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IV. Os Episódios interativos com gêmeos, cego e vidente: uma análise

4.2 Segundo momento da análise: díade mãe-criança vidente (C2)

Com o intuito de compreender e descrever as diferenças e semelhanças entre a interação mãe-criança cega (C1) e a interação mãe-criança vidente (C2), partiremos, agora, para a análise referente ao segundo momento proposto, ou seja, entre a díade mãe-criança vidente (C2). Neste momento, procuraremos identificar e descrever os traços prosódicos da fala materna, as posturas gestuais e as atitudes lingüísticas da mãe na relação de interação com o filho vidente.

O primeiro episódio interativo que analisaremos entre esta díade característica mostra uma situação de interação típica, na qual a mãe ocupa o papel de intérprete, após inúmeras emissões da criança.

Episódio 10

Cena Interativa: Mãe dando banho na criança vidente (C2). Enquanto a mãe dava banho em C2, a criança cega permanecia parada segurando o vestido da mãe.

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2) 1

((Olha para investigadora))

∪ε∪δε∪δε∪ι (inc) (2s) 2 Olha para C2 e ri Tira a cueca de C2 ∪κι∪Ε∪ισυ ∪κι ∪τυ ∪ται φα∪λα)δυ α)// qui é issu qui tu tai falando ã?

Olha para a investigadora e aproxima-se dela.

ϖα∪μυιστι∪ρα∪α κυ∪Εκα (2s)// vamus tira a cueca? (intensidade fraca) α∪σι)∪ //λΕ∪ϖα)λΕ∪ϖα)τα (2s)// assim ó. levan levanta.

3 Olha para a C2, ri rapidamente e puxa a criança pelo braço, aproximando-a do chuveiro e ensaboando-a. ∪μευ∪δευ//ϖε)ι)∪κα//∪ϖε)ι)ι)σαβυ∪α// meu deu! vem cá. vem insabuá (enfática) (enfática)

∪ϖε)ι))//∪καυμα//∪καυμα//∪ϖε)ι)∪κα// vem. calma. calma. vem cá.

λΕ∪ϖα)τα∪υ∪βρασυ (1s)// levanta u braçu. ∪α∪δι∪δι∪ι:: (inc)∪ ∪δι∪υ (inc) 4 ∪Ε∪δε∪ι∪δι (inc) //∪ ∪α ∪δι ∪δι (3s) ((aproxima-se da investigadora, olhando para ela )) 5 Olha para C2, enquanto segura seu braço e ensaboa seu corpo. ∪ϖε)ι)∪κα vem cá ∪ ∪δε (inc) 6 ∪ ∪δε∪ι ((Olha para a investigadora)) 7 Olha para C2, enquanto ensaboa seu corpo ∪Ε∪Ετι∪τια (1s)// é é titia. ∪Ε 8 Olha para C2 ∪Σαματι∪τια chama titia. ((Olha para a Investigadora)) 9 ∪ ∪δετι∪τιυ) ((Olha para investigadora, em seguida desvia o olhar)) *Turno

Esse episódio caracteriza uma situação típica de interação entre a mãe e a criança vidente. Inicialmente, observamos que a atitude lingüística materna ignorava as emissões da criança, pois a mãe estava centrada na situação de dar banho em C2, conforme veremos nos primeiros turnos. Após inúmeras emissões da criança, a atitude lingüística materna consiste em interpretar, em dar sentido aos fragmentos emitidos por C2.

No turno 1, ao olhar para a investigadora, a criança emite alguns fragmentos: [∪ε ∪δε //∪δε ∪ι (inc)], que são incompreensíveis para mãe, o que pode ser observado pelo próprio enunciado da mesma [∪κι ∪Ε ∪ισυ ∪κι ∪τυ ∪ται φα∪λα)δυ], no turno 2, mas a mãe, sem dar pausas, não permite que a criança responda e solicita, em forma de convite, que a criança tire a cueca [∪ϖα)μυισ τι∪ρα ∪α κυ∪Εκα].

Ainda mantendo o olhar para investigadora, C2 emite fragmentos como se observa no turno 3 [∪α ∪δι ∪δι ι:: (inc)], a que a mãe, centrada no dar banho, não dá atenção, interrompendo o turno da criança ao falar [∪μευ ∪δευ//∪ϖε)ι)∪κα ϖε)ι)]. Com a intenção de chamar a atenção de C2, utiliza uma fala enfática, observada nos enunciados maternos, expressos no turno 3: [∪καυμα] [∪καυμα]. Este tipo de fala, segundo Cavalcante (1999), é caracterizada por uma modulação vocal marcada pela ênfase. Após a tentativa de chamar a atenção da criança, a mãe solicita que ela se aproxime, como no enunciado: [∪ϖεΙ) ∪κα] e que levante o braço [λΕ∪ϖα)τα ∪υ ∪βρασυ], ainda no turno 3. No entanto, a criança permanece com a atenção voltada para a investigadora e emite mais fragmentos [∪Ε∪δε∪ι∪δι (inc)//∪ ∪α ∪δι ∪δι], presente no turno 4. A mãe ignora esses fragmentos e diz: [∪ϖε)ι) ∪κα], como se observa no turno 5. Somente após a emissão de C2 : [∪ ∪δε ∪ι] no turno 6, a mãe interpreta esses fragmentos antes vistos como incompreensíveis, no momento em que diz [∪Ε ∪Ε τι∪τια], daí C2 afirma, recortando um significante emitido pela mãe, [∪Ε] e, em curto período de tempo, a mãe torna a falar [∪Σα)μα τι∪τια] e a criança desloca-se, emitindo o significante [∪ δετι∪τι], como se observa no turno 9.

Pode-se dizer que a fala materna gerou efeito na fala da criança, uma vez que C2 deslocou-se no diálogo, assemelhando a fala da mãe. Segundo De Lemos (1999b), esse movimento de assemelhamento à fala do outro ocorre à medida que há um deslocamento do falante em relação à sua fala e à fala do outro.

Constatamos que, neste episódio, os fragmentos, que eram incompreensíveis e aparentemente sem sentido, graças à atividade interpretativa materna ganharam estatuto significativo.

No próximo episódio entre a díade mãe-criança vidente, observaremos mais uma vez o papel de intérprete materno, mas primeiramente veremos a presença de gestos integrados à fala materna, refletindo sobre eles.

Episódio 11

Cena interativa: Mãe e crianças no quarto. C1 estava deitada no berço. Mãe chama C2, solicitando a aproximação da criança.

Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias

T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia Postura gestual (C2) 1 Olha e chama C2, sinalizando com a mão.

∪ϖε)ι)∪κα∪ϖε)ι) (3s) vem cá vem. Aproxima-se da mãe 2

Olha para o berço e aponta com o dedo indicador para C1, que está deitada no berço. C1//∪δα∪υ)∪Σειρυ∪νελι (2s)// ó C1. dá um cheiru neli. Aproxima-se do berço e pega na fralda de C1 pela grade. 3 ∪Εδα∪δα (1s) é dada. 4 ο∪ο

((Olha para mãe e em seguida para C1, continuando pegando em sua fralda.))

5

τε)ι)κο∪κο∪να)υ// tem cocô nãu. 6 ο∪ο ((Olha para investigadora)) 7 ∪να)υ∪νΕκο∪κο//∪νυ)τε)ι)κο∪κο/.../ nãi né cocô. num tem cocô. *Turno

Nesse episódio, há dois tipos de gestos, o gesto de apontar e o movimento de abrir e fechar a palma da mão (gesto indicativo de chamar) integrados à fala materna, conforme observamos nos dois primeiros turnos da interação dialógica entre a mãe e a criança vidente (C2).

