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A prosodização de palavras funcionais não clíticas: possibilidades

4.3 A prosodização de sequências de clítico + hospedeiro

4.3.4 A prosodização de palavras funcionais não clíticas: possibilidades

O intuito deste capítulo é analisar a prosodização de palavras funcionais clíticas em PB. No entanto, é interessante que se introduza o debate sobre a prosodização de palavras funcionais não clíticas, visto que isso pode iluminar a discussão sobre o status de constituintes como pé métrico e PWd na hierarquia prosódica.

Palavras funcionais não clíticas (ou proeminentes) normalmente possuem duas ou três sílabas (há também algumas palavras funcionais não clíticas monossilábicas) e podem pertencer a diversas classes morfológicas. Podem, por exemplo, ser preposições (e.g. dentro e sobre), conjunções (e.g. embora), numerais (e.g. uma e duas) e pronomes (e.g. ele e ela). Palavras funcionais proeminentes parecem se comportar como clíticos não pronominais, no sentido de que, assim como tais clíticos, essas palavras se relacionam à estrutura adjacente de forma relativamente livre. Isto é, palavras funcionais proeminentes não possuem uma posição fixa na oração, nem se combinam a apenas uma classe de palavras. Assim, pode-se supor que sua prosodização se dá no domínio da PPh. No entanto, seu status na hierarquia é passível de discussão: palavras funcionais proeminentes poderiam tanto ser pés métricos (seguindo Vogel, 2010) quanto PWds independentes (seguindo Selkirk, 1996; Zec, 2005).

Um argumento que poderia fazer com que essas palavras funcionais fossem consideradas pés métricos advém do fato de que esses elementos parecem ser dependentes da estrutura adjacente, ainda que comportem um certo grau de proeminência. Assim como clíticos regulares, essas palavras funcionais geralmente aparecem junto a uma palavra lexical. Além disso, normalmente não formam sintagmas independentemente. Por outro lado, um argumento para que se defenda o status de PWd de tais itens funcionais deriva precisamente de sua natureza proeminente. Pode-se sugerir que a proeminência percebida nessas palavras funcionais é verdadeiramente um acento e que não há diferença entre o tipo de proeminência atribuído a palavras lexicais e o tipo de proeminência encontrado em elementos funcionais não clíticos.

Não é claro se a palavras funcionais em PB se pode atribuir acento frasal principal86. Em um sintagma como viu o livro, na frase Maria viu o livro, espera-se que o acento frasal caia em livro (Tenani, 2002). Não se supõe que exista mudança de acento se o objeto direto da frase é um substantivo próprio. Assim, em uma frase como Maria viu

Pedro, o acento principal do sintagma viu Pedro deve estar em Pedro. Em suma,

espera-se que o acento frasal principal caia no elemento localizado na borda direita da fraespera-se fonológica.

No entanto, ainda se está por testar se uma palavra funcional colocada na borda direita de uma frase fonológica de fato recebe o acento frasal principal. Em um sintagma como viu ele, na sentença Maria viu ele, não é claro se o acento frasal principal está no verbo ou na palavra funcional. Além disso, não é óbvio se as sentenças do par Ela viu ele e Ela viu a ele apresentam o mesmo padrão acentual frasal.

Em serbo-croata (Zec, 2005), palavras funcionais aparentemente não podem receber o acento principal da frase. Mesmo palavras funcionais dissilábicas, que em serbo-croata parecem ter status de PWd, não podem receber acento frasal. Se, em PB, se verificar que palavras funcionais não podem de fato comportar a principal proeminência frasal, e se este for um critério para que distingam PWds de pés métricos, então o requisito de palavra mínima discutido anteriormente neste capítulo deve ser modificado. Sugeriu-se, no início deste capítulo, que palavras funcionais não clíticas em PB são minimamente bimoraicas. A formulação deste requisito de minimalidade sugere que, se palavras funcionais não possuem status de clíticos, então devem ser necessariamente equivalentes a PWds. No entanto, se se concluir que essas palavras funcionais devem ser classificadas como pés métricos87, então o requisito de minimalidade deve ser ajustado para fazer referência a este constituinte. Como se mencionou no início desta subseção, não é objetivo deste estudo analisar o status prosódico de palavras funcionais não clíticas; sendo assim, este assunto será reservado para investigações futuras.

