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3. Informação, conhecimento e trabalho

3.7 A quem pertencem a informação e o conhecimento?

Historicamente, os conflitos pelo domínio da informação e do conhecimento na esfera da produção não ocorreram de maneira velada, mas foram percebidos nitidamente por aqueles que deles tomavam parte.

A esse respeito, a Associação dos Fabricantes de Manchester vangloriava-se, em 1854, da sua superioridade em relação à disputa pelo conhecimento travada no seio do processo fabril:

Os trabalhadores das fábricas deveriam lembrar-se agradecidos de que seu trabalho é de baixa qualificação, não havendo nenhuma outra espécie mais fácil de ser adquirido ou melhor remunerado, considerada sua qualidade; nem mais fácil de ser aprendido pelo menos experimentado e pelo maior número. A maquinaria do patrão desempenha de fato, na atividade da produção, papel muito mais importante que o trabalho e a habilidade do trabalhador, que se podem aprender em 6 meses de instrução, estando ao alcance de qualquer braceiro do campo (apud MARX, 1980a, p. 484).

Ao defender o ponto de vista da classe trabalhadora, o líder sindical Big Bill Haywood abordou este conflito com a seguinte metáfora irônica: “O cérebro do gerente está debaixo do boné do trabalhador” (MONTGOMERY, 1979, p.9)

Livingston (1987) cita as palavras de John Frey, experiente moldador de aço e jornalista do trabalho:

É essa posse ímpar do conhecimento sobre o ofício e a habilidade profissional por parte de um grupo de trabalhadores assalariados, bem como a ignorância do empregador a respeito destas questões, que permitiu que os trabalhadores se organizassem e conquistassem melhorias nas condições de trabalho (LIVINGSTON, 1987. p.78).

Marshall (1920) afirmou em 1890 que boa parte do capital consiste em conhecimento e que o conhecimento seria o mais poderoso motor da produção. Alegou também que a distinção entre a propriedade pública e privada do conhecimento tinha crescente importância, em alguns aspectos sendo mais relevante do que a propriedade pública e privada de bens materiais.

Perelman (1998) argumenta que, nos tempos de Marshall, não era comum atribuir

status de propriedade privada à informação, conforme sugere a seguinte passagem:

ideias e conhecimento, uma vez adquiridas, passam rapidamente para propriedade comum, e se tornam parte da riqueza coletiva, numa primeira instância dos países aos quais as indústrias afetadas pertencem e, em última análise, de todo o mundo (MARSHALL, 1932, p.175).

Em um estudo em que procurava desenvolver um modelo teórico para a produção, Graaf (1967) afirmou que a empresa não tem, em si mesma, nenhum conhecimento, e que aquele que está disponível para ela pertence aos homens que a compõem. Nota-se que esta perspectiva desafia a estrutura da teoria econômica tradicional e questiona toda a desigual distribuição de renda que dela decorre, conforme destaca Perelman (1998).

Segundo Perelman (1998, 2002), esse ponto de vista de Graff despertou um vespeiro ideológico e foi objeto de resposta por parte de Sidney Winter (WINTER, 1982), que, numa primeira afirmativa, repreendeu Graff, mas, num segundo momento, reelaborou seu próprio argumento:

São as firmas, não as pessoas que trabalham para elas, que sabem como produzir a gasolina, automóveis e computadores. (WINTER, 1982, p.76 apud PERELMAN, 1998, p.58)

Concluo que há mérito tanto na visão segundo a qual os indivíduos são repositórios de conhecimento produtivo, quando naquela que afirma que as empresas de negócios e outras organizações são estes repositórios (WINTER, 1982, p.78 apud PERELMAN, 1998, p.58).

Ao analisar as ideias publicadas por Sidney Winter em coautoria com Richard Nelson (NELSON, WINTER, 1982), Perelman (1998, 2002) alega que esses autores defendem a teoria econômica tradicional e a distribuição de renda que dela decorre. Perelman advoga que eles tomam como certa a perspectiva segundo a qual os proprietários da informação como capital, em vez de trabalho, colhem as recompensas que surgem a partir da informação. O autor afirma que Nelson e Winter (1982) justificam essa situação propondo que as firmas, não os indivíduos, são os repositórios do conhecimento. Sustenta ainda que, de acordo com os autores, essa notável recompensa das empresas representa o retorno financeiro pela reserva de informação que elas foram capazes de acumular.

Em outra direção, Arrow (1996) também aborda o tema. O autor afirma que, uma vez assimilada a informação, ela pode ser transferida a baixo custo, sem que seu proprietário anterior seja dela despojado, o que torna problemático considerar a informação uma propriedade. Se ela não se configura como propriedade, faltam incentivos para sua criação. É por este motivo que este economista defende que as patentes e os direitos de cópia são inovações sociais voltadas para criar escassez artificial onde ela antes não existia.

Porém, argumenta Arrow, os direitos de propriedade têm poderes limitados, pois existem muitos caminhos pelos quais o conhecimento pode se difundir, como a pirataria e

reproduções não autorizadas; a mobilidade do trabalhador nos processos de troca de emprego; o próprio lançamento do produto no mercado, que aumenta a chances de sua duplicação; a disseminação de registros escritos ou orais; e o aprendizado com terceiros por meio de contatos informais.

Arrow (1996) enfatiza as diferenças entre as teorias econômicas que abordam este problema. De acordo com a teoria econômica padrão, a firma é um locus de conhecimento, enquanto incorporada em um conjunto de possibilidades de produção.

No entanto, o autor alega que o conhecimento que caracteriza uma empresa não está incorporado apenas em registros e bancos de dados. O conhecimento mais importante está incorporado nos indivíduos, o que contradiz a compreensão teórica padrão acerca da firma. No modelo neoclássico, os trabalhadores não são parte da empresa. Eles são inputs comprados no mercado, como matérias-primas e bens de capital. Porém, eles carregam a base de informação da empresa, mesmo que não tenham ligação permanentemente com ela. Percebe- se, portanto, que definir a firma como um locus do conhecimento produtivo sugere que o conhecimento é peculiar à firma (ARROW, 1996).

Consequentemente, para que uma companhia trate sua informação como um ativo, é preciso pressupor que os trabalhadores tenham mobilidade limitada ou que, pelo menos, tenham relações duráveis com a empresa (ARROW, 1996).

O autor afirma que aqueles que avaliam o capital de uma empresa têm procurado levar em consideração a base de informações incorporada nos trabalhadores da produção, gerentes e pessoal técnico.

Concluindo suas reflexões, Arrow (1996) afirma que a informação, um dos determinantes fundamentais da produção, circula de firma para firma. Mas, contrariando este fato, a empresa tem sido definida em termos da sua propriedade legal. Esta contradição sugere que cada vez mais existirão tensões envolvendo relações jurídicas e a produtividade advinda do conhecimento.

No mundo contemporâneo, haja vista a crescente importância da informação e do conhecimento no âmbito das empresas e na economia como um todo, este embate se torna mais relevante e complexo. Por meio do direito de propriedade intelectual, cada vez mais, atribui-se às empresas, não aos trabalhadores, o controle dos ativos intangíveis empregados na produção, