ao(s) comportamento(s) corporal ou vocal do bebê (CAVANCANTE, 1999; 2003b). Mesmo

antes de o bebê ocupar seu turno enquanto falante, ele já é falado pelo outro-mãe e marcado no discurso materno através da fala atribuída.

A autora observa que, no decorrer dos primeiros nove meses de vida do bebê, o deslocamento discursivo evidenciado na fala materna ocorre por meio da fala atribuída, através da qual a mãe dá “voz” ao bebê, falando “como se” fosse ele. Dessa maneira, ela modaliza a voz, através do falsetto20, tipo de voz característico neste tipo de fala, e da fala infantilizada marcando prosodicamente o lugar discursivo do bebê. A caracterização prosódica desse tipo de fala, a fala atribuída, vai-se diferenciando de acordo com os contextos interativos. Assim, o deslocamento discursivo pode apresentar-se através de duas falas: a interpretativo-comportamental, normalmente utilizada em situações de interação positiva, que se caracteriza por uma voz melodiosa, baixa, desacelerada, com presença de alongamentos e curvas descendentes; e a passível de deriva, presente em situações de interação positiva, nas quais a voz apresenta-se em falsetto, acelerada, com curvas ascendentes ou ascendentes/descendentes e pausas longas de mais de dois segundos e em contextos de negação/rejeição, onde a voz encontra-se falseteada, infantilizada, acelerada, com curvas descendentes e pausas longas (CAVANCANTE, 1999).

Cavalcante (op. cit.) acrescenta que a fala interpretativo-comportamental configura-se quando a mãe atribui a algum comportamento (vocal ou corporal) do bebê uma interpretação, como por exemplo: bocejo = sono, choro = desprazer, etc. Este tipo de fala envolve uma mãe pronta a interpretar qualquer comportamento do bebê dentro de um contexto imediato. Já na fala passível de deriva, a interpretação materna não está relacionada a um contexto imediato e não coincide com o “desejo” da criança. A autora e Naslavsky (2005) dizem que, neste tipo de fala, encontra-se uma instância de dissociação entre mãe e bebê idealizado, uma vez que o enunciador que fala é a mãe que se vê na fala do outro, da criança.

A fala atribuída vai assumindo uma estrutura diferenciada ao longo do tempo, ou seja, sua freqüência é maior nos primeiros meses e vai diminuindo no sexto mês até assumir uma estrutura prosódica nova ao final do oitavo/nono mês, para então deixar de acontecer. Esta trajetória acompanha o desenvolvimento vocal do bebê, de total indeterminação comunicativa, para, aos poucos, tornar-se mais participativo/ativo na interação, assumindo seus próprios turnos nas situações dialógicas (CAVALCANTE, 1999).

Entre os nove e os catorze/quinze meses de interação com o bebê, a fala atribuída deixa de existir e o bebê passa a assumir seus turnos discursivos, recortando, principalmente, o acento frasal dos enunciados maternos e produzindo jargões. As principais modificações da fala materna, como o falsetto, estruturam-se como a fala recortada, caracterizada pela incorporação de fragmentos vocais do infante (CAVALCANTE, 1999).

Enquanto na fala atribuída, o papel da fala materna era marcar, através do uso do falsetto, o lugar do infante no diálogo, a partir do momento em que o bebê começa a assumir os seus turnos nos diálogos, o falsetto ganha outro papel, o de enfatizar a fala recortada desse bebê, ou de descrever suas ações, consideradas pela mãe como positivas. “Se antes o foco era

o lugar ocupado pelo bebê no discurso, agora o foco é a fala produzida por este bebê na interação” (Ibidem: 162).

Segundo Cavalcante (1999; 2003b), outro tipo de fala característico do período descrito acima é a fala ritmada, presente no discurso materno para pontuar as produções do bebê, correlacionando gesto e voz, e possibilitando, à criança “inserir-se no compasso da língua”.

20

É por volta dos nove meses que o ritmo começa a fazer parte da interação mãe-bebê,

“momentos nos quais o ritmo é privilegiado e realçado através de modalizações prosódicas são denominados de fala ritmada” (CAVALCANTE, 2003b, p. 150). A autora diz que, nesse

tipo de fala, as pausas ganham destaque, podendo funcionar como marcadores do ritmo, este, por sua vez, favorece o posicionamento do infante no momento da interação, assim como insere novos contextos de interação.

Diante de um bebê vocalmente mais ativo e participativo, que começa a assumir o seu lugar na dialogia, a mãe, através da fala ritmada e da fala recortada, pontua as produções do bebê. Como já foi dito, na fala ritmada, a mãe utiliza a marcação rítmica para correlacionar gesto e voz. Já na fala recortada, a atividade especular materna possibilita à criança ‘reconhecer/ver refletida” sua própria fala inserida no discurso da fala materna. Dessa forma, o papel materno supõe-se ser o de organizador do contínuo experencial da criança, seja do ponto de vista melódico/rítmico na fala ritmada, seja do ponto de vista lingüístico-discursivo na fala recortada (CAVALCANTE, 1999).

