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3 A QUALIDADE DE PRODUTOS AGROALIMENTARES

3.1 A Qualidade de Produto

Para TOLEDO (2001), qualidade de produto é vista como:

“(...) propriedade síntese de múltiplos atributos do produto que determinam o grau de satisfação do cliente. O produto é entendido como envolvendo o produto físico e o produto ampliado. Ou seja, além do produto físico, envolve também a embalagem, orientação para uso, imagem, serviços pós-venda e outras características associadas ao produto” (TOLEDO, 2001, p. 472).

Ainda para TOLEDO (2001), a qualidade de produto é resultante da junção da:

a) Qualidade de Projeto do Produto: é resultante das atividades que traduzem o conhecimento das necessidades do mercado e as oportunidades tecnológicas em informações para produção do produto. Essa qualidade é a associação da qualidade da pesquisa de mercado, da qualidade de concepção ou de conceito, da qualidade do planejamento do produto e da qualidade de especificação;

b) Qualidade de Projeto do Processo: é resultado da tradução eficiente das especificações do projeto do produto em projeto do processo em vários níveis tais como fluxograma do processo, leiaute, projeto de ferramentas e equipamentos, projeto do trabalho, etc. Esta qualidade está estreitamente vinculada à capacitação tecnológica e de engenharia da empresa;

c) Qualidade de Conformação: é resultado do nível de eficiência da produção propriamente dita, onde se busca atingir as especificações

do projeto do produto e de produtividade do processo, ou seja, é a capacidade do processo projetado de produzir e reproduzir o produto projetado. Esta qualidade tem como principais determinantes, a qualidade do processo e a capacidade gerencial e de utilização dos recursos de produção;

d) Qualidade dos Serviços Associados ao Produto: é o resultado do nível de qualidade das etapas de distribuição e comercialização, além da qualidade de serviços pós-venda (atributo associado ao produto).

A discussão de TOLEDO (2001) sobre o conceito da qualidade de produto pode ser sintetizado ao definir-se que a qualidade do produto é resultante da interação entre as qualidades do projeto do produto, projeto do processo, de conformação e da qualidade dos serviços associados ao produto.

A qualidade de produto estaria associada a determinadas características específicas. Cada característica da qualidade pode ser definida como o apontado por TOLEDO (2001, p. 481), onde “(...) uma característica da qualidade é definida como qualquer propriedade ou atributo de produtos, materiais ou processos necessária para se conseguir a adequação ao uso”. Por sua vez, um atributo pode ser definido como:

“a) Característica ou propriedade de uma unidade de produto ou serviço, avaliada quanto a existência ou não de um requisito especificado ou esperado; b) Característica qualitativa de um item, material, produto ou serviço (em oposição à característica quantitativa ou mensurável) que é avaliada quanto ao cumprimento ou não de um determinado requisito da qualidade e pode ser cotada para registro e posterior análise” (PRAZERES, 1996, p. 42).

Além da abordagem de TOLEDO (2001), encontra-se a de GARVIN (2002) que propõe a categorização da qualidade de produto em oito dimensões, com o propósito de facilitar a compreensão da qualidade demandada pelos clientes e consumidores.

A primeira das dimensões propostas por GARVIN (2002) é o desempenho, que refere-se às características operacionais básicas de um produto. No

caso de um produto alimentício, nutrir estando isento de substâncias nocivas à saúde e apto ao consumo (madurez11, grau de cocção12, temperatura, apresentação, etc.) podem ser consideradas características de desempenho de um alimento. Esta dimensão da qualidade seria resultado da combinação de elementos dos enfoques baseados no produto e no usuário apresentados anteriormente, estando intimamente relacionada com a qualidade mínima do produto.

A segunda dimensão refere-se às características secundárias que suplementam o funcionamento básico do produto. Para os produtos alimentícios, uma embalagem ergonômica para o seu transporte, fornecimento de sachês de temperos para seu consumo, presença de brindes dentro das embalagens, dicas de consumo e receitas, enriquecimento com vitaminas, etc., podem ser consideradas características secundária para um produto alimentício. Esta dimensão está intimamente relacionada com a qualidade atrativa do produto.

