• Nenhum resultado encontrado

A proteção ao meio ambiente na ordem jurídica internacional

3 A ORDEM JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

3.2 A proteção ao meio ambiente na ordem jurídica internacional

A doutrina sobre direito ambiental converge no sentido de que a questão ambiental ganhou força e maior destaque nos documentos jurídicos, a partir das décadas de 60 e 70 do século passado.

Carla Amado, p. ex., aponta o final da década de 60 do século XX como o período da origem da idéia de um “direito ao ambiente”. Nomina a ocorrência como um “despertar violento do sonho da abundância” (GOMES, 2012, p.15).

Considerando a notícia de Hathaway e Boff (2012, p. 36) de que o processo de degradação ambiental apenas adquiriu ritmo mais acelerado somente nos anos 50 do século passado, ao ponto de colocar a necessidade de preservação dos recursos naturais na pauta das discussões mundiais, pode-se dizer que a resposta do Direito não tardou, iniciando-se já na década seguinte.

Nessa passagem da histórica, é possível registrar a descoberta dos limites dos recursos naturais, pondo à prova a concepção antológica da natureza como fonte inesgotável de recursos8

Carla Amado identifica, então, nessa quadra, um ambiente “propício a fazer da protecção do ambiente uma nova forma de estar na vida, expressão de uma certa “rebeldia”

8 Com efeito, até em Eclesiastes, livro bíblico cuja autoria é atribuída a Salomão, Filho de Davi, conhecido por

ser o mais Sábio dentre os reis de Israel, encontra-se a passagem que diz que uma geração passa, e outra geração lhe sucede; mas a terra permanece sempre estável.(Ec 1; 4-5.)

directamente apelante à capacidade de transcendência” de cada pessoa” (GOMES, 2012,p.16). Pode-se dizer, assim, que o ambiente introduz-se no meio jurídico em clima de certa comoção e bem por isso provocando, desde logo, entusiasmo na comunidade jurídica.

Aponta-se, no plano internacional, a Declaração de Estocolmo, datada de 1972, como o primeiro documento jurídico de relevo a tratar diretamente da questão ambiental. Dita Declaração firmou 26 princípios fundamentais, que influenciaram, inclusive, na elaboração da atual disciplina constitucional ambiental brasileira.

Assim é que, foi a partir da Convenção de Estocolmo, convocada pelas Nações Unidas em 1972 que a proteção do meio ambiente entrou realmente na pauta dos documentos jurídicos internacionais, trazendo a seu reboque o conceito de desenvolvimento sustentável.

Consoante à notícia de Carla Amado Gomes (2012, p.17), o denominado Conselho da Europa decretou o ano de 1970 como “Ano de proteção da natureza”, considerando a perspectiva então ruim de escassez de recursos combinado com crescimento demográfico. Neste cenário, restou justificada a convocação, em 1972, da Conferência de Estocolmo pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que pode ser considerada o evento pioneiro no estabelecimento de um direito ambiental internacional.

Segundo a já citada professora Carla, a Convenção revela o estabelecimento de um dever de prevenção com base no princípio da boa-fé. Já Germana Belchior (2011, p. 43) afirma que por força da Convenção pela “primeira vez o meio ambiente sadio goza de proteção como um direito humano”.

Discorrendo sobre a Conferência de Estocolmo e o relatório Brundtland, a professora Carla Amado avalia que, nesse momento, o foco da idéia de desenvolvimento fica centralizado na questão da responsabilidade ecológica.

Consoante o princípio 21 da Convenção9, fica reforçado o dever dos Estados de prevenir a degradação ecológica, não somente dentro da sua jurisdição, como também fora dela, cuidando de evitar que as ações realizadas em seus territórios causem danos além de seus limites. É conferida, portanto, importância especial ao auxílio mútuo entre os Estados para o combate à degradação ambiental.

De outra parte, é valioso ressaltar o teor do princípio 1 da Convenção de

9 Princípio 21. Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os

Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional.

Estocolmo10, que, para além de chamar atenção do ser humano para o seu papel de construtor do meio ambiente e para o poder da humanidade de transformar o que a cerca - donde podemos extrair a imposição do princípio responsabilidade e do dever de conservar -, traça as linhas mestras da idéia daquilo que viria posteriormente a ser registrado no Relatório Brundtland como o princípio do desenvolvimento sustentável, a saber, “a capacidade de satisfação das necessidades da geração presente sem comprometimento da capacidade de satisfação das necessidades das gerações vindouras”(GOMES, 2011, p.20).

