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A QUALIDADE DA CARNE SUÍNA E SUA INDUSTRIALIZAÇÃO

Nelcindo N. Terra Leadir L. M. Fries

Universidade Federal de Santa Maria Rio Grande do Sul – Brasil

Durante as últimas décadas tem sido dado grande ênfase, quando da seleção das carcaças suínas, no critério de qualidade representado pela quantidade de carne magra (ANTÓN, 1994). Optou-se por carcaças com alto conteúdo em músculo e carentes em gordura, buscando, em grande parte, atender ao consumidor não desejoso em consumir gordura animal, face a intensa correlação para com as doenças cardio-vasculares. A carne consumida como tal, tinha como principal critério de qualidade a alta quantidade de carne magra em detrimento da gordura, critério este insuficiente quando consideramos a transformação dessa carne em produtos cárneos seguros e de qualidade. A realização integral da suinocultura acontece somente quando da sua industrialização.

Recentemente, vários países, salientando-se os produtores de produtos cárneos industrializados, tais como a Itália, Alemanha e França, passaram a preocuparem-se também com a produção de carne para a industrialização. Nesses países, a carne suína é principalmente consumida como produto industrializado. Em nosso país, o inverso é verdadeiro, daí a necessidade de uma atenção muito grande no fornecimento de uma carne compatível com a qualidade do produto cárneo. Saliente-se que a qualidade de qualquer produto cárneo depende, principalmente, da qualidade da carne utilizada como matéria prima.

Quando preocupa-se com a qualidade da carne como matéria prima deve-se enfatizar dois fatos maiores, quais sejam: características microbiológicas e aptidão tecnológica.

As boas práticas de higiene do animal antes do abate são importantes, pois a carga microbiana presente no couro do animal pode exceder a 109UFC/cm2e podem contaminar a carne durante a operação de esfola. Esta microbiota presente no couro do animal é formada por bactérias Gram negativas, como Acinetobacter, Alcaligenes, Flavobacterium, Moraxella, Pseudomonas, enterobactérias e por bactérias Gram positivas como Brochotrix thermosphacta, Bacillus, Micrococcus e Staphylococcus bem como bolores e leveduras (LEE & FUNG, 1986). Normalmente, em condições ae- róbicas, a microflora predominante é representada por Pseudomonas e em condições anaeróbicas, por bactérias do gênero Lactobacillus, os quais são microrganismos que podem se desenvolver em temperaturas de refrigeração e constituem a flora deteriorante da carne durante seu armazenamento. Por outro lado, Clostridium botuli-

num, Yersinia enterocolitica, Escherichia coli, Listeria monocytogenes e Aeromonas hidrophila são exemplos de microrganismos patogênicos, que também podem se

desenvolver em temperaturas de refrigeração (PALUMBO, 1986).

Durante o processo de abate, a esfola e a evisceração são considerados pontos críticos de controle que poderão determinar uma maior ou menor contaminação das carcaças. A esfola é a etapa que mais contribui para a contaminação da carcaça, pois

a microbiota do couro é constituída por microrganismos provenientes do solo e matéria fecal. Desta maneira, é de extrema importância a higienização do animal antes de sua entrada na sala de abate. Por outro lado, a carcaça inevitavelmente entra em contato com o couro, patas, pêlos, utensílios (facas), equipamentos, manipuladores (uniformes), água de lavagem e com o ar do abatedouro. Os equipamentos devem ser sanitizados eficientemente e os uniformes dos manipuladores bem higienizados assim como a saúde dos mesmos deve ser controlada. Portanto, quanto maior for o número de animais abatidos por dia, maior serão os riscos de contaminação cruzada. Após a esfola, a superfície da carcaça poderá conter uma microbiota mista entre 10

textsuperscript2 a 104 UFC/cm2 (DAINTY & MACKEY, 1992), dependendo dos cuidados durante o processo.

Já na evisceração, a carcaça poderá ser contaminada pela flora gastrointestinal, urina, leite, entre outros. Devido a elevada carga microbiana. as vísceras deverão ser removidas por inteiro, sem qualquer perfuração que possa originar um vazamento do material contido nelas, com a conseqüente disseminação de microrganismos patogênicos entéricos. Nesta etapa, cuidado especial deve-se ter em relação a perfuração do intestino do animal, o qual é a fonte principal da contaminação cruzada nesta etapa. Os funcionários envolvidos no abate dos animais devem ser treinados e ter suas funções bem definidas e supervisionadas pelo responsável do controle de qualidade.

Um programa de higiene (limpeza e desinfecção) deve ser implementado na sala de abate, incluindo os utensílios, equipamentos, manipuladores e o ambiente, assim como na sala de estocagem, desde a recepção do animal vivo até a obtenção do produto final. Portanto, para adquirir uma matéria prima cárnea com qualidade microbiológica, todos os procedimentos antes e durante o abate, devem ser rigorosamente higiênicos e o pessoal envolvido tanto na limpeza como na manipulação das carcaças e nos seus respectivos cortes, devem ser bem treinados, conhecendo nos mínimos detalhes suas funções e as possíveis conseqüências da falha das mesmas.

A carne deve ser apta tecnologicamente tendo em vista o processamento tecnoló- gico a que será submetida, quando da fabricação do produto cárneo industrializado. Por exemplo, se deseja-se fabricar um produto cozido, a carne deverá ser submetida a ação de calor quando terá a tendência a perder suco, mudança de textura, perda de nutrientes e modificações de coloração. A carne apta deverá apresentar em menor intensidade os efeitos negativos frente ao tratamento térmico, caracterizando-se por alta capacidade de retenção de água.

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Fatores que Interferem na Qualidade da Carne

Os fatores que afetam a qualidade da carne, quando matéria prima, podem ser agrupados em:

1.1

Fatores Intrínsecos do animal:

Durante todo o período ante-mortem, os suínos estão submetidos a vários tipos de estresse que se refletem em uma desqualificação da carne, matéria prima

desqualificada pelo pH, coloração e textura incompatíveis com a qualidade do produto cárneo. Existem raças com diferentes sensibilidades ao estresse, daí o exercício dos geneticistas na busca dos cruzamentos. Em nosso país são abatidos somente machos castrados e fêmeas, já em países onde a prática corrente do abate de machos inteiros, o odor sexual passa a ser uma preocupação a mais (DIESTRE, 1990).

1.2

Manejo ante-mortem e o abate

O período ante-mortem compreende vários eventos e operações como o jejum, o transporte, a espera no abatedouro e o próprio abate, que atuando como fatores de estresse agudo ou crônico, podem isoladamente ou em conjunto afetar a longo ou curto prazo o desenvolvimento dos processos metabólicos musculares (TARRANT, 1989; SANTORO e FAUCITANO, 1996; FAUCITANO, 1998).

O jejum dos suínos antes do transporte ao abatedouro é uma prática interessante, pois além de contribuir com o bem-estar dos animais durante o transporte e prevenir as contaminações cruzadas durante a evisceração, permite uma maior estabilidade da cor e retenção de água, tão importantes por ocasião da industrialização (LOPEZ - BOTE e WARRISS, 1988). Considera-se ótimo o intervalo de jejum total entre 16 e 24 horas (CALVAR e PELLOIS, 1987; EIKELENBOOM et al, 1989).

O carregamento dos animais é um dos pontos mais críticos, pois neste momento os suínos passam de um lugar que lhes é familiar para um lugar desconhecido, fechado e com pouco espaço, além de se juntarem com outros lotes. Todas estas adversidades incrementam o estresse com perda de qualidade da carne.

A etapa de espera no abatedouro permite aos animais recuperarem-se do estresse do transporte, favorecendo a recuperação dos níveis de glicogênio. Se mal aplicada, esta etapa, poderá representar um estresse adicional. Suínos abatidos logo após a sua chegada ao abatedouro podem produzir até mais de 40% de carcaça PSE (EIKELENBOOM e BOLINK, 1991).

Por ocasião do abate, merecem atenção especial o atordoamento (voltagem, intensidade da corrente, duração) e o tempo transcorrido entre este e a sangria. São problemas constantes nos pequenos e médios frigoríficos que se traduzem, quando da fabricação da lingüiça na liberação de grandes quantidades de água. Este é mais um problema que gerado no abate, desqualifica os produtos industrializados.

