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IV. Os Episódios interativos com gêmeos, cego e vidente: uma análise

4.1 Primeiro momento da análise: díade mãe-criança cega (C1)

Episódio 1

Cena interativa: Mãe ensinando a criança cega (C1) a andar independente no quintal da casa. C1 demonstrou bastante insegurança no momento em que a mãe posicionou-a para andar, soltando sua mão em seguida.

Idade: 1 ano, 8 meses e 15 dias

T* Postura gestual (mãe) Fala/Prosódia (mãe) Fala/ Prosódia/ Postura gestual (C1) Posiciona C1 para andar no chão Solta a mão de C1 e caminha para trás com os braços erguidos (enfática) ∪να)υ//∪καυμα//∪καυμα//∪Ε∪να)υ// nãu calma calma é nãu

(cadência

mais lenta)

μα)∪μα)ι)∪ταα∪κι//∪ϖε⎟α//∪ϖε⎟α∪πρα mamãi tá aqui venha venha pra

(cadência de fala lenta) μα)∪μα)ι)//∪ϖε⎟α∪πραμα)μα)ι)//∪Σεγα∪πρα

Choraminga

Reclama e chora

1

Olha para C1.

mamãi venha pra mamãi chega pra

(cadência lenta)

μα)∪μα)ι)//∪ϖε)α//∪ϖε)α∪πραμα)μα)ι)//ϖε)α// mamãi venha venha pra mamãi venha

(enfática) (falsetto e

intensidade fraca)

μα)∪μα)ι∪τα α∪κι//∪ϖε)α //∪ϖε)α∪πρα mamãi tá aqui venha venha pra

(fasetto e intensidade fraca) μα)∪μα)ι)//∪Σεγα//∪ϖε))ι)∪πραμα)∪μα)ι)// mamãi chega vem pra mamãi

* turno discursivo

Neste episódio, como podemos observar, a mãe posiciona a criança para andar no chão do quintal. C1, por sua vez, choraminga, reclama e chora, demonstrando medo e insegurança. É natural que crianças cegas apresentem esses sentimentos ao ter que se locomover no espaço físico, uma vez que não podem contar com a visão, sentido primordial enquanto guia de orientação da criança vidente no espaço, conforme sugere o documento do MEC (BRASIL, 2003).

No entanto, mesmo diante do desconforto apresentado por C1, a mãe (turno 1) insiste e solicita que a criança tenha calma com uma fala enfática, termo empregado por Cavalcante (1999) à produção vocal saliente através da ênfase. Em seguida, a mãe solta a mão de C1, caminhando para trás com os braços erguidos. Ao caminhar, fala com a criança, inserindo-se no diálogo no lugar da terceira pessoa, ou seja, como alguém de quem se fala (mamãe). Segundo Cavalcante (2005), esta fala caracteriza um distanciamento da mãe de seu lugar de interlocutora na dialogia.

A fala materna dirigida à C1 apresenta-se com marcações prosódicas diferenciadas. Entre elas, encontramos uma cadência de fala lenta nos enunciados: [μα)∪μα)ι)], [∪ϖε)α∪πρα μα)∪μα)ι)], [∪Σεγα∪πρα μα)∪μα)ι)]; a ênfase, ao dizer [α∪κι], marcando, prosodicamente, com uma fala enfática, seu lugar no espaço, que se encontra próximo à criança. Além desses traços prosódicos, evidenciamos o falsetto acompanhado de uma intensidade fraca nos discursos: [ϖε)α], [∪Σεγα] e [∪ϖε)ι) ∪πρα μα)μα)ι)]. Outro ponto de destaque, nesta situação de interação, são os contornos entonacionais descendentes

observados em todos os enunciados maternos. C1, por sua vez, acompanha o movimento da mãe ao caminhar em sua direção com os braços estendidos.

