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Função ambiental da propriedade

5 A DISCIPLINA DO DEVER FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

5.3 Princípios da proteção jurídica ambiental

5.3.2 Função ambiental da propriedade

A propriedade privada vem sendo, ao longo da história da humanidade, reconhecida como um direito fundamental, um direito humano.

Na antiguidade, a propriedade privada era fundamentada em razões de ordem religiosa, valendo a menção a figuras como o paterfamilias ou o deus-lar para melhor compreender o sentido da propriedade privada na idade antiga.

Com o advento da sociedade burguesa, a propriedade vai perdendo seu caráter religioso e passa a assumir sua natureza de utilidade econômica; muito embora, tenha mantido o seu caráter de “poder jurídico soberano e exclusivo de um sujeito de direito sobre uma coisa determinada” (COMPARATO, 1997, p.62).

Surge então a necessidade de fundamentar o direito de propriedade em razões de ordem não religiosa.

Os pensadores da época, cabendo aqui o destaque a John Locke e Rousseau, passam a fundamentar o direito de propriedade na exigência natural de sobrevivência do indivíduo.

Segundo Locke (2005), a terra e tudo quanto nela há, foi dada para todos. A propriedade essencialmente privada seria a da pessoa e do próprio corpo. Há o pressuposto de uma propriedade geral, de uma propriedade comum.

Antes de ter direito àquilo que o seu trabalho produziu, o homem já tinha um direito comum de propriedade, o que está de acordo com a concepção de propriedade como um direito inerente ao ser humano.

Observe-se que, em Locke está presente a idéia de que o fruto do trabalho deve pertencer a quem imprimiu seu esforço sobre ele. Neste tocante, vale lembrar que, segundo sua teoria, a propriedade é legitimada não só pelo trabalho, mas também pela necessidade.

Para além da idéia da necessidade como legitimadora da propriedade, Locke toca também na questão da utilidade. É o que se observa quando fala da efemeridade da maioria das coisas realmente úteis à vida do homem. Desenvolve seu raciocínio, então, justificando a propriedade daquilo que o homem é capaz de utilizar. Para o filósofo, a acumulação de bens em maior quantidade do que se pode utilizar, ademais de ser uma tolice é uma desonestidade. E conclui, considerando as possibilidades das trocas, para afirmar que a perda do justo título

de propriedade dá-se não necessariamente pelo excesso de posses, mas pelo perecimento de parte delas sem utilização.

É importante apontar neste trecho de Locke a sua identificação com as idéias do protestantismo então emergente, no período pós-reforma por ele vivido. Observa-se que o filósofo justifica nesta passagem a acumulação de riquezas – desde que apresentem utilidade – proscrita pela igreja católica e admitida entre os cristãos por obra das idéias reformistas.

Já Rousseau, de sua parte, pode mesmo ser apontado como o grande mentor da idéia do direito de propriedade não só como direito fundamental, mas como um dos principais direitos deste rol, um verdadeiro direito a direitos; tendo o genebrino chegado a afirmar o direito de propriedade como esteio de todos os direitos civis.

Assim como Locke, Rousseau (2008) também fundamenta a propriedade da na utilidade e no trabalho, prescrevendo que o homem somente deveria ocupar a quantidade de terra que lhe seja necessária para subsistir e que a legitimidade do domínio sobre um terreno dá-se antes em função do trabalho nele empregado do que em razão de formalidades.

A nosso pensar, é correta a afirmação da propriedade como direito fundamental e humano, na medida em que é necessária para preservar a dignidade humana. É dizer, reconhecendo-se a vida humana como direito fundamental, há de reconhecer-se também como direito fundamental o direito à propriedade privada, já que em razão dele o homem (ser humano) proverá a sua subsistência, sua vida, de preferência, com uma mínima qualidade.

É esta, aliás, de acordo com Fábio Konder Comparato, a filosofia que fundamenta o direito de propriedade como direito fundamental no bojo do constitucionalismo liberal, é dizer, o direito de propriedade como o “direito à aquisição dos bens indispensáveis à sua (do homem) subsistência, de acordo com os padrões de dignidade de cada momento histórico” (1997, p. 65).