A terceira dimensão é a confiabilidade e reflete a probabilidade de mau funcionamento de um produto ou de ele falhar num determinado período. De acordo com GARVIN (2002), as medidas mais comuns da confiabilidade são: tempo médio para a primeira falha, tempo médio entre falhas e taxa de falhas por unidade de tempo. Essa dimensão é basicamente utilizada para bens duráveis, sendo que as duas primeiras medidas somente poderiam ser aplicadas a eles, uma vez que para serviços e produtos como os alimentícios, que são consumidos na mesma hora ou em um espaço de tempo comparativamente muito mais curto, suas medições seriam inviáveis.

Isso porque para a primeira medida, havendo falha, haverá apenas uma, no momento de sua primeira “utilização” e, portanto, não havendo tempo algum antes de seu consumo (ninguém usa um pêssego até ele falhar pela primeira vez. O tempo de uso é igual ao instante de consumo). Como pode haver apenas uma falha, pois o produto alimentício, se falha (estragado) é descartado, não existe tempo médio entre duas falhas. Logo, a confiabilidade de um produto alimentício pode ser medida pela taxa de falhas por unidade de tempo, sendo que o valor máximo da taxa de falhas será igual à quantidade de vezes que um determinado produto alimentício foi consumido, diferentemente de um bem durável de uso periódico ou contínuo.

11 Grau de amadurecimento em que se encontra determinado alimento em seu estado in natura. 12 Intensidade de cozimento sofrido por determinado alimento.

Por exemplo, se durante um período de tempo “X” for comprado e consumido um produto alimentício “A” por “Y” vezes, e em nenhuma das “Y” vezes o produto apresentar problemas, ou seja, taxa de falhas igual a zero, ter-se-á um produto plenamente confiável (Figura 3.1).

Evento Produtos Alimentícios Bens Duráveis Tipo de Produto instantes de tempo Tempo Médio

para 1a. Falha

Taxa de Falhas por Unidade de Tempo

Compra Uso/Consumo Detecção de Falha Conserto Tempo Médio

Entre Falhas

Fonte: Elaboração própria a partir de GARVIN (2002, p. 62-63).

FIGURA 3.1 – A Confiabilidade para Bens Duráveis e Produtos Alimentícios

Essa lógica de construção de confiança ao longo de compras e consumo de produtos alimentícios ao longo do tempo segue a mesma lógica da criação de reputação da marca, alcançada pela boa conduta dos agentes envolvidos, buscando fornecer produtos de qualidade assegurada e padronizada em detrimento de ações oportunísticas contra o consumidor final (ZYLBERSZTAJN, 2001).

Como se percebe, a confiabilidade do produto alimentício depende mais de sua qualidade intrínseca que de sua qualidade percebida. Ou seja, um produto alimentício confiável é aquele que apresenta atributos como ausência de substâncias químicas e biológicas contaminantes, integridade física, composição nutricional, etc., dentro dos padrões esperados pelo consumidor. Logo, para que um produto alimentício

torne-se confiável ante o público consumidor antes mesmo de ser consumido, faz-se necessário externalizar ou tornar visível a qualidade intrínseca desses produtos.

A certificação ou adoção de selos da qualidade executa tal papel de externalização da qualidade intrínseca do produto, na medida em que sua presença na embalagem ou sobre o próprio alimento busca garantir ao consumidor que determinado alimento tenha sido elaborado por processos produtivos confiáveis e que respeitam a legislação a qual estão subordinados (GALLEGO, MARTÍNEZ, MARTÍNEZ, 2003). Obviamente, também faz-se necessária a presença de instituições públicas e privadas que garantam a lisura e confiabilidade de todo o processo de auditoria e permissão e toda e qualquer empresa que quiser utilizar um desses selos ou certificações em seus produtos.

A quarta dimensão é a conformidade, ou o grau em que o projeto e as características operacionais de um produto estão de acordo com padrões preestabelecidos. Segundo GARVIN (2002), existem duas abordagens de conformidade: a que iguala conformidade com cumprimento de padrões, utilizada nos E.U.A. e a que iguala a conformidade ao grau de variabilidade ou, inversamente, ao grau de uniformidade em torno de uma dimensão estabelecida como meta. Apesar de GARVIN (2002) demonstrar que o segundo processo seria melhor que o primeiro quando da produção de alguns tipos de bens duráveis, sendo que para produtos alimentícios nem sempre a segunda abordagem é a mais vantajosa.

