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5 .1 . O aut om óvel com o obj et o de análise e com o obj et o de desej o

Pode- se ent ender que o aut om óvel sej a um bem de consum o alt am ent e desej ável, cobiçado, não som ente por seu valor em m oeda – o invest im ent o é geralm ent e alt o se com parado a outros bens de

consum o, com o por exem plo, os dom ésticos – m as por possuir caract eríst icas int erpret at ivas de um sist em a cult ural com plexo, pois a caract eríst ica prim ordial que m arca o autom óvel com o produt o ( sua funcionalidade) , t orna- se frágil diant e do fort alecim ent o de out ros signos não- associados à função prát ica do deslocam ent o, m as aos signos de am biência do deslocam ent o, à est ét ica, à velocidade e a sua relação tem po e espaço. E, conseqüent em ent e, o prest ígio, signo que sust ent a t odo o sist em a de signos de necessidades psicológicas e não- respondidas – de form a conscient e – pelos at ribut os t angíveis do aut om óvel. Baudrillard ( 2005, p. 21) afirm a que

tam bém o m iraculado do consum o serve de todo um dispositivo de obj ectos sim ulacros e de sinais característicos da felicidade, esperando em seguida ( no desespero, diria um m oralista) que a felicidade ali venha poisar- se.

Ao entenderm os essa citação para aplicabilidade no aut om óvel, a felicidade cit ada por Baudrillard t ransform a- se em t radução de um a cult ura am plam ent e capit alist a, em est ilo de vida. A felicidade represent ada pelo aut om óvel é a t radução de um espelho, que o indivíduo im agina reflet ir seus próprios at ribut os, m as que, acim a de qualquer coisa, reflet e a im agem distorcida de posse, pois o que se pode possuir é o aut om óvel com o produt o, sendo que a felicidade que é vendida int rinsecam ent e no carro nunca pode ser associada ao indivíduo de m aneira desfeit a, pois é um sist em a de signos pert encent es à m áquina, que só é possível usufruir, de m aneira ilusória, enquant o possuidor do aut om óvel.

Barbosa, ao analisar a relação do interlocutor com o discurso publicit ário, enfat iza que

suas próprias fantasias são desviadas para produtos enquanto suas vidas escorrem ent re os dedos. ( ...) no m áxim o chegam ao obj et o, à ilusão e à aparência; m as ao seu desej o m esm o quase j am ais. ( BARBOSA, 1995, p. 49) .

De form a m ais sim ples, é possível usufruir o prest ígio de m aneira dist orcida, que só virá a part ir da posse do carro. Por isso Baudrillard ( 2004, p. 174) afirm a que a publicidade é pura conotação, visto não vender o obj eto em si, m as os sistem as de signos que são incorporados ao aut om óvel a part ir de influências oriundas da cult ura.

5 .2 . O aut om óvel reflet ido no espelho

É evidente o poder que o autom óvel exerce na sociedade em geral – por todas as transform ações no m odo de vida observadas desde o seu surgim ent o – e nos indivíduos de m aneira part icular – na busca por procurar no autom óvel a satisfação para necessidades não ligadas ao obj et o carro, e sim associadas a um prazer quase sexual, um a ligação ínt im a e insólit a. Roland Bart hes descreve essa relação quase am orosa ent re hom em versus m áquina da seguint e m aneira:

( ...) é a grande fase t áct il da descobert a, o m om ent o em que o m aravilhoso visual vai sofrer o assalto racional do tacto ( porque o tacto é o m ais desm istificador de todos os sentidos, ao contrário da vista, que é o m ais m ágico) : t oca- se com a m ão nas chapas, nas j unt uras, apalpam - se os estofos e as alm ofadas, experim entam - se os assentos, acariciam - se as portas em face do volante, m im a- se a condução com todo o corpo. ( BARTHES, 1997, p. 141) .

O texto acim a refere- se ao m om ento em que o indivíduo descobre o autom óvel em um a feira de exposição, sendo relatado com o o prim eiro encont ro. Em bora a publicidade não possa assegurar ao indivíduo a experiência acim a, j á que não é paut ada no t at o, é capaz de oferecer ao

int erlocut or um a experiência m ent al com plexa. Não há o contato físico, m as um apalpar com os olhos, operação que busca nos anúncios publicit ários de aut om óveis m uit o m ais que im agens e inform ações, busca de signos que lhe assegurem sat isfações em diferent es níveis.