O professor João Luís Matias apresenta conceito do direito de propriedade, consoante o qual esta é o “vínculo jurídico entre o proprietário e a coletividade em relação a um bem, com forma própria de aquisição, modo de uso, gozo e disposição, assim como deveres e limitações” (2010, p.293). Todos estes elementos componentes do conceito devem estar disciplinados pelo ordenamento jurídico, consoante a lição do autor.

Como Assenta, o conceito de direito de propriedade vem sendo funcionalizado contemporaneamente, de forma a fazer convergir o uso individual do proprietário com os interesses da comunidade em que se insere.

Nessa ordem de idéias, a propriedade passa a não mais apresentar-se sempre como direito fundamental. Casos há, em que a propriedade é antes de um direito, ou para além

disso, um direito-dever ou uma fonte de deveres fundamentais.

Sobre este ponto, Comparato (1997, p.67) destaca que a propriedade nem sempre se apresenta como mera garantia da liberdade humana. A propriedade também apresenta o aspecto do poder sobre outrem ou da propriedade-poder, ocasião em que não se revela como direito humano, mas antes como uma fonte de deveres fundamentais.

Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 104) também destacam essa que pode ser denominada natureza dúplice da propriedade, concebendo-a como um direito-dever fundamental, posto que a um direito de (e à) propriedade vinculam-se deveres conexos, mormente os denominados deveres ecológicos.

Os autores afirmam ser possível observar no direito brasileiro uma tendência de funcionalização de direitos em função de deveres ambientais, sendo o direito de propriedade e o reconhecimento de sua função socioambiental uma clara expressão de tal tendência.

Neste sentir, a Constituição brasileira de 1988, ao tempo em que consagra a propriedade privada como direito fundamental, destaca a necessidade de que ela atenda a sua função social.

A propósito da funcionalização do direito de propriedade, calha a observação de João Luis Matias (2013, p.19), consoante a qual a atribuição de função a institutos jurídicos implica na sua vinculação à realização de fins previamente determinados.

É o que se observa com a propriedade. Ao se afirmar que a propriedade deve cumprir sua função social, está-se prevendo que ela deva ser exercida em harmonia com os princípios básicos que esteiam o Estado democrático de direito, fundado no bem-estar social.

Portanto, muito embora o reconhecimento do cumprimento da função social dê-se mediante a verificação das circunstâncias de cada caso concreto, é certo que requisitos como respeito aos direitos individuais e sociais na coletividade, aproveitamento efetivo do terreno entre outros, são elementos tradicionalmente admitidos como aptos a expressar o cumprimento da função social da propriedade.

Porém, à medida que se vai admitindo a proteção do ambiente como direito fundamental e, principalmente, conforme se evolui da formatação de um Estado democrático de direito para um Estado, que ainda sendo democrático e de direito, é também ambiental, o meio-ambiente sadio passa a integrar o conceito de bem-estar social.

Neste processo é que a preservação do meio ambiente afirma-se como elemento da função social da propriedade. Registre-se que o meio ambiente de que se cuida, nesta hipótese, é o meio ambiente considerado no seu sentido amplo, é dizer, o meio ambiente físico e o artificial.

Esta dita função social, então, sem deixar de ser social precisa agora ser também ambiental. Por isso se fala em função ambiental da propriedade ou função sócio-ambiental da propriedade.

Pode-se afirmar que a função social é um conceito de maior abrangência do que a função ambiental que a integra. Ou no dizer de João Luís Matias (2013, p.25), “o princípio da função ambiental é uma especificação da função social da propriedade”.

A função social da propriedade permanece sendo de necessária observância para legitimação do exercício do direito de propriedade pelo seu titular. Entrementes, o aspecto ambiental, que integra o bem-estar social a ser respeitado pelos proprietários, para além de ser elemento da função social adquire certa primazia na sua verificação.

Nesta ordem de idéias, função social é um conceito mais amplo que alberga o conceito de função sócio ambiental da propriedade.

Ocorre que a Constituição Federal, em seu art. 225, § 1º, VII, menciona a função ecológica. O dispositivo refere-se ao dever de proteção ambiental do Estado concernente à preservação da fauna e da flora. Esta terminologia refere-se, portanto, a meio ambiente natural ou físico, tratando de uma concepção mais restrita.