No turno 1, a mãe olha para a criança e a chama, fazendo com a mão o gesto indicativo de chamar e simultaneamente diz: [ϖε)ι)∪κα∪ϖε)ι)], com uma entonação descendente. Vemos aí, o gesto associado à fala. C2, por sua vez, atende ao pedido da mãe, aproximando-se dela.

No turno 2, ocorre uma situação semelhante: a mãe aponta com o dedo indicador para C1 e fala para C2: [∪ C1//∪δα∪υ)∪Σειρυ∪νελι]. Dessa vez, C2 aproxima-se do irmão, pegando em sua fralda pela grade do berço. Nesse turno, a mãe utilizou o gesto de apontar convencional, segundo a literatura (ver CAVALCANTE, 1994), para mostrar C1 a C2.

Esses turnos mostram que a mãe fala com C2 por meio de palavras, gestos e olhares. Aqui, todo seu corpo fala. Os enunciados emitidos pela mãe e seus gestos formam um sistema integrado, dando vida e movimento ao diálogo.

De acordo com Kerbrat-Orecchioni (1990), a comunicação humana é multicanal, uma vez que é constituída por palavras, gestos, inflexões e olhares, entre outros recursos comunicativos.

Poderíamos dizer que a mãe faz uso de diferentes canais comunicativos em sua interação com C2, considerando que, neste episódio, a comunicação materna foi constituída por palavras, gestos e olhares. A mãe comunicou-se com C2 com o uso da linguagem verbal e da não-verbal. Vemos aí a funcionalidade da integração desses tipos de linguagem na interação.

Outro ponto que gostaríamos de destacar é a presença do papel de intérprete materno neste episódio interativo. Veremos mais uma vez a atitude lingüística materna de buscar dar sentido aos fragmentos emitidos por C2.

C2, pegando na fralda de C1, olha para mãe e em seguida para o irmão e diz (turno 4): [ο∪ο]. Diante desta emissão de C2, a mãe fala (turno 5): [τε)ι) κο∪κο ∪να)υ]. Este enunciado materno sugere uma interpretação do fragmento dito pela criança como sendo a palavra “cocô”. De acordo com De Lemos (1982, 1986a, 2001), o fragmento infantil foi posto em circulação e interpretado pela mãe.

Vale salientar que a entonação, ou melhor, o acento tonal utilizado por C2 ao vocalizar [ο∪ο] e a postura gestual de pegar na fralda de C1, ou seja, o apontar exploratório, conforme descrevemos no capítulo II com base em Cavalcante (1994), contribuíram para que a mãe realizasse este tipo de interpretação.

Assim, podemos dizer que a interpretação materna em relação à fala da criança foi possível graças à observação da entonação e da postura gestual, que contextualizou a situação interativa.

Constatamos, neste episódio, diferentes estratégias interativas utilizadas pela mãe ao se dirigir a C2. Além da linguagem verbal, com sua entonação característica, vimos o uso de gestos integrados à fala materna, dando vida e movimento à cena interativa, ou melhor, à interação dialógica.

Mostraremos, abaixo, outro episódio entre a díade mãe-criança vidente (C2) sobre o qual lançaremos mais um olhar a respeito da postura gestual e da fala materna dirigida à C2.

Episódio 12

Cena interativa: Mãe dando banho na criança vidente (C2) no tanque Idade: 2 anos e 25 dias

T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia/Postura gestual (C2) 1 Pega a vasilha, que está na mão de C2.

(intensidade fraca)

∪δε∪πα μα)μα)ι)Ζ ∪γα∪αγυα// dê pa mamãi jogá água.

Solta a vasilha da mãe e permanece em pé de costas para mãe.

2

Silêncio 9 segundos

Brinca com a saboneteira.

3

Franze a testa. Fecha mais a torneira.

(intensidade forte na 1ª palavra)

∪να)υηα∪παι//α∪σι)τα)∪βε)ι)∪Ζα∪Ε nãu rapai. assim também já é

δι∪μαι (7s)// dimai.