Lamentavelmente, o que se observa no desencadeamento posterior das declarações internacionais sobre meio ambiente é uma certa involução na garantia de conservação da natureza. Em sua análise, Carla Amado detecta uma perda da inocência na interpretação do preceito desenvolvimento sustentado ou sustentável, de forma que a compreensão do termo passou a ficar sobremaneira sujeita a condicionantes econômicas.

Isso se deu, segundo afirma, com grande influência da Declaração do Rio, de 1992.

Ocorre que, após um momento inicial de euforia em torno da revelação da questão ambiental e de sua importância, houve uma reação dos Estados mais “desenvolvidos”, mormente concentrados no hemisfério norte do planeta, onde se destacam os Estados Unidos da América. Esses países despertaram para a possibilidade de serem levados a abrir mão de algumas comodidades que sua superioridade econômica e o avanço tecnológico de que dispunham os garantia, cobrando uma conta alta dos recursos naturais.

No dizer de Carla, os países a que nos referimos revelaram sua preocupação primordial com a manutenção do seu western way of life, o que não permitia a inserção de uma pauta de conservação ambiental como prioridade entre seus objetivos.

E no olho desse furacão, a Convenção do Rio, sob o fundamento de encontrar um ponto de equilíbrio para a tensão existente entre interesse de crescimento econômico e preservação ambiental, findou por consagrar a derrogação de muitas das obrigações de conservação da natureza, já ensaiadas desde Estocolmo.

Observou-se, no Rio, em 1992, uma preocupação em relativizar a proteção ambiental, para assegurar o cumprimento de outras metas. Em análise ao documento produzido pela ECO92, Carla Amado chega a consignar a existência de uma “insustentável

10

“ O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem- estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.”

leveza da grande parte dos compromissos ambientais — muitos, tais como declarações e cartas de princípios de alcance mundial, incorporados em normas de soft Law” (GOMES, 2011, p.24).

A autora prossegue destacando um relativismo geográfico da “efectividade da protecção do ambiente”, decorrente, mormente, do posicionamento dos países mais desenvolvidos ciosos da manutenção de seu estilo de vida, alcançado às custas de um intenso processo de industrialização e de avanço tecnológico continuamente degradante do meio ambiente.

É possível concluir, então, que, enquanto em Estocolmo prevalecera uma ética ecocêntrica focada na integração homem+natureza; no Rio, prevaleceu a lógica antropocêntrica, modulando o direito ao ambiente de acordo com a aspiração de preservação ou mesmo de crescimento da produtividade do indivíduo.

Com efeito, após a Convenção de Estocolmo, apontada como precursora desse movimento de “esverdeamento jurídico”, seguem-se outros importantes eventos e documentos internacionais. A ECO-92, p. ex., realizada no Rio de Janeiro em 1992, reafirmou os princípios de Estocolmo e adicionou outros tantos, com destaque para o princípio do desenvolvimento sustentável. Para a Silva (2010, p. 59), o Princípio 1 da ECO-92 consagrou a correlação entre dois direitos humanos fundamentais: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável.

Como decorrência da ECO-92, destacam-se documentos internacionais como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, os Princípios para a Administração Sustentável das Florestas, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção sobre a Mudança do Clima.

Para além das festejadas Convenção de Estocolmo e Eco-92, há inúmeros outros documentos internacionais dignos de menção, tratando sobre a questão ambiental.

O relatório Brundtland, fruto do trabalho da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, constituída pela ONU, já em 1983, é um dos precursores desta lista.

Outros tantos podem ser mencionados como a Convenção para a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços (Helsinki/1992); Convenção da Diversidade Biológica (1992); Acordo de Implementação do Livre Comércio Norte-Americano (1993); Conferência de Copenhague sobre o Desenvolvimento Social (1995); Declaração de Nova Delhi de Princípios de Direito Internacional Relativos ao Dsenvolvimento Sustentável (2002); Conferência Africana sobre Recursos Naturais, Meio Ambiente e Desenvolvimento (2003);

Conferência de Berlim sobre cursos de Água Internacionais (2004) e a já célebre Charte d’Environnement da França (2004), com seu elenco de deveres fundamentais ambientais.

Vale ainda a menção ao Protocolo de Quioto, de acordo com o qual, os países industrializados deveriam reduzir suas emissões de GEE em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990, até 2008 e 2012 e por força do qual se estabeleceu a possibilidade da criação dos denominados créditos-cabono, que findaram por se revelar um instrumento de larga utilização.

Mais recentemente, em 2012, uma convenção sobre o meio ambiente de largas proporções foi realizada também no Rio de Janeiro, quando se buscou encontrar ferramentas para alcançar “o futuro que queremos”.

Todos estes instrumentos constituem subsídios valiosos no estudo de um Direito Ambiental Internacional.