Calha ainda a observação de que não é sem razão a dupla previsão do direito de propriedade na Constituição brasileira, que prevê tanto o direito à propriedade como o de propriedade. Ao revés, conforme destaca o já citado professor da Universidade Federal do Ceará, esta dupla previsão “atende a objetivos diferentes, sendo protegida a propriedade como forma de realização pessoal (direito à propriedade) e como instrumento para o exercício da atividade econômica (direito de propriedade)” (MATIAS, 2013, p. 291).

A propriedade, portanto, no ordenamento brasileiro atual deve cumprir sua função social, para que seja admitida como legítima.

Uma das conseqüências da função socioambiental da propriedade é, p. ex., o estabelecimento de uma obrigação propter rem ao proprietário de terrenos nos quais se encontrem áreas de preservação, cuja responsabilidade por eventual degradação recairá sobre o proprietário em razão desta sua qualidade, ainda quando a ação degradadora tenha sido praticada por outrem.

Esta orientação, segundo a notícia de Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 108), vem sendo adotada na jurisprudência do STJ e se encontra cristalizada na legislação brasileira, podendo citar-se como exemplo o art. 2º, § 2º, do Novo Código Florestal.

Também por força da função socioambiental à qual a propriedade está submetida, não é devida indenização ao proprietário em razão do enquadramento de parte do seu terreno

em algum regime de proteção ambiental.

Vê-se, portanto, que do reconhecimento de que a propriedade deve cumprir sua função socioambiental, podem ser extraídos alguns deveres para o proprietário, para o Estado ou até mesmo para a coletividade, que são os três destinatários do dever de proteção ambiental, consoante já destacado em tópico anterior.

Esses deveres ambientais aos quais nos referimos podem constituir obrigações positivas ou negativas e estarão sempre sujeitos à sindicabilidade administrativa e judicial do seu cumprimento.

É importante ressaltar, na esteira do que já restou consignado acerca dos deveres fundamentais em geral, que o dever ambiental conexo ao direito de propriedade não pode ser de tal ordem a esvaziar-lhe o conteúdo. Com efeito, as limitações impostas em nome da proteção do ambiente somente se legitimam desde que se apresentem dentro da moldura da proporcionalidade, vetor que afinal norteia a aplicação dos deveres fundamentais em geral.

5.3.3 Prevenção e precaução ambiental

Prevenção e precaução ambiental são dois princípios decisivos para o enfrentamento dos desafios que decorrem da crise ambiental na atualidade.

Da prevenção pode-se dizer que se trata de um princípio já sedimentado no direito ambiental, encontrando ampla aceitação na doutrina, jurisprudência e elencado nos diplomas normativos, inclusive internacionais.

Decorre, em última análise, do dever genérico de proteção do meio ambiente. Seu foco é a atuação que se antecipa à ocorrência do dano. Seu conteúdo enuncia que, em matéria ambiental, prevenir é mais efetivo do que reparar.

A prevenção pressupõe a conduta de alguém que antecipa a ocorrência do dano e age para evitar que ocorra. Portanto, a ação preventiva baseia-se na futura ocorrência de um dano, se não previsto, pelo menos previsível, cuja ocorrência se pretende evitar.

Paulo Affonso Leme Machado (2014, p. 117) noticia a adoção do princípio da prevenção em vários documentos internacionais como Convenção Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (1989), Convenção da Diversidade Biológica (1998), Tratado de Maastricht (que constituiu a União Européia) e o Acordo-quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL.

Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer (2014, p. 161) apresentam uma fonte ainda mais remota do princípio em estudo, ao afirmar que já a Declaração de Estocolmo em 1972, em

seus princípios 5, 6 e 15, consagrava o princípio ao determinar ações a serem executadas antes da ocorrência de um dano possível e previsível, com o escopo de evitá-lo.

Como expressão da adoção do princípio da prevenção pelo ordenamento brasileiro, tem-se o disciplinamento do denominado estudo prévio de impacto ambiental, bem como do licenciamento ambiental, ambos previstos no art. 9º, III e IV, da Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, sendo que o primeiro já tem sede constitucional, no art. 225, § 1º, IV, da CF/1988.