A essa com plexidade de relações ent re o hom em e a m áquina, cum pre- nos aplicar o conceito de narcisism o, que segundo Freud ( 1968, p. 249) designa os casos em que “ o indivíduo tom a com o obj eto sexual o seu próprio corpo e o contem pla com prazer, acaricia- o e beij a- o, at é chegar à com plet a satisfação” . Tal conceit o est á fundam ent ado no cont ext o psicanalít ico, m as com o em m uitos out ros casos, devido a sua com plexidade de int erpret ação, pode ser expandido em out ros contextos. Desse m odo, pode- se colocar que o autom óvel – até porque cont inua o corpo dos suj eit os, com o percebeu McLuhan ( 2003) – acaba t om ando o lugar do EU, funcionando com o espelho para o interlocut or, pois ao m esm o tem po que reflet e os próprios desej os do interlocut or, suas necessidades, seus ideais, é capaz de refratar, distorcer a m ensagem desse espelho, devolvendo ao int erlocut or um a im agem falsam ent e reflet ida, m as ent endida com o legít im a a part ir da ret órica publicit ária.

A publicidade const rói o aut om óvel a part ir de conceit os ideais oriundos da cult ura e “ a aparência que seduz é com o um espelho no qual o desej o se olha e se reconhece com o obj et ivo” . ( MARCONDES FI LHO, 1988, p. 184) .

Perez ( 2004, p. 48) , em seu est udo de caract erização da m arca t am bém nos fornece a clara noção de espelho no universo sem iót ico da publicidade, afirm ando que

o espaço perceptual da m arca pode ser utilizado com o um espelho que reflete o estilo de vida e os valores do consum idor at ual ou pot encial. Um a m arca pode funcionar com o portadora de proj eções no qual o anunciant e, a em presa e a agência proj et am os valores e as sensibilidades do consum idor, ou com o um distintivo, um m eio de expressar e de reforçar nossas identidades pessoais e culturais.

A idéia de que as peças publicit árias funcionam com o verdadeiros espelhos para o int erlocut or t am bém pode ser vist a por Haug, quando m enciona o poder de sedução da m ercadoria. A part ir de Haug, Marcondes Filho ( 1988, p. 84) diz que

im põem - se, diante dos hom ens, inúm eras séries de im agens, que buscam assem elhar- se a espelhos, que procuram em pat ia, que aspiram observar seu ínt im o, trazer segredos à superfície e espalhá- los por ela. Nessas im agens, os aspectos da insatisfação duradoura dos hom ens, em sua essência, lhes são cont inuam ent e revelados. A aparência at ua com o se anunciasse a satisfação; ela adivinha os desej os das pessoas, através de seus olhos, e os traz à luz na superfície da m ercadoria.

O consum o das peças publicit árias de aut om óveis dá- se por m eio de signos ideais, t raduzidos da própria cult ura, por isso, espelhadas nos desej os do interlocut or.

CAPÍ TULO I I

I N TERFERÊN CI AS CULTURAI S: DI VERSI DADES

EN CON TRADAS N O CORPUS

1 . Pressupost os t eóricos

1 .1 . A publicidade à luz dos conceit os bakht inianos de dialogism o e de enunciado

Com o a segunda part e dest e capít ulo se caract eriza, a priori, com o um a análise descrit iva, que pret ende unir as peças publicit árias em blocos de diversidades, abordarem os nesta prim eira parte o referencial teórico que subsidiará a análise do corpus, que consist e no conceit o de dialogism o propost o por Mikhail Bakht in, com o base para a leit ura dos signos cult urais present es nas peças publicit árias.

Segundo o autor, o diálogo pode ser encontrado em várias form as da com unicação verbal, inclusive nos t ext os im pressos, sendo que

o discurso escrito é de certa m aneira parte integrante de um a discussão ideológica em grande escala: ele responde a algum a coisa, refuta, confirm a, ant ecipa as respost as e obj eções pot enciais, procura apoio et c. ( BAKHTI N, 2004, p. 123) .

Com isso, ent endem os que as peças publicit árias represent am um a fort e m anifest ação dialógica da cult ura.

À m edida que nos dispom os a est udar a publicidade a part ir de peças publicit árias im pressas e em out ros suportes m idiáticos ( com o a publicidade t elevisiva, que será abordada no Capít ulo I V) , parece- nos essencial darm os enfoque à t eoria bakht iniana, ancorada no dialogism o, visto que represent a um frut ífero cam po de pensam ent o para est udos das int erferências cult urais em peças publicit árias, pois "t oda a vida da linguagem , sej a qual for o seu cam po de em prego ( a linguagem cot idiana, a prát ica, a cient ífica, a art íst ica, et c.) , est á im pregnada de relações dialógicas", ( BAKHTI N apud SOUZA, 2002, p. 57) est ando a publicidade inserida nesses cam pos.