Esta cena interativa sugere que a voz materna, com suas marcações prosódicas características, funcionou como uma estratégia fundamental e como um excelente guia para a criança cega caminhar, ou melhor, locomover-se e orientar-se no espaço físico.

Diante disso, além de seu papel como guia de inserção da criança no diálogo, destacado por Scarpa (1991; 1996; 2005) e Cavalcante (1999), a prosódia pode servir como um guia para a criança, em especial a cega, orientar-se e locomover-se adequadamente no espaço físico, como sugere este episódio interativo.

Com suas marcações prosódicas, a fala materna dirigida ao filho cego funcionou como organizador espacial, ou melhor, como pista de referência para a localização espacial.

Neste momento, lançaremos um olhar sobre outro episódio entre a díade mãe-criança cega: cena na qual C1 caminha pela casa independente. Analisaremos as estratégias interativas utilizadas pela mãe, ainda com ênfase na prosódia.

Episódio 2

Cena interativa: A mãe encontra-se sentada na cadeira com C2 em seu colo, enquanto esta toma seu leite na mamadeira. C1 caminha pela casa, segurando na parede e móveis.

Idade: 1 ano e 9 meses

T* Postura gestual (mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia/ Postura gestual (C1) 1

Olha para C1 (intensidade fraca)

∪ϖε)ι)∪κα (6s)// vem cá

Caminha pela casa, segurando na parede. 2 Olha para C1 ∪ϖαι∪πρα∪δο)δι (3s)// vai pra dondi?

Permanece de costas para mãe, segurando na parede ao caminhar.

3 Olha para C1 ∪ϖε)ι) (2s)//∪ϖε)ι)∪πραμα)∪μα)ι) vem vem pra mamãi ∪ϖε)ι)(2s)//βα∪τε:υ (3s)// vem bateeu. σι∪γυρα (5s)// sigura.

Continua a caminhar até bater em um móvel da casa.

Retorna a andar, segurando no móvel.

4

Olha para C1 (intensidade fraca)

∪ϖε)ι)∪κα (1s)//∪Ε∪αΖελα∪δερα

vem cá é a geladera. Caminha até pegar na geladeira

* Turno discursivo

Nesta cena interativa, enquanto a criança vidente (C2), sentada no colo da mãe, toma seu leite na mamadeira, C1 caminha pela casa.

A mãe, cuja atenção estava voltada ao movimento da criança cega pela casa, acabou não estabelecendo uma interação favorável com C2. Desse modo, neste fragmento do episódio, olharemos apenas a interação entre a mãe e C1.

Enquanto C1 caminhava pela casa, a mãe mantinha o olhar voltado para a criança, observando todo o seu movimento e colocando-se no diálogo como terceira pessoa (turno 3), como alguém de quem se fala, conforme diz Cavalcante (2005). Mas, diferentemente do episódio anterior, aqui, a fala materna não se encontra mais marcada prosodicamente por cadência lenta, ênfase ou falsetto.

Neste episódio, as marcações prosódicas são delimitadas pelas pausas constantes. Em dois momentos específicos, ao solicitar a aproximação de C1 com o enunciado: [ϖε)ι)∪κα], nos turnos 1 e 4, a mãe fala com uma intensidade fraca, com entonação descendente e com a presença de pausas de 6s e 1s, respectivamente. No entanto, mesmo após os pedidos de aproximação da mãe, a criança continuava a andar pela casa, apoiando-se na parede e móveis. De acordo com Cavalcante (1999), o uso das pausas tem o papel de marcar o lugar de o bebê se pronunciar na interação dialógica. Conforme se mostra neste episódio, as pausas estão presentes com durações variadas: há desde pausas breves até pausas mais longas. Se fôssemos refletir a respeito de suas funções, com base em Cavalcante (op.cit.), poderíamos pensar que a maioria delas foram inseridas no discurso materno com o intuito de possibilitar uma resposta da criança, seja um movimento de aproximação com o corpo, como é esperado nos enunciados dos turnos 1 e 4, ou a entrada da criança no turno discursivo, quando a mãe

pergunta (turno 2): [∪ϖαι∪πρα∪δο)δι], com contorno entonacional ascendente e a inserção de uma pausa de 3 s. Mas, isso não ocorreu uma vez que C1 não deu atenção aos pedidos de aproximação e à pergunta da mãe, permanecendo de costas para esta e caminhando pela casa. Constatamos, nos dois episódios apresentados, que as modificações da fala materna em relação aos traços prosódicos foram bastante significativas à medida que a criança cega estava adquirindo a marcha independente.

Vimos, no primeiro episódio, que C1 sentia-se insegura para andar sozinha pela casa e era ainda muito dependente do contato físico com a mãe. Neste contexto, a fala materna foi marcada prosodicamente por meio da cadência lenta, do contorno entonacional descendente, da ênfase ou do falsetto acompanhado de uma intensidade fraca. Já no segundo episódio, diante de uma criança mais independente, capaz de andar, de se locomover livremente pela casa, sem necessitar da presença da mãe, a fala desta não apresentou a mesma riqueza prosódica do primeiro episódio. Neste segundo episódio, como observamos, a fala materna foi marcada pela inserção de pausas, por curvas entonacionais ascendentes e descendentes e, em momentos específicos, por uma intensidade fraca.

Considerando os dois episódios apresentados, podemos concluir que as modificações prosódicas na fala materna estão relacionadas à aquisição da autonomia e confiança de C1 em relação à marcha, à locomoção, à mobilidade e à orientação no espaço físico. Neste caso, podemos dizer que há uma inter-relação entre a fala/voz materna e a autonomia da criança na cena interativa.

Diferentemente dos episódios 1 e 2, que estavam centrados na atenção materna dirigida à criança cega, apresentaremos, neste momento, um fragmento de uma cena, na qual a interação está focalizada nos objetos envolvidos na atividade lúdica entre a mãe e C1.

Episódio 3

Cena Interativa: Com vários brinquedos espalhados no chão da casa, a mãe brinca com C1, ambas sentadas no chão.

Idade: 1 ano, 10 meses e 11 dias

T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/ Prosódia Postura gestual (C1) Coloca variados brinquedos na frente de C1. (enfática) Com o carrinho na boca.

1

Segura a mão de C1 para colocar sobre os brinquedos.

∪ α (3s)//∪πΕγα//∪κΕ∪να)υ (7s)

OA. pega. qué nãu?

Puxa a mão. Explora o carrinho com a boca. 2 (intensidade fraca) ∪κι∪Ε∪ισυ//∪Ε∪υκα∪ηι)υ) (inc) qui é issu? é u carrinhu.

3 Silêncio - 6 segundos Explora o

carrinho com a boca e depois joga-o. 4 ∪ει∪φοισι)∪β :ρα// ei foi simbora 5 ∪κι∪Ε∪ισυ (2s) qui é issu? Pega outro brinquedo 6 ∪κι∪Ε∪ισυ∪κι∪τυπε∪γο//ε)ι)(2s)//

qui é issu qui tu pego? heim? Coloca o brinquedo na boca, Jogando-o em seguida. 7

Põe a bola entre as pernas de C1. Pega a bola e coloca entre as pernas de C1.

Segura a bola e a mão de C1 e quica a bola no chão.

∪ϖιΖι∪φοι σι)∪β λα//∪ ×α∪υ (inc)// vixi foi simbola. olha u...

∪ ∪α∪β λα//∪Ζ γα∪α∪β λα// o a bola. joga a bola.

∪Ζ γα∪α∪β λα//∪ε∪α∪β λα∪φοι joga a bola ê a bola foi σι)∪β ρα//∪ ∪α∪β λα//∪υ)//∪πεγα// simbora. o a bola. um. pega. ∪Ζ γα∪α∪β λα∪πρατι∪τια∪ϖε// joga a bola pra titia vê.

