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O comportamento morfossintático dos clíticos do BP

4.2 O comportamento dos clíticos do PB

4.2.1 O comportamento morfossintático dos clíticos do BP

Em português brasileiro, em especial na modalidade falada, tanto clíticos não pronominais como clíticos pronominais aparecem em posição proclítica em relação ao hospedeiro. Diferentemente do que se observa com clíticos pronominais em português europeu, ênclise não é usual em PB (Galves e Abaurre, 2002). Em entrevistas sociolinguísticas com informantes da RCI, por exemplo, próclise é predominante, sendo ênclise restrita principalmente a expressões idiomáticas ou lexicalizadas (e.g. sabe-se lá,

dá-lhe). Em PE, somente clíticos pronominais podem ser instanciados em posição

enclítica; de fato, a posição default desses elementos é após o verbo (42a). O clítico pronominal, em PE, move-se para posição proclítica se há um atrator, como um advérbio (42b) ou uma conjunção subordinada (42c), antes do verbo. Quando o verbo inicia a sentença, ênclise é requerida em PE (42d) (Vigário, 2001).

(42) (a) A professora deu-me um livro. (b) A professora não me deu um livro.

A professora sempre me deu bons livros.

(c) Ela disse que me comprou um livro. (d) Deu-me um livro.

Em PB, observa-se próclise em todos os contextos listados em (42). A sentença (42a), pois, é produzida em modalidades faladas como A professora me deu um livro, enquanto a sentença (42d) é produzida como Me deu um livro. De acordo com Galves e Abaurre (2002), o fato de que clíticos pronominais ocupam consistentemente posição proclítica em PB sugere que esses elementos, ao contrário de clíticos pronominais em outras línguas românicas, não sofrem movimento sintático. Desse modo, se os clíticos pronominais não ocupam posição proclítica por movimento sintático, então deve haver uma projeção máxima que os acomode antes do verbo (principal) da oração.

Em construções com verbos auxiliares em PB, os clíticos pronominais localizam-se entre o verbo auxiliar e o verbo principal da oração, localizam-servindo de proclíticos a este (43). Em PE, por outro lado, clíticos pronominais podem se posicionar antes do verbo auxiliar. Em (43), os verbos auxiliares estão em negrito.

(43) Ela pode me levar ao cinema.

Ela deve me levar ao cinema. Ela deveria me levar ao cinema.

Em PB, estruturas formadas por dois verbos (44a), assim como em outros tipos de complexos verbais (44b), o clítico pronominal aparece antes do verbo principal da oração. Em (44), os verbos principais estão em negrito, enquanto o primeiro verbo de cada oração está sublinhado.

(44) (a) Ela quis me contar a verdade.

Ela precisou me contar a verdade.

(b) Ela teve que me contar a verdade.

Ela esqueceu de me contar a verdade.

Mesóclise é outra diferença entre PB e PE. Ao passo que é virtualmente inexistente em PB, em PE este fenômeno ocorre quando o verbo está no futuro do presente ou no futuro do pretérito (45). Em casos em que há um advérbio ou conjunção subordinada antes do verbo (ver 42b-c), próclise é preferida em PE. Em (45), os clíticos pronominais estão sublinhados. Os morfemas que sucedem a forma clítica são desinências (ou sufixos) de tempo/modo e número/pessoa.

(45) Escrever-te-ei a carta.

Escrever-te-íamos a carta.

Vigário (2001) analisa esses sufixos flexionais (-ei e -íamos) como PWds independentes. Como se pode identificar proeminência (ou acento) tanto no radical (escrever) quanto no sufixo (-ei e –íamos) na estrutura mesoclítica, a sequência formada

por radical + clítico é considerada uma PWd, ao passo que o sufixo é considerado outra PWd. Aikhenvald (2002) aponta que, em certo momento na história da língua, o sufixo flexional deve também ter sido um clítico, uma vez que estruturas em que um afixo é externo ao clítico não são esperadas através das línguas. Visto que mesóclise não é atestada em variedades faladas de PB (e é rara na modalidade escrita da língua), não se pretende, no presente trabalho, detalhar ou debater suas particularidades.

Assim, um aspecto que distingue o PB do PE e de outras línguas românicas é o fato de que o PB favorece próclise sobre outras formas de posicionamento de clíticos. Definir se a próclise em PB deriva ou não de movimento sintático não está dentro do escopo deste estudo66, sendo suficiente dizer que tanto clíticos pronominais quanto não pronominais se posicionam à esquerda do hospedeiro. No caso dos clíticos pronominais, o hospedeiro é o verbo principal da oração, e parece haver apenas um espaço (slot) para esses clíticos na sentença (já que, conforme apontado na seção anterior, sequências de clíticos pronominais são evitadas em PB).

Conforme apontado nos capítulos anteriores, considera-se, aqui, que os domínios prosódicos são resultado de especificidades de mapeamento morfossintaxe-fonologia. Desse modo, pode-se supor que elementos com comportamento morfossintático distinto (a) são mapeados diferentemente para a fonologia, ou (b) são mapeados de forma idêntica para a fonologia, e suas diferenças morfossintáticas são neutralizadas quando da aplicação de processos fonológicos (que, portanto, devem ser os mesmos para todos os elementos de mesmo mapeamento). Em PB, clíticos pronominais distinguem-se de clíticos não pronominais em dois aspectos morfossintáticos principais: (i) clíticos pronominais selecionam um único tipo de hospedeiro (o verbo principal da oração), ao passo que clíticos não pronominais podem selecionar hospedeiros de qualquer classe gramatical, e (ii) sequências de clíticos são permitidas apenas com clíticos não pronominais.

Em algumas análises, assume-se que a prosodização de clíticos pronominais e não pronominais em PB se dá no mesmo domínio prosódico (ver, por exemplo, Bisol, 2000,                                                                                                                

66 Uma alternativa a essa visão envolveria a proposição de que há um nó sintático fixo para clíticos pronominais antes do verbo hospedeiro.

2005; Simioni, 2008). Em outras, sugere-se que clíticos em geral e certos prefixos são prosodizados no mesmo domínio (compare-se, por exemplo, Schwindt, 2008, a Schwindt, 2013a). Nessas duas formas de análise, pode-se prever, pois, que clíticos pronominais e não pronominais ou clíticos e prefixos exibem o mesmo comportamento fonológico. Em termos morfossintáticos, porém, viu-se aqui que clíticos pronominais e não pronominais apresentam diferenças.

A isso deve-se adicionar o fato de que clíticos em geral diferem de certos prefixos da língua (como re- em refazer e co- em coproduzir), no sentido de que clíticos, mas não prefixos, são nós sintáticos terminais. No entanto, esses prefixos comportam-se de forma semelhante a clíticos não pronominais quanto à seleção de hospedeiros. É preciso, pois, verificar em que medida esses elementos (clíticos e prefixos) se assemelham e se diferenciam fonologicamente, para com isso se chegar à forma pela qual são mapeados para a estrutura prosódica.

Na próxima seção, discute-se o comportamento fonológico dos clíticos do PB, de modo a comparar clíticos pronominais a clíticos não pronominais e clíticos em geral a prefixos.