Olha para a torneira e fecha ainda mais.

4

Olha para C2

∪ϖαιλι∪γα∪ατοη∪νειρα (2s)// vai ligá a torneira?

Abre mais a torneira

5 Olha para C2 Fecha a torneira (aumenta a intensidade) ∪να)υπα∪ι)υ)//α∪σι)∪να)υ// nãu painhu. assim nãu.

Permanece em pé de costas para a mãe. Brinca de encher a saboneteira na torneira

6

Silêncio – 16 segundos Brinca com a água.

7 ∪ϖε)ι)∪κα (4s)// vem cá. 8 Carrega a criança, colocando-a em pé do lado de fora do tanque. ∪ϖε)ι)∪κα// vem cá 9 ειΕ 10 Olha para o pé de C2. Passa a escova no pé de C2. (intensidade fraca) ∪φικαϖο∪σεα∪κι//∪φικα α∪κι// fica você aqui. fica aqui.

Olha para o pé.

* Turno discursivo

A cena interativa deste episódio está relacionada a uma situação na qual a mãe dá banho na criança vidente (C2) no tanque.

No 1º turno, a mãe fala: [∪δε∪πα μα)∪μα)ι) Ζο∪γα∪αγυα] com uma intensidade fraca e uma curva entonacional descendente. Vemos que, neste turno, a mãe se coloca no diálogo como uma 3ª pessoa. Cavalcante (2005) sugere que, nesta situação, a mãe posiciona-se no diálogo como narradora e expectadora de sua própria ação. Enquanto fala este enunciado, a mãe pega a vasilha da mão de C2. A criança permanece em pé, de costas para a mãe.

Durante um silêncio de 9 segundos (turno 2), C2 brinca com a saboneteira e momentos depois abre mais a torneira.

Em relação a esta última postura da criança, a mãe ocupa o turno 3 e diz: [∪να)υ ηα∪παι//α∪σι) τα)∪βε)ι)∪Ζα∪Ε δι∪μαι] utilizando uma intensidade forte e um contorno entonacional descendente. Neste turno, a fala materna veio acompanhada de uma expressão facial (testa franzida). Aqui, a fala materna com suas marcações prosódicas e expressão facial caracterizaram uma situação interativa de repreensão e de reprovação diante da ação de C2 de abrir demasiadamente a torneira. Enquanto repreende, a mãe fecha mais a torneira, momento em que C2 olha para a torneira, fechando-a ainda mais. Vale salientar que, nesta cena, a expressão facial não poderia surtir o efeito negativo na criança, como a voz materna, uma vez que C2 encontrava-se de costas para a mãe, impossibilitada de ver a expressão facial.

Vemos, neste turno, a integração da voz materna com a expressão facial na situação interativa. Locke (1997) propõe que há uma harmonia entre os movimentos faciais e a voz humana, os quais tendem a se tornar um sistema unificado. Nossos dados entre a díade mãe-C2, como constatamos no turno 3 deste episódio, confirmam a idéia do autor, uma vez que a voz (intensidade forte com contorno entonacional descendente) e o movimento facial (franzir testa) encontram-se inter-relacionados e em harmonia, ou seja, em sintonia com o contexto interativo de repreensão e de reprovação.

Após uma pausa longa de 7 segundos, a mãe, olhando para C2, pergunta (turno 4): [∪ϖαι λι∪γα∪α τοη∪νειρα] com a entonação ascendente e a inserção de uma pausa de 2 segundos. C2, sem responder verbalmente ou por gestos, executa a ação de abrir mais a torneira.

No turno 5, a mãe mais uma vez aumenta a intensidade e repreende a ação da criança ao dizer: [∪να)υ∪παι)υ)//α∪σι)∪να)υ]. Dessa vez, sem franzir a testa, apesar de se encontrar com a expressão facial tensa e a fisionomia séria, enquanto C2 continua na mesma posição, em pé de costas para a mãe, brincando de encher a saboneteira na torneira. A mãe, por sua vez, fecha a torneira.