∪Ζ γα//∪Ζ γα∪α∪β λα//∪Ζ γα∪α joga. joga a bola. joga a

∪β λα//∪κΕ∪να)υ//α∪σι)∪ //∪γο:// bola. qué nãu. assim o. gôô.

Pega outro brinquedo e joga. Pega a bola e joga. Pega a bola e fica segurando com as duas mãos. Arremessa a bola para um lado.

Entrega outro carro na mão de C1. Pega a mão de C1 e leva em direção ao carro. α∪γ ρα∪να)υ∪ϖ υτα∪μαισ//∪τα)υ agora nãu volta mais. tãu ∪λο)Ζι∪φοισι)∪β ρα∪α∪β λα//(inc) longi foi simbora a bola.

∪ ×α ∪υ∪καηυ//κα∪δε∪υ∪καηυ// olha u carru. cadê u carru?

κα∪δε//∪ ∪ελιϖου∪το: cadê? ó eli voltôô.

Pega o carro e joga.

Grita e joga o carro.

Com a mão tateia o chão, procurando o carro. Grita. Joga o carrinho no chão. Explora o chão com a mão, procurando o carro. 8 Pega a mão de C1 e coloca sobre o carro. ∪να∪φρε)τι//∪να∪φρε)τι// na frenti. na frenti. Grita. Pega o carro e joga. *Turno discursivo

No episódio interativo 3, descrito acima, a mãe brinca com C1 no chão da casa, estando a atenção materna voltada aos objetos e à ação da criança em relação a estes.

Enquanto C1 está com um carrinho na boca, a mãe coloca diversos brinquedos na frente da criança e, com uma fala enfática, seguida de uma pausa de 3 s, diz (turno 1): [∪ α]. A fala enfática pode ser usada para salientar a produção materna a fim de ser reconhecida pela criança, diz Cavalcante (1999). Conforme sugerem nossos dados, a estratégia materna de marcar prosodicamente sua produção através da ênfase, com a inserção de uma pausa de 3 s, foi utilizada para atrair a atenção da criança para os brinquedos à sua frente, e a pausa possibilitaria à C1 pegar os brinquedos.

Em seguida, fala (turno 1): [∪πΕγα]; [∪κΕ∪να)υ], neste último enunciado, a mãe insere uma pausa prolongada de 7 s, utilizando uma entonação ascendente, como se esperasse uma resposta da criança. Esta, por sua vez, não realizou nenhum movimento de resposta.

Então, a mãe pega a mão de C1 para colocar sobre os brinquedos, mas a criança puxa sua mão, continuando com o carrinho na boca.

A criança cega revela seus desejos e intenções por meio da expressão motora de suas mãos, observa Fraiberg (1979) em seus estudos com crianças cegas congênitas. Considerando esta observação, poderíamos interpretar a ação de C1 de puxar a mão como sinal de desinteresse da criança em pegar os outros brinquedos, seu interesse e atenção estavam voltados para o carrinho, que explorava com a boca.

No turno 3, C1 continua explorando o carrinho com a boca, mas joga-o em seguida. Neste momento, a criança pega outro brinquedo. A mãe, por sua vez, pergunta (turno 5): [∪κι∪Ε∪ισυ], com uma curva entonacional ascendente e inserindo uma pausa de 2 s, que possibilitaria a criança responder, mas, como isso não aconteceu, a mãe insiste na pergunta (turno 6): [∪κι∪Ε∪ισυ∪κι∪τυ πε∪γο// ε)ι) //], inserindo neste último fragmento uma pausa de 2 s. Sem responder, C1 coloca o brinquedo na boca, jogando-o em seguida.