                                                                                                               

86 Ver, porém, discussão sobre acento frasal em Tenani (2002).

87De acordo com a definição de PWd discutida no capítulo 2, PWds devem corresponder a uma estrutura possuidora de raiz. Se assumirmos que palavras funcionais não possuem raízes produtivas e portanto não podem servir como base a derivações, então seu status deve ser de pé métrico. Se, por outro lado, supusermos que palavras funcionais efetivamente possuem uma raiz (e uma vogal temática, em alguns casos), então esses elementos poderiam ser considerados PWds, possivelmente sem incorrer em violação a MATCHWORD.

4.4 Resumo do capítulo

Neste capítulo, discutiu-se a prosodização de clíticos pronominais e não pronominais em PB, tendo em vista seu comportamento fonológico e morfossintático. Para a análise de sua prosodização, compararam-se clíticos em geral a prefixos monossilábicos átonos (integrados ou adjungidos ao radical) e clíticos pronominais a clíticos não pronominais. Chegou-se às seguintes conclusões:

(i) Clíticos pronominais são prosodizados no grupo composto (CG), enquanto clíticos não pronominais são prosodizados na frase fonológica (PPh). A partir do CG são observados fenômenos como elevação vocálica (EV), alguns processos de sândi vocálico e haplologia. Na PPh, observa-se fusão clítica. Por não apresentarem EV e processos de sândi, prefixos adjungidos devem ser prosodizados como PWds recursivas, ao passo que prefixos integrados devem ser prosodizados, junto à raiz, como PWds simples (seguindo Schwindt, 2008).

(ii) Análises que assumem que a prosodização de clíticos do PB ocorre no nível da PWd recursiva não dão conta das diferenças observadas entre prefixos e clíticos. Já análises que assumem que a prosodização de clíticos do PB ocorre no nível da PPh não dão conta das diferenças observadas entre clíticos pronominais e não pronominais. Análises que consideram projeções máximas ou mínimas de constituintes também falham em diferenciar clíticos de prefixos ou clíticos pronominais de não pronominais.

(iii) A família de restrições (dentro do framework da Teoria da Otimidade) que rege o mapeamento de estruturas morfossintáticas composicionais para a estrutura prosódica é COMPOSE. Especificamente para a prosodização de clíticos pronominais, que apresentam caráter composicional em PB, atua a restrição COMPOSEP (COMPOSEPRONOUN). Há violação a COMPOSEP quando estruturas formadas por clítico pronominal + hospedeiro não correspondem a CGs na hierarquia prosódica.

5 A prosodização dos compostos do Português Brasileiro

Neste capítulo, descrevem-se os tipos de composição observados em português brasileiro (PB) e seu comportamento morfossintático e fonológico, e discute-se sua prosodização. Identificam-se principalmente três formas de composição em PB: compostos do tipo palavra-palavra (aqui também denominados de compostos regulares; e.g. guarda-chuva), compostos com elementos neoclássicos (e.g. psicologia e

psicolinguística) e compostos do tipo afixo-palavra (e.g. pré-guerra e suavemente).

Defende-se que compostos do tipo palavra-palavra formam grupos compostos (CGs). Já compostos com elementos neoclássicos podem formar dois tipos de estrutura prosódica: PWd simples (nenhuma parte da composição corresponde a uma base independente da língua; e.g. psicologia) ou PWd recursiva (quando uma das partes da composição equivale a uma base independente da língua; e.g. psicolinguística). Quanto à prosodização de compostos do tipo afixo-palavra, discutem-se os argumentos a favor de sua ocorrência em PWd recursiva ou em CG, dando-se preferência à análise por meio de PWd recursiva.

Na primeira seção deste capítulo, discutem-se os tipos de composição considerados na presente análise, com base na definição de composto apresentada no capítulo 2. Em seguida, descrevem-se os fenômenos morfossintáticos e fonológicos apresentados por estes tipos de compostos. Na seção seguinte, propõem-se modelos de prosodização para estes compostos. Por fim, debatem-se possíveis problemas de análise e resumem-se os principais tópicos do capítulo.