Após um período de silêncio de 16 segundos (turno 6), no qual a criança brinca com a água, a mãe chama C2 ao falar (turno 7): [ϖε)ι)∪κα], dando uma pausa de 4 segundos. Sem perceber nenhuma movimentação da criança, chama-a novamente (turno 8): [ϖε)ι)∪κα], dessa vez sem esperar a aproximação de C2, carrega a criança, colocando-a em pé do lado de fora do tanque. Momento em que C2 vocaliza o fragmento (turno 9): [ειΕ] sobre o qual a atitude lingüística materna mostrou-se indiferente, uma vez que a mãe o ignorou e

conseqüentemente não o interpretou. Diferentemente dos episódios anteriores, aqui a mãe não assumiu seu papel de intérprete da fala infantil.

Os registros desta cena interativa sugerem que a indiferença da mãe em relação ao fragmento emitido por C2 está relacionada à atenção materna, que se encontra focalizada no banho da criança. Podemos observar melhor essa questão ao analisar o turno 10, no qual a mãe, olhando o pé de C2, sem desviar sua atenção do banho, diz : [∪φικα ϖο∪σε α∪κι//∪φικα α∪κι] com uma intensidade fraca e com curvas entonacionais descendentes, caracterizando uma situação de pedido. Neste momento, a mãe passa a escova no pé de C2, a criança observa esta ação materna, olhando para seu pé.

Neste episódio, percebemos modificações prosódicas maternas, por meio de variações de intensidade (fraca-forte) de acordo com o contexto interativo. A intensidade mais forte estava presente na fala materna diante de situações de repreensão e reprovação, de tal forma que chamasse a atenção de C2.

Ainda com o enfoque na postura gestual e na fala da mãe dirigida à C2, ou seja, na atitude lingüística materna diante de gestos, fragmentos emitidos e direção de olhar da criança, apresentaremos outros episódios interativos entre a díade mãe-criança vidente.

Episódio 13

Cena interativa: Mãe brincando com as crianças no chão da sala. C2 brinca com uma bolsa escolar, a qual a mãe pede para guardar.

Idade: 2 anos, 1 mês e 21 dias

T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2) 1 Olha para C2 e estende o braço com a palma da mão para cima. μι∪δα∪πραμα)∪μα)ι) γυαη∪δα (2s)// mi dá pra mamãi guarda.

2

∪δα∪πραμα)ι)αγυαη∪δα//∪δα (4s)// dá pra mainha guarda. dá.

Vira de costas e afasta-se da mãe com a bolsa na mão, deslizando-a com suas rodinhas no chão.

3

Estende o braço.

∪δα∪πραμα)ι)αγυαη∪δα (4s)// dá pra mainha guarda.

4

((Olha para a bolsa))

(inc) α∪κι∪υ

5

Olha para C2 (enfática)

∪Ε∪α∪βοσα (2s)// é a bolsa. 6 Pega outra bolsa e olha para C2 Olha para C2 e estende o braço com a bolsa na mão.

(velocidade de fala rápida) ∪ α//∪β ραβυ∪ταναΣ∪κ Στα∪Εσα// oa. bora butá nas costa essa.

(1s)//∪ϖε)ι)∪κα//∪β τα∪ναΣ

ó. vem cá. bota nas

∪κ Στα (4s)// costa.

Olha para a mãe

7

∪κΕ∪να)υ∪Εσα//∪κΕ∪να)υ∪Ε (1s)// qué nãu essa? qué nãu é?

8

υ)

((discretamente

movimenta a cabeça de um lado para outro e olha para mãe, repete o movimento e em seguida olha para a bolsa que está segurando.)) 9 Olha para C2 ∪ποΣα (5s)// poxa! 10 Coloca a bolsa na cadeira, olha para o objeto. ∪ϖο∪β τα∪Ελαα∪λι//∪τυ∪να)υ∪κΕ vô bota ela ali. tu nãu qué

∪Ελα (3s)// ela.