Montagu (1988) propõe que as primeiras comunicações com o mundo exterior podem ser realizadas, gradualmente, pelo bebê por meio dos lábios. Poderíamos, então, pensar que a insistência de C1, em colocar o objeto na boca como forma de explorá-lo e manipulá-lo, serviu como um canal de comunicação, de maior proximidade da criança com objeto.

Em um momento do turno 7, a mãe põe a bola entre as pernas de C1 e fala: [∪ ∪α ∪β λα//∪Ζ γα ∪α ∪β λα//∪Ζ γα ∪α ∪β λα//]. A criança atende a solicitação da mãe e joga a bola.

A mãe pega a bola, colocando novamente entre as pernas da criança, e fala (turno 7): [∪ ∪α∪β λα//...//πΕγα//∪Ζ γα∪α∪β λα∪πρα τι∪τια∪ϖε//∪Ζ γα//∪Ζ γα

∪α∪β λα//∪Ζ γα∪α ∪β λα//], no entanto, C1 não realizou nenhum movimento para jogá-la, permanecendo com a bola nas mãos. Diante da ausência de movimento da criança, a mãe segura a bola e a mão da criança quicando-a no chão. Essa estratégia utilizada pela mãe favoreceu a C1 perceber o movimento da bola no chão.

Em um momento posterior, após jogar o carro, a criança com a mão tateia o chão procurando-o, a mãe, por sua vez, pega a mão da criança e leva em direção ao objeto; C1 volta a gritar e joga o carrinho no chão. Mais uma vez, C1 explora o chão com a mão, procurando o carro. Podemos dizer que a criança realizou um toque ativo ao explorar o ambiente por meio do toque, como sugere Montagu (1988). Ao observar novamente a postura gestual da criança de procurar o carro, a mãe indica a localização do objeto com seu discurso

(turno 8): [∪να∪φρε)τι//∪να∪φρε)τι//] e, simultaneamente, coloca a mão da criança sobre o carro.

Em relação a estas ações maternas, poderíamos pensar que a mãe realizou um gesto de apontar exploratório diferenciado do descrito na literatura. Segundo Cavalcante (1994), o apontar exploratório envolve o apontar convencional com o dedo indicador tocando no objeto que o gesto discrimina.

No caso deste episódio, a mãe provoca, na criança cega, o gesto de apontar com a palma da mão. Dessa forma, o tocar no objeto envolve toda a palma da mão da criança. Vimos, neste episódio, uma riqueza da linguagem do corpo, tanto na postura gestual da mãe, quanto nos movimentos corporais e no tocar exploratório realizado pela criança ao longo da interação.

Abaixo, mostraremos outro episódio relacionado a uma situação de brincadeira entre a díade mãe-criança cega, cuja interação também se encontra centrada no objeto.

Episódio 4

Cena interativa: Mãe tenta brincar com o caminhãozinho com a criança cega (C1), mas esta não demonstra interesse em manipular e explorar o objeto.

Idade: 1 ano 8 meses e 15 dias T*

Postura Gestual (Mãe)

Fala/Prosódia (Mãe) Fala/Prosódia/ Postura Gestual (C1) 1

1

Desliza o objeto nas costas de C1 Desliza a mão de C1 sobre o objeto. (falsetto) /.../∪ ∪υ κα∪ηι)υ) πασι∪α)δυ∪νε:λι// o u carrinhu passiandu neeli.

∪πΕγα ∪υ κα∪ηι)υ//∪πΕγα∪υ κα∪ηι)υ)∪ pega u carrinhu. pega u carrinhu o. //∪ϖε∪κο)μυ∪Ε βυνι∪τι)υ)// vê comu é bunitinhu. (enfática) ϖεη∪με:×υ//∪τα∪ϖε)δυ (1s)// vermeelhu. tá vendu? Com os pés apoiados no chão, segurando na saia da mãe. Desliza a mão de C1 no objeto ∪πΕγα∪υκα∪ηι)υ) (1s)//∪πΕγα//∪κΕ

2 pega u carrinhu. pega. qué ∪να)υ (1s)// nãu? Abraça as pernas da mãe. 3 Vira C1 para frente do objeto ∪ϖαμυΣ πΕ∪γα //∪υ κα∪ηι)υ) (2s)// vamus pega? u carrinhu?