Cavalcante (op. cit.) caracteriza o período dos quinze aos dezoito meses de vida do infante como final do uso da qualidade de voz em falsetto no discurso materno. Isto pode ser explicado pelo fato de esse discurso não precisar mais marcar a presença do infante ou de sua fala, uma vez que o próprio infante começa a ocupar o lugar de um falante. Neste lugar, a criança começa a se posicionar na dialogia, marcando sua ocupação discursiva com o uso do falsetto. É neste contexto discursivo que a autora situa a fala enfática, isto é, a modulação vocal marcada pela ênfase; na qual se tem o fim da fala ritmada e da fala recortada com falsetto e não há mais uso de pausas prolongadas.

Na fala enfática, a atividade materna está centrada na relação referente/significante correto. Ou seja, quando a criança nomeia algo, a mãe espelha esta nomeação com o referente correto, enfatizando sua produção correta. Além disso, a criança posiciona-se em relação à mãe e também assume a posição de espelho, à medida que se desloca para outros lugares discursivos, assumindo uma outra “voz”, a da mãe (CAVALCANTE, 1999).

Observamos que a voz em falsetto está bastante presente no discurso materno durante os primeiros meses de vida da criança e à medida que esta qualidade de voz deixa de existir, mais precisamente quando o bebê torna-se falante, o falsetto ganha uma nova direção. Quer dizer, passa a ser usado como marcador do lugar discursivo do novo falante, a criança. A questão da ausência de pausas prolongadas pode ser explicada pelo fato de a criança já assumir espontaneamente seu turno na dialogia, não havendo mais necessidade de que o discurso materno seja marcado com pausas para que a criança se posicione.

De acordo com Cavalcante (op. cit.), no decorrer dos meses de interação entre mãe e bebê, a mudança estrutural na fala materna demonstra a existência de uma inter-relação entre o discurso materno e a mudança participativa do infante ao longo da relação interativa. As modificações da fala materna implicam uma atividade melódico-afetiva, na qual a criança vai modificando a sua posição discursiva e se constituindo na/pela língua, subjetivando-se, até assumir seu lugar enquanto falante.

Diante dos estudos de Cavalcante (1999; 2003a; 2003b) e Scarpa (1985; 1990; 1991; 1996; 1999; 2001; 2005), constatamos que, durante a trajetória percorrida pela criança no processo de aquisição de linguagem, de infante para falante, as modificações da fala materna com ênfase na prosódia, ocorridas de acordo com os contextos interativos e com o passardo tempo, facilitam o engajamento da criança no diálogo e seu acesso à língua.

Além da relevância apontada por Cavalcante e Scarpa referente às modificações da fala materna durante o processo de aquisição da linguagem infantil, apresentaremos os recursos não-verbais e sua relação com a voz/prosódia, tomando como base, autores como Cavalcante (1994), Rector e Trinta (1990), Locke (1997) e Montagu (1988), entre outros.

2. 2 A linguagem do corpo: os movimentos e o tocar na interação

Sabemos que os recursos não-verbais ou não-lingüísticos utilizados no processo interativo podem vir ou não acompanhados de vocalizações. Podemos observar, ao analisar os episódios interativos entre mãe-crianças gêmeas, cega e vidente, uma diversidade de recursos não-verbais, que indica significativa dimensão da linguagem não-verbal. Entre esses recursos, podemos mencionar: os gestos, como o gesto de apontar, os movimentos corporais, as expressões faciais, posturas, o direcionamento do olhar e o toque, ou melhor, o gesto de tocar, que tende a ser dimensionado nos episódicos interativos entre a díade mãe-criança cega. Considerando a existência dessa diversidade de recursos não-lingüísticos, torna-se relevante enfocar essas possibilidades da linguagem do corpo. É o que pretendemos, neste tópico. Em relação ao gesto de apontar, Cavalcante (1994) realizou estudo do tipo longitudinal bastante significativo, considerando a transição do período pré-lingüístico à aquisição da linguagem verbal da criança.

A autora (op. cit.) concebe o gesto de apontar como elemento de um processo de co-construção diádica e sugere que a trajetória gestual realiza-se por meio de um processo de construção social. Ao observar esta trajetória, Cavalcante (op. cit.) constata uma diversidade na configuração física do gesto de apontar. Além do gesto de apontar convencional (extensão de braço e dedo indicador em direção a um objeto) e do apontar exploratório (apontar convencional com o dedo indicador tocando no objeto que o gesto discrimina), já mencionados na literatura, a autora evidencia outras configurações físicas deste gesto, ampliando suas tipologias morfológicas. Descreveremos abaixo algumas das outras formas que o gesto de apontar assumiu no decorrer das interações, conforme os dados encontrados pela autora.

- Apontar com dois dedos: o dedo mediano acompanha o dedo indicador na posição

semifletida.

- Apontar com três dedos: o dedo indicador encontra-se estendido e os dedos mediano

e anelar acompanham o gesto na posição semifletida.

- Apontar com toda a mão: todos os dedos da mão estão estendidos em direção a um

objeto, mas o dedo indicador permanece em posição de maior extensão em relação aos demais.

- Insistência gestual: envolve o apontar convencional em cadeia, ou seja, um após o