Aproxima-se da

cadeira, pega a bolsa, olhando para a mesma.

11 Olha para C2 e para a bolsa. ∪ποισ∪μι∪δε//ϖο∪σε∪νυ)∪κΕ// pois mi dê. você num qué.

∪μι)∪δε mim dê.

mãe e afasta-se dela.

*Turno discursivo

No episódio acima, a mãe realiza movimentos gestuais de estender o braço, seja para pedir a bolsa à criança, seja para mostrar o objeto a C2.

Além disso, a fala materna é marcada no diálogo pela alternância entre a terceira e a primeira pessoa, ou seja, em alguns momentos da interação dialógica, a mãe é alguém de quem se fala (mamãe/mainha) e em outros se posiciona como interlocutora (eu), conforme diz Cavalcante (2005).

No turno 1, a mãe, olhando para C2, estende o braço com a palma da mão virada para cima e diz: [∪μι∪δα∪πρα μα)∪μα)ι) γυαη∪δα] com curva entonacional descendente e inserção de uma pausa de 2 segundos. Vemos que a mãe coloca-se neste discurso como interlocutora (mi) e como alguém de quem se fala (mamãe). Nesta cena, o enunciado materno e o movimento do braço da mãe caracterizam uma situação de pedido.

Sem observar algum movimento de resposta de C2 de entregar a bolsa, a mãe novamente solicita o objeto, com o enunciado (turno 2): [∪δα∪πρα μα)∪ι)α γυαη∪δα] com um contorno entonacional descendente.

No entanto, C2 não atende ao pedido, uma vez que se vira e afasta-se da mãe, deslizando as rodinhas da bolsa no chão. No turno 3, a mãe novamente estende o braço, retomando o enunciado anterior: [∪δα∪πρα μα)∪ι)α γυαη∪δα] mantendo a curva entonacional descendente.

Observamos que, nos turnos 2 e 3, a fala materna encontra-se apenas marcada pela terceira pessoa. Com base em Cavalcante (2005), nesses turnos, há uma “mãe” inserida no diálogo que não coincide com aquela que anuncia. Aqui, a mãe não assume seu lugar de sujeito (eu) na interação dialógica.

Olhando para a bolsa, C2 diz (turno 4): [(inc) α∪κι∪υ]. A mãe, por sua vez, olha para a criança e nomeia enfaticamente o objeto, ao dizer (turno 5): [∪Ε∪α∪βοσα]. Este enunciado falado pela mãe, sugere que ela buscou dar sentido ao fragmento emitido por C2, considerando que o olhar da criança estava direcionado para o objeto/bolsa.

No turno 6, a mãe pega outra bolsa e olha para C2, dizendo: [∪β ρα βυ∪τα∪ναΣ∪κ Στα ∪Εσα] com uma velocidade de fala rápida e uma curva entonacional descendente. No entanto, a criança não atende ao pedido da mãe, a qual insiste mais uma vez, como se observa em seu discurso: [∪β τα∪ναΣ∪κ Στα], seguido de uma pausa de 4 segundos. Neste momento, a mãe estende a bolsa para C2, olhando para a criança e pergunta (turno 7): [∪κΕ∪Εσα∪να)υ], [κΕ∪εσα∪να)υ∪Ε], usando contornos entonacionais ascendentes característicos de indagações. Essas perguntas possibilitaram a criança posicionar-se na interação dialógica, ocupando o turno 8 no diálogo. Neste turno, C2 vocaliza [∪υ)] e discretamente movimenta a cabeça de um lado para outro, expressando negação. Diante desse movimento de resposta da criança, a mãe põe a bolsa na cadeira. C2, por sua vez, aproxima-se da cadeira e pega a bolsa. A mãe olha para a criança e para o objeto, dizendo (turno 11): [ποισ∪μι)∪δε], [ϖο∪σε∪νυ)∪κΕ//∪μι)∪δε], C2 entrega a bolsa para a mãe. Vemos que, nestes enunciados, a mãe se posiciona ocupando o lugar da primeira pessoa no diálogo. Aqui, a mãe ocupa seu lugar de sujeito no diálogo, como propõe Cavalcante (op.cit.). Este lugar marca uma posição de aproximação da mãe em relação à criança na interação dialógica.

Conforme dissemos, neste episódio interativo a fala materna dirigida à C2 apresenta-se na interação dialógica marcada pela alternância entre a terceira e a primeira pessoa.

Para finalizar o segundo momento da análise, apresentaremos o episódio interativo 14 entre a díade mãe-criança vidente, no qual esta se encontra bastante participativa, utilizando diferentes estratégias interativas, principalmente o gesto de apontar integrado a vocalizações.

Episódio 14

Cena interativa: Mãe e criança vidente (C2) sentadas em cadeiras ao redor da mesa. Enquanto, a mãe faz colagens de gravuras em um caderno, C2 manipula a lanterna de C1.

Idade: 2 anos, 4 meses e 17 dias

T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia/ Postura gestual (C2)

1

Ε∪τα∪λυι∪μα)ι)// ó eta lui mãi

((Estica o braço com a lanterna na mão em direção à mãe, olhando para ela))

2 Pega a lanterna da mão de C2, colocando-a sobre a mesa ∪Ε∪α∪λυΣ//μι∪δε//∪ϖου βυ∪τα é a luz. mi dê. vou butá α∪κι∪πραδα∪δαι∪νυ)πΕ∪γα// aqui pra dadai num pega. ∪σΕητυ//  certu? 3 . ∪δα Ε∪τα ∪λυι// dá etá lui ((Aponta com o dedo indicador para a lanterna)) 4 μα)∪μα)ι) γυαη∪δο// mamãi guardo. 5 ∪μα)ι)∪α∪λυι// mãi a ui

((Aponta com a mão esticada em direção a luz)) 6 Pega a lanterna e olha para C2, estende o braço com a lanterna na mão e acende a luz. ∪ α∪κι∪ // ó aqui ó. 7 ∪δαΕ∪τα∪λυι// dá eta lui

((Toca com os dedos na lanterna)) 8 Olha para C2 e afasta a lanterna da criança ∪προ)τυ ∪Ζα ∪ϖιυ// pronto já viu.

9

(intensidade de voz bastante elevada - grito) ∪μα)ι)

((Aponta com o dedo indicador e o anular para a lanterna)) 10 Torna a colar as gravuras no caderno ∪να)υ ∪π δι ∪να)υ//τι∪τια∪βριγα// nãu podi nãu. titia briga.

∪να)υ//∪νυ) τε)ι) ∪ναδα ∪να)υ// nãu. num tem nada nãu. ∪πρα ∪κε ϖο∪σε∪κΕ ∪α ∪λυΣ//

pra que você qué a luz?

ισα∪ι∪ //((Aponta com o dedo indicador e o anular para o objeto))

(grita) σα∪ιμα)ι)α//

((aponta com a mão aberta em direção ao objeto))

α∪ι∪δα∪λυι

((puxa a toalha da mesa))

*Turno discursivo

O fragmento do episódio acima é rico em gestos de apontar. Observamos que C2 utiliza diferentes tipologias deste ao interagir com a mãe, com o intuito de que ela lhe entregue a lanterna de C1, que a mãe colocara fora de seu alcance, conforme podemos observar ao analisar os turnos dialógicos entre a díade mãe-criança vidente (C2).

Enquanto a mãe realiza colagens de gravuras em um caderno, no turno 1, C2, olhando para a lanterna, estende o braço com o objeto na mão em direção à mãe e diz: [∪ ∪Ετα∪λυι∪μα)ι)]. Neste momento, a mãe pega a lanterna da mão de C2, colocando-a sobre a mesa, enquanto diz (turno 2): [∪ϖου βυ∪τα α∪κι ∪πρα δα∪δαι∪νυ) πΕ∪γα//∪σΕητυ]. Vemos que a mãe utiliza a 1ª pessoa ao se incluir em seu discurso (Ver Cavalcante, 2005).

C2, por sua vez, solicita para a mãe a lanterna com seu discurso (turno 3): [∪δα∪Ετα∪λυι] e apontando com o dedo indicador para o objeto, ou seja utiliza o gesto de apontar convencional de acordo com a literatura (Ver Cavalcante, 1994).

No turno 4, ao analisarmos o enunciado materno: [μα)∪μα)Ι γυαη∪δο], com base em Cavalcante (2005), podemos dizer que a mãe distancia-se de interlocutora ao se colocar no diálogo como 3ª pessoa, como alguém de quem se fala (mamãe).

C2 solicita novamente a lanterna ao dizer (turno 5): [∪μα)ι)∪α∪λυι] e apontar com a mão esticada para o objeto. Cavalcante (1994) denominou esta tipologia gestual como apontar com toda a mão, uma vez que todos os dedos estão estendidos em direção a um objetivo. Diante da solicitação da criança, a mãe pega a lanterna, olha para C2, estica o braço como o objeto na mão, acende sua luz e diz (turno 6): [∪ α∪κι∪ ], mostrando a lanterna. C2 insiste em que a mãe lhe dê a lanterna com o discurso (turno 7): [∪δα∪Ετα∪λυι], dessa vez toca com os dedos na lanterna, ou seja, realiza o gesto de apontar exploratório, descrito na literatura (ver Cavalcante, 1994).

No turno 8, a mãe, sem atender o pedido da criança, afasta a lanterna de C2. Em seguida, a criança, utilizando uma intensidade de voz bastante forte, grita (turno 9): [∪μα)Ι] e aponta com o dedo indicador e o anelar para a lanterna, utiliza dois dedos ao apontar para o objeto. Este tipo de apontar é distinto da configuração física do gesto de apontar com os dois dedos, observada por Cavalcante (op. cit.) em seus dados, nos quais o gesto de apontar com dois dedos envolve o dedo mediano acompanhado do dedo indicador na posição semifletida. No turno 10, C2 entra no turno da mãe no diálogo, no qual a mãe cola gravuras no caderno. Simultaneamente ao discurso falado pela mãe, [/.../∪βριγα//∪να)υ//∪νυ)∪τε)ι) ∪ναδα∪να)υ /

...

/], a criança com uma intensidade forte, gritando, diz: [ σα∪ι μα)ι)α// α∪ι ∪δα ∪λυι] e simultaneamente aponta com os dedos indicador e anelar para o objeto da mesa, ou seja, realiza dois tipos de gestos em cadeia, um após o outro. Esta situação é distinta da insistência gestual, descrita por Cavalcante (op. cit.), que envolve o apontar convencional em cadeia. Neste caso, vemos uma insistência gestual diversificada, primeiramente um apontar com dois dedos e depois um apontar com toda a mão. Além dessa insistência gestual, observamos uma relação de sintonia entre a voz (com uma intensidade forte) e a constância do gesto de apontar.

Ao longo desta cena interativa entre a díade mãe-criança vidente, constatamos que o gesto de apontar veio associado a emissões da criança, que em alguns momentos apresentavam-se com uma voz de intensidade bastante forte, em forma de grito. Essa sintonia entre gesto e voz teve o papel de chamar a atenção da mãe, de tal forma que ela atendesse o pedido da criança.

Nesse segundo momento da análise, focamos nosso olhar para os episódios interativos entre a díade mãe-criança vidente (C2). Ao analisá-los, buscamos identificar e descrever os traços prosódicos da fala materna, a postura gestual e a atitude lingüística da mãe na interação

dialógica com C2, com o intuito de compreender e descrever as diferenças e semelhanças