C1 vira-se, retornando a segurar na saia da mãe. 4 Olha para C1 e objeto ∪κΕ∪να)υ qué nãu. *Turno discursivo

Neste episódio (turno 1), o uso do falsetto em [/.../πασι∪α)δυ∪νε:λι] com curva entonacional descendente acompanha o movimento do caminhão que a mãe realiza nas costas da criança, caracterizando uma situação de interação positiva. Estudos indicam que o uso do tom agudo, presente no falsetto, representa uma resposta aos padrões de atenção dos bebês (SNOW, 1997). No entanto, esta situação não desperta nenhum tipo de resposta em C1, que continua na mesma posição, em pé e segurando a saia da mãe.

No mesmo turno, a mãe desliza a mão de C1 no caminhão, solicitando que a criança pegue o objeto. Aqui, a fala materna apresenta informações visuais como: [∪ϖε ∪κο)μυ ∪Ε βυνι∪τι)υ)//ϖερ∪με:×υ//∪τα ∪ϖε)δυ]. Ao final deste discurso, há uma pausa rápida de 1 s. Ao nomear a cor do caminhão a mãe utiliza uma fala enfática, tornando sua produção saliente através da ênfase, principalmente na sílaba acentuada da palavra, que ainda veio acompanhada de um alongamento. Após solicitar algumas vezes que a criança pegasse o brinquedo, como se observa no turno 2, [∪πεγα ∪υ κα∪ηι)υ)//∪πΕγα], esta não muda de posição e abraça as pernas da mãe. Desse modo, no turno 3, a mãe vira a criança para frente do objeto e continua insistindo para que o pegue [∪ϖαμυΣ πΕ∪γα//∪υ κα∪ηι)υ)] por meio de curvas ascendentes, e com uma pausa de 2 s no segundo enunciado. C1 vira-se e volta a segurar na saia da mãe, que, neste momento, olha para a criança e para o objeto, interpretando o comportamento descrito como desinteresse em executar a ação solicitada e fala em tom de afirmação com curva descendente [∪κΕ ∪να)υ], observado no turno 4.

Aqui, a fala materna interpretou, significou a criança, ou melhor, seu comportamento. É graças a esse movimento interpretativo da fala materna que a criança é inserida no funcionamento da língua, idéia apresentada por De Lemos (2002), Cavalcante (1999) e Scarpa (2001) em seus estudos.

Constatamos neste recorte que a mãe explora bastante as sensações táteis de C1 ao manipular o objeto e ao mesmo tempo estimula a percepção visual ao nomear a cor do objeto com ênfase, por exemplo. Isso ocorreu em outros episódios interativos ao longo da coleta de dados. Mostraremos agora um deles, no qual a mãe proporciona o toque corporal da criança no objeto presente na interação e constantemente nomeia as cores deste objeto durante a interação dialógica. Além disso, como no episódio anterior, no episódio abaixo a mãe utiliza o falsetto e a ênfase, assim como outros traços prosódicos diferenciados.

Episódio 5

Cena Interativa: Mãe manipula o “Mickey” ao brincar com C1 no chão da casa, caracterizando o objeto e nomeando constantemente suas cores.

Idade: 2 anos, 1 mês e 21 dias T* Postura gestual (Mãe) Fala/Prosódia (Mãe) Fala/ Prosódia Postura gestual(C1) 1 Pega o “Mickey” e coloca sobre a barriga de C1, olha para o objeto e para C1.

Olha para C1 e para o “Mickey”. Desliza a mão de C1 sobre o boneco.