Se um determinado processo de produção de manteiga for caracterizado como sendo capaz de produzi-la com um nível de chumbo abaixo do limite máximo de especificação, que estaria em 0,05 mg/Kg segundo o COD STAN A-1-1971/1999 do

Codex Alimentarius, este causaria menos danos à saúde do consumidor do que um

processo centrado na média dos limites de especificação (0,025 mg de chumbo por Kg de manteiga). Supondo que ambos os processos sejam processos normal padrão N(µ, σ), a função perda de TAGUCHI apud TOLEDO (2001) seria maior no segundo caso, ou seja, a segunda abordagem causaria maiores perdas para a sociedade ao permitir a produção de quantidades de manteiga com maiores níveis de chumbo do que o processo da primeira abordagem, causando um maior acúmulo de chumbo no organismo de seus consumidores.

Tanto a confiabilidade quanto a conformidade estão “(…) intimamente associadas à abordagem da qualidade baseada na produção. Melhoras em ambas as medidas normalmente se traduzem diretamente em ganhos da qualidade (…)” (GARVIN, 2002, p. 66).

A quinta dimensão é a durabilidade, traduzindo-se numa medida de vida útil do produto. Segundo GARVIN (2002), tecnicamente pode-se definir durabilidade como o uso proporcionado por um produto até ele se deteriorar fisicamente. Entretanto, ainda de acordo com GARVIN (2002), economicamente, a durabilidade passa a ser definida como o uso que se consegue de um produto antes de ele se quebrar e a substituição ser considerada preferível aos constantes reparos.

Baseando-se no ponto de vista econômico de GARVIN (2002), pode-se considerar que a dimensão durabilidade não teria aplicação ao produto alimentício, uma vez que ele não poderia ser simplesmente reparado, sendo sua substituição a única solução possível.

No entanto, poder-se-ia encaixar nesta dimensão, quando de sua definição técnica, o tempo de vida de prateleira de um produto alimentício, onde o tempo de uso referir-se-ia ao tempo de vida do produto antes de seu consumo, incluindo o tempo de exposição em prateleira e o tempo de estocagem na casa do consumidor, antes de seu consumo em um ou vários instantes de tempo.Tomando essa variação do conceito de GARVIN (2002), quanto maior a durabilidade ou vida útil de prateleira (shelf-life) do produto alimentício, maior sua viabilidade econômica e comodidade ao distribuidor e ao consumidor final.

A sexta dimensão, o atendimento, refere-se à rapidez, cortesia e facilidade de reparo de um produto. Substituindo-se a variável facilidade de reparo por facilidade de troca, esta dimensão é amplamente aplicável aos produtos alimentícios. Esta é uma dimensão ajustável às relações entre todos os segmentos de uma CPA, com especial aplicação às relações da ponta final da cadeia.

A sétima dimensão é a estética e refere-se à aparência do produto, ou seja, o que se sente com ele, qual o seu som, sabor ou cheiro (GARVIN, 2002, p. 71). Certamente essa é uma das dimensões mais importantes para os produtos alimentícios e que está intimamente relacionada com a oitava dimensão de GARVIN (2002), a qualidade percebida.

Vale salientar que os bens não-duráveis, especialmente os de origem orgânica, onde se encaixam os alimentos, devido às suas características naturais, apresentam atributos verificáveis e não-verificáveis de qualidade no ato da compra, ou seja, qualidade percebida e qualidade intrínseca.

Ainda mais, para os produtos agroalimentares, como é discutido na subseção que se segue, os atributos da qualidade que mais se destacam e que são consideradas fundamentais, segundo BREMNER (2000), são as características estruturais ou tecnológicas, tais como composição nutricional, embalagem, etc.; as características sensoriais ou psicológicas, tais como sabor, brilho, beleza, aroma, etc.; e as características comerciais e de segurança, tais como a ausência de agente patogênicos, contaminantes, prazo de validade, etc.

Assegurar a qualidade dos produtos alimentícios passa, necessariamente, pela garantia de que os processos de fabricação e armazenagem estejam de acordo com padrões fitossanitários rigorosos e capazes de detectar possíveis falhas no processamento, embalamento e transporte que sejam fontes em potencial de agentes contaminantes e que possam estar contribuindo para a contaminação do alimento e posterior risco à saúde de seu consumidor final. Porém, o que vem a ser a “qualidade de um produto alimentício”?

Para responder a essa pergunta, apresenta-se seção a seguir que define e diferencia conceitos como qualidade e segurança dos alimentos.