1.3

Condições post-mortem

Todas as etapas do abate devem ser realizadas de forma higiênica e rápida, pois determinam a qualidade microbiológica da matéria prima. Após a obtenção das carcaças, o resfriamento deve ser executado de tal forma que evite o encurtamento das fibras musculares pelo frio, o que poderá modificar a aptidão tecnológica da carne.

2

Principais Problemas

As carnes destinadas a industrialização poderão apresentar diversos problemas, entre os quais destacam-se:

2.1

Carne PSE

É o principal problema da carne suína caracterizando-se por ser pálida, branda e exsudativa devido a queda rápida de pH. Este tipo de carne (pH 5,8) é inadequada para a fabricação do presunto cozido, podendo ser utilizada na fabricação de salames e salsichas quando em mistura com carnes normais (30%). A carne PSE se traduz por uma perda da capacidade de retenção de água e uma palidez, acarretando uma maior perda de peso e conseqüente menor rendimento tecnológico por ocasião da industrialização.

2.2

Carne DFD

Esta carne é escura, firme e seca, com pH24 superior a 6,2. Este pH torna-a

mais propícia ao desenvolvimento de microrganismos, portanto com menor vida útil. A origem destas carnes é o manejo ante-mortem inadequado, como por exemplo, transportes prolongados que determinam o consumo do glicogênio muscular. A carne DFD é inadequada para a elaboração de salame e presunto crú, tendo em vista, a grande retenção de água.

2.3

Quantidade de pigmentos da carne

A coloração da carne é uma conseqüência da concentração e do estado químico dos pigmentos musculares. A cura dos produtos cárneos está na dependência da concentração destes pigmentos musculares, cuja concentração poderá variar com as raças; a raça Landrace possui maior quantidade de pigmento do que a raça Duroc. A cor do produto cárneo está na dependência de uma cura bem realizada através da reação dos nitritos com os pigmentos naturais da carne; maior quantidade de pigmentos irá gerar mais hemocromo com produto cárneo mais intensamente corado, portanto, mais atraente e com melhores possibilidades de comercialização.

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Referências Bibliográficas

ANTÓN, N. L. Calidad de la materia para la fabricación del jamon cocido. Cárnica

2000, 48–54, 1994.

CALVAR, C. & PELLOIS, H. Qualité de la viande de pore. Publication EDE. 8 p., 1987. DAINTY, R. H. & MACKEY, B. M. The relationship between the phenotypic properties of bacteria from chill-stored meat and spoilage process. Journal of Applied Bacteriology Symposium Supplement. 73(2); 103–114, 1992.

DIESTRE, A. Principales problemas de la calidad de la carne de porcino. Alimentación,

Equipos y Tecnologia. Madrid, 7: 73–78, 1992.

EIKELENBOOM, G. & BOLINK, A. H. Effects os feed withdrawl before delivery on pork quality and carcass yield. Meat Science. 29: 25–30, 1991.

EIKELENBOOM, G.; BOLINK, A. H. & SYBESMA, W. Effet du jeune avant le chargement sur la qualité et le rendement de carcasse des poreso. Qualité de

FAUCITANO, L. Influência do período ante-mortem sobre o bem-estar e a qualidade da carne suína. In: Terra, N.N. Apontamentos de Tecnologia de Carnes. Editora UNISINOS. 216p. 1998.

LEE, J. Y. & FUNG, D. Y. C. Methods for sampling meat surfaces. Journal Environment

Health. 48(4): 200–205, 1986.

LOPEZ-BOTE & WARRISS, P. D. A note on the relationship between measures of water holding in the muscle longissimus dorse. Meat Science. 23: 227–234, 1988.

PALUMBO, S. A. Is refrigeration enough to restrain foodborn pathogens? Journal of

Food Protection. 49(12): 1003–1009, 1986.

SANTORO, P. & FAUCITANO, L. P. Stress in pig production. Pig News and Information.

17(2): 49–52, 1996.

TARRANT, P. V. Load for the road. Pig International. 5: 33–35, 1992.

ZERT, P. & POLACK, D. Prevention des viandes PSE et DFD. La Qualité de la Viande

O BEM–ESTAR DOS SUÍNOS DURANTE O PRÉ-ABATE