Pega a mão de C1, para que a criança solte o objeto. Coloca a mão de C1 no “Mickey”, olha para C1 e para o objeto.

Olha para o boneco, mãe solta as mãos de C1. Mãe pega o “Mickey” e olha (enfática) ∪ ∪υβυνΕ∪κι)υ)∪ //∪υβυνΕ∪κι):υ)// O U BUNEQUINHU O U BUNEQUIINHU ∪πΕγα∪υ βυνΕ∪κι)υ)//∪κιβυνΕ∪κι)υ) pega u bunequinhu. qui bunequinhu

(enfática) (falsetto) βυνι:τυ//∪ε∪ε//∪ελι∪ϖαικο∪με

BUNIITU ê ê eli vai comê

(falsetto)

δα∪δα:://∪πασα∪αμα)υ∪νυβυνε∪κι)υ)// dadaaa passa a mãu nu bunequinhu.

∪ια//∪υ∪βρασυ∪δυβυνΕ∪κι)υ)// oia u braçu du bunequinhu (intensidade fraca) (aumenta a intensidade) ∪κο)μυ∪Εβυ∪νιτυ//∪ //∪πασα∪α∪μα)υ// comu é bunitu o passa a mãu

∪α∪μα)υ//σ υτα∪παπΕ∪γα∪νυβυ∪νΕκυ// a mãu. solta pa pegá nu bunecu. ∪κο)μυ∪ελι∪Εβυ∪νιτυ//∪τα∪ϖε)δυ// comu eli é bunitu. tá vendu?

∪ελι∪Ε βυ∪νιτυ//∪ α∪πΕγα∪νελι//∪ eli é bunitu. oa pega neli o (fala infantilizada) (ênfase) ∪αΣ∪πΕηνα∪δελι//∪α∪πΕνα ϖε∪με:×α// as perna deli. a pena VEMEELHA.

(fala infantilizada)

ι∪Σι∪κι∪κο∪Ε∪υ∪ηΕΣτυ (1s)//∪ε)ι) (1s) ixi qui cô é u restu? heim?

Segura a mão e em seguida o pé do “Mickey”, sentado no colo da mãe. Sentado no colo da mãe, com uma mão pega no “Mickey” e com a outra pega outro objeto. Solta o boneco, que caí no chão. Cabeça no nível horizontal, olhos fechados. Pega outro objeto que está no chão.

para C1. 2 ∪α)υ) 3 ∪Ε∪πρετυ (1s)// é pretu. 4 ((Estica o braço para pegar no “Mickey”, com o objeto na mão)). ∪υ) 5 ∪Ε∪πρετυ (1s)∪Ε∪Ε//∪αΣ∪μα)υ∪βρα)κα// é pretu é é. as mãu branca. (fala enfática)

∪υισ∪βρασυ∪πρε:τυ//∪ι∪α∪βοκα∪δελι us braçu PREETU. i a boca deli ∪κι∪κο∪Ε (1s)// qui cô é? Pega no “Mickey”, cabeça no nível horizontal, olhos fechados. 6 Pressiona o “Mickey” na barriga de C1. (fala enfática) ϖεη∪με:×α// VERMEELHA. *Turno discursivo

Iniciando a análise deste episódio, observamos que o discurso materno encontra-se marcado por uma riqueza prosódica. Constatamos o uso do falsetto, de variações de intensidade, da fala infantilizada e da ênfase.

Vale destacar que a voz materna, em geral, estava associada ao toque no objeto. Conforme notamos, o uso do falsetto no enunciado materno (turno 1): [...κο)∪με δα∪δα::], ocorre enquanto a mãe pressionava a cabeça do “Mickey” sobre a barriga de C1, daí a relação voz materna X toque.