Entrementes, o agravamento da crise ambiental, aliado ao acentuado e veloz desenvolvimento tecnológico, findou por revelar a insuficiência do princípio da prevenção para justificar a ação inibitória de danos, cujo risco de ocorrência tornava-se cada vez mais difícil de prever.

Na busca de encontrar uma resposta para o cenário de acentuada incerteza em que começa a se desenvolver a realidade ambiental, a doutrina passa a acolher uma idéia ainda mais ousada do que a da prevenção: a precaução.

Expressamente previsto na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, cujo Princípio 15 enuncia seu conteúdo, o Princípio da Precaução autoriza a atuação que se antecipa ao eventual dano, mesmo diante da incerteza científica.

Atribui-se a origem do princípio da precaução ao direito ambiental alemão, onde vige o denominado Vorsorgeprinzip, adotado desde a década de 70 (SARLET, 2014, p.165), assim como o princípio do poluidor-pagador e da cooperação, como instrumentos da política ambiental alemã. Lorenzetti (2010, p. 75), contudo, noticia que o Vorsorgeprinzip utilizado na Alemanha já estava enunciado desde 1969 em lei da Suécia.

De sua vez, Carla Amado (2010, p. 103) afirma que a legislação alemã da década de 70, ao tratar do Vorsorgeprinzip, expressava em verdade a idéia de prevenção, à qual se aliava uma ponderação de valores baseada em um juízo de proporcionalidade como fundamento para uma ação preventiva mais intensa e eficaz. Para a autora, a precaução tal como hoje é concebida somente foi estabelecida como princípio, em 1987, no plano do direito internacional, por meio assim denominada Declaração de Londres, lavrada por ocasião da 2ª Conferência Ministerial do Mar do Norte.

Aplicado pela jurisprudência de vários países como Alemanha, Austrália e Estados Unidos, consoante noticia Leme Machado (2014, p. 99), o princípio da precaução também foi expressamente inserido no art. 5º da Charte de l’Environement, na França, em 2005, no art. 4º da Lei Geral do Meio Ambiente da Argentina (Lei nº 25.375/94), na Lei nº. 99 da Colômbia, na Lei nº. 7.788/98 da Costa Rica e na Lei nº. 28.611 do Peru (LORENZETTI,

2010, p. 77).

Para além de constar na já citada Declaração do Rio de 1992, o Princípio da Precaução encontra-se previsto, no plano do direito internacional, em duas Convenções ratificadas pelo Brasil, a saber, a Convenção da Diversidade Biológica (1998) e a Convenção- quadro das Nações Unidas sobre a mudança climática (1994).

No ordenamento interno, o princípio foi expressamente adotado, no Brasil, pela legislação em 2005, por meio da Lei nº. 11.105/2005, que em seu art. 1º faz alusão expressa ao mesmo, embora já estivesse enunciado formalmente no princípio 15 da Declaração do Rio, desde 1992.

Porém, bem antes disto, já era aceito na doutrina e na jurisprudência brasileiras, as quais o extraíam dos ditames normativos alusivos a atividades potencialmente degradantes, como os arts. 4º e 9º da Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente.

A precaução é um conceito típico do ambientalismo moderno e tem ganhado crescente aceitação em função de alguns motivos determinantes, sendo oportuno destacar dois dentre eles, ambos enunciados por Ricardo Lorenzetti (2010, p.73).

O argentino identifica a existência de um consenso emocional em favor da aplicação do princípio, que se fundamenta basicamente em dois fatores.

O primeiro deles é a aversão ao risco, da qual também tratam outros doutrinadores como Sunstein Cass e Ulrich Beck. As pessoas tendem a demonstrar uma aversão ao risco, bem como uma rejeição aos perigos, que pode ser inclusive entendida como uma expressão natural do imanente instinto de sobrevivência humano.

Observa-se nas pessoas em geral um intenso sofrimento com as perdas, que não corresponde nem em quantidade nem em intensidade, ao contentamento que experimentam com os ganhos, por vezes sequer percebidos.

Um outro fator que contribui para o acolhimento da precaução como princípio jusambiental é a mudança de paradigma decorrente da crise ambiental e sua particular influência na assimilação dos riscos sociais.

Por força dessa mudança, observa-se um modo diferente de reagir das pessoas em geral ao processo de desenvolvimento.

À medida que avançava o progresso tecnológico, aumentavam as comodidades ofertadas às pessoas e melhorava sua qualidade de vida, em razão deste avanço. Havia, portanto, originalmente uma disposição para suportar eventuais conseqüências negativas deste processo, contando-se com a possibilidade de descobertas posteriores de compensações para os danos eventualmente decorrentes.

Atualmente, vige uma certa crise de confiança nas descobertas científicas, à medida que a população percebe que a incerteza acerca da existência de riscos ou de seus efeitos nem sempre é possível de ser superada, com segurança, pela pesquisa científica.

Surge uma crença na existência de uma incerteza ontológica, para além de uma incerteza cognoscitiva (LORENZETTI , 2010, p. 83). Esta última é passível de ser superada com pesquisa, aprofundamento e decurso de tempo. A primeira, não.

Em razão disto, as pessoas preferem adotar uma conduta proativa em relação ao risco, do que permanecer agindo reativamente aos danos ambientais.

Na consideração sobre conteúdo e alcance do princípio da precaução, a distinção entre risco e perigo revela-se útil para sua compreensão, mormente em cotejo com a mera prevenção.

Sobre o risco, trata Ulrich Beck, em seu antológico Sociedade do Risco (2010). Com efeito, o perigo pode ser concebido como uma circunstância visível, assim entendido como algo passível de ser identificado no campo da realidade fática. É possível prever o perigo, a depender do caso, até com certa precisão. Portanto, diante do perigo deve- se invocar o princípio da prevenção para evitar a ocorrência de um dano dele decorrente.

Diversa é a configuração do risco. Os riscos atuais a que se submete a sociedade não são passíveis de ser facilmente identificados, na realidade cotidiana em que o indivíduo se encontra inserido. Muitas vezes, escapam à percepção. Em outras ocasiões, mesmo quando já pressentidos não são comprovados por métodos simples, rápidos e acessíveis. E por fim, ainda quando pressentidos e comprovados, nem sempre resultam suficientemente claros sua causa e o alcance de seus efeitos.

Sobre esses riscos e os danos que acarretam, afirma Beck(2010):

Eles desencadeiam danos sistematicamente definidos, por vezes irreversíveis, permanecem no mais das vezes fundamentalmente invisíveis, baseiam-se em interpretações causais, apresentam-se portanto tão somente no conhecimento (científico ou anticientífico) que se tenha deles, podem ser alterados, diminuídos ou aumentados, dramatizados ou minimizados no âmbito do conhecimento e estão, assim, em certa medida, abertos a processos sociais de definição.

O trecho transcrito revela uma fluidez de conteúdo no conceito de risco com o qual convive a sociedade atual. Tal fluidez decorre certamente do aceleramento no avanço das tecnologias, cuja velocidade de surgimento não se faz acompanhar da revelação de dados seguros sobre o potencial nocivo de sua utilização, os quais demandam tempo para serem coletados, sistematizados e avaliados.

Eis o risco, que justifica a atuação não apenas preventiva (já que não se sabe ao certo o que prevenir), mas precavida. É o risco que decorre da incerteza científica que

legitima a aplicação do Princípio da Precaução.

Portanto, é com propriedade que Sarlet e Fensterseifer, sustentam que o princípio da precaução “abre caminho para uma nova racionalidade jurídica, mais abrangente e complexa” (2014, p. 164).

A precaução como princípio jurídico é certamente um dos mais caros pilares de uma moderna tutela jurídica ambiental. É a expressão do Direito buscando disciplinar a incerteza. Uma necessidade tão atual e urgente no contexto da crise ambiental, que já é reconhecida como princípio geral do Direito Ambiental na atualidade.

Em que pese tal consideração, autores há que ainda não admitem a precaução como princípio jurídico ambiental. Carla Amado (2010, p.105), p. ex., afirma que não é possível identificar um princípio da precaução, diante da diversidade de elementos e interpretações que gravitam em torno desta idéia. Para a professora, o que se pode identificar é um reforço da prevenção, que passa a ser mais larga e intensamente aplicada.

Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 167) acolhem amplamente a adoção do princípio da precaução. Segundo entendem, a precaução impulsiona Estado e particulares no sentido da lógica do in dubio pro natura, donde se infere que, diante do risco do dano, mesmo ainda