Conform e afirm a Bakht in ( 2003) , a vida hum ana est á t ot alm ent e condicionada à linguagem , e essa se m anifest a de diferent es m aneiras, o que dependerá do cont ext o em que foi gerada, das interferências cult urais e da própria nat ureza dos agent es da linguagem . De cert a form a Bakht in ( 2003, p. 262) apresent a essa idéia ao m encionar que

o conteúdo tem ático, o estilo, a construção com posicional – estão indissoluvelm ente ligados no todo do enunciado e são igualm ente determ inados pela especificidade de um determ inado cam po da com unicação.

É nesses cam pos da com unicação, que o autor visualiza “ tipos estáveis de enunciados” e os denom ina com o gêneros do discurso. É im port ant e que possam os sit uar t al com preensão de Bakht in, pois se é possível que caracterizem os diversos tipos de enunciados nas peças publicit árias, t ant o nas im pressas com o nas t elevisivas, de form a m ais abrangent e, a publicidade – grande abarcadora de nosso corpus – faz parte do que o aut or denom inou com o gênero discursivo secundário.

Para encont rarm os a com preensão das peças publicit árias no cont ext o bakht iniano, podem os ent ender que cada peça publicit ária possa ser um

enunciado concreto. I sso de acordo com as características colocadas por Bakht in, que são: "a) aspect o cont eúdo/ sent ido: conceit o - a designação de um obj et o; b) aspecto expressivo: im agem ; c) aspect o em ot ivo- volitivo: ent onação - expressa m inha atit ude valorativa sobre o obj et o" ( SOUZA, 2002, p. 86) . Vale ressaltar que o conceito ent onação, que é claram ent e observado nas peças televisivas, pode ser caracterizado nas peças im pressas com o o texto escrito, pois é possível observar inúm eros recursos lingüíst icos e de disposição visual nos t ext os publicit ários, na busca por gerar det erm inado int erpret ant e.

Essas características foram form uladas inicialm ent e para explicar a dim ensão da palavra com plet a, m as, post eriorm ent e, encont raram lugar dentre as características do enunciado concret o. Ainda para inserir a publicidade na cat egoria de enunciado, vale ressalt ar que para Bakht in, não exist em enunciados neut ros, pois "um enunciado ( ...) concret o sem pre é dado num cont ext o cult ural e sem ânt ico- axiológico ( cient ífico, art íst ico, polít ico, et c.) ( ...) ". ( BAKHTI N apud SOUZA, 2002, p. 86) .

Vale ressaltar que o conceit o de enunciado aqui t rat ado é o de enunciado concret o, ou sej a, que possui autor ( a voz ou as vozes da peça publicit ária) e int erlocut or ( o personagem que int erage e dialoga com o aut or) e que foi definido pelo sem ioticista russo com o o enunciado que est abelece um a infinidade de conexões com o contexto ext raverbal da vida, e que, separados desse cont ext o perdem quase t oda a sua significação.

O t erm o enunciado t am bém pode ser com preendido com o t ext o, no sent ido am plo de m ensagem com forte carga de influências cult urais, pois de acordo com Barros ( 2003, p. 1) , pode- se assim definir enunciado:

aproxim a- se da concepção atual de texto. O texto é considerado hoj e tanto com o obj eto de significação, ou sej a, com o um 't ecido' organizado e est rut urado, quant o com o obj et o de com unicação, ou m elhor, obj et o de um a cult ura, cuj o sent ido depende, em sum a, do cont ext o socioistórico. Conciliam - se, nessa concepção de texto ou na idéia de enunciado de Bakht in, abordagens ext ernas e int ernas da linguagem . O t ext o- enunciado recupera estatuto pleno de obj eto discursivo, social e histórico.

Assim , as peças publicit árias – im pressas e t elevisivas - podem ser ent endidas t ant o com o t ext os quant o com o enunciados oriundos da cult ura, que só exist em na concret ude dos valores, dos conceitos e dos desej os m anifestados pela sociedade.

Os conceit os bakht inianos, assim com o foram aqui apresent ados, const it uem fundam ent ação t eórica priorit ária para a análise dialógica das peças publicitárias no decorrer da dissert ação.