Além disso, enquanto a mãe diz (turno 1): [∪κο)μυ∪Ε βυ∪νιτυ] com uma

intensidade fraca, olhando para C1 e para o “Mickey” , desliza a mão de C1 sobre o objeto. O uso de uma fala infantilizada pode ser evidenciado no turno 1, quando a mãe diz: [∪α∪πΕνα ϖε∪με:×α//ι∪Σι∪κι∪κο∪Ε∪υ∪ρεΣτυ]. Vemos, neste discurso materno, a nomeação da cor da perna do “Mickey”. Aqui, C1 não estava mais tocando no boneco. O segundo enunciado da mãe foi marcado por uma curva entonacional ascentente,

caracterizando uma pergunta, e ao final de sua emissão foi inserida uma pausa breve de 1 segundo. Sem obter resposta da criança, a mãe insiste em que ela se posicione quando diz: [ε)∪ι)], momento em que a criança emite (turno 2): [∪α)∪υ)]. A mãe, por sua vez, mostra-se indiferente diante dessa produção estranha e aparentemente sem sentido da criança, uma vez que não a interpreta, e fala (turno 3): [∪Ε∪πρετυ], nomeando a cor do objeto. C1 vocaliza (turno 4): [∪υ)] e estica a mão para pegar no “Mickey”, com outro objeto na mão. Nota-se a necessidade da criança cega em tocar o objeto, que a mãe insiste em caracterizar.

Montagu (1988) diz que experiências táteis desenvolvem, em grande medida, as modalidades de espaço, realidade, forma e textura. Isto possivelmente explica o interesse e o movimento da criança em tocar o objeto descrito pela mãe, de maneira que conheça melhor sua forma, sua realidade. No entanto, as características do “Mickey” descritas pela mãe enfocam apenas as cores do boneco, as quais não podem ser identificadas pelo toque, pois dependem exclusivamente da visão.

Notamos, neste episódio, que a mãe insiste em nomear as cores do objeto, conforme vimos nos turnos apresentados. Além destes, notamos esta insistência no enunciado materno: [∪πρετυ//∪Ε∪Ε//∪αΣ∪μα)υ∪βρα)κα//∪υισ∪βρασυ∪πρε:τυ] no turno 5, no qual a mãe colocava as mãos e os braços do “Mickey” na mão e na barriga da criança, respectivamente. Um ponto que merece ser destacado é que a palavra “preto” do final do enunciado foi dita com ênfase e seu acento tonal veio acompanhado de um alongamento. No final deste turno, a mãe pergunta: [∪ι∪α∪βοκα∪δελι∪δι∪κι∪κο∪Ε] com uma entonação ascendente e a inserção de uma pausa de 1 segundo, como se esperasse uma resposta da criança.

Considerando que a criança é cega, como poderia dar um tipo de resposta que depende da visão? É evidente que a criança não poderia responder esta pergunta, e foi o que aconteceu. C1, com o “Mickey” na mão, permaneceu com a cabeça no nível horizontal e os olhos fechados.

Assim, sem nenhum movimento de resposta da criança, a mãe responde (turno 6): [ϖεη∪με:×a] com ênfase, alongando a sílaba acentuada da palavra. Ao nomear a cor do objeto, a mãe pressiona o “Mickey” sobre a barriga de C1, que segura o boneco e ri. O uso da ênfase na fala materna salienta para o bebê a produção verbal considerada satisfatória pela mãe, diz Cavalcante (1999). Podemos notar este papel da ênfase ao observar a pergunta da mãe, a respeito da cor da boca do “Mickey” que sugere como resposta

satisfatória à mãe a palavra “vermelha”, a qual, por sua vez, foi destacada do contínuo de fala materna por meio da ênfase.

Vimos, nestes dois últimos episódios, que a interação entre a díade mãe-criança cega centra-se no objeto, no “caminhão” no episódio 4 e no “Mickey” no episódio 5, nomeando constantemente as cores dos objetos. Nessas cenas interativas, a mãe nomeia as cores dos objetos, principalmente no episódio 5. Mas, considerando que a criança é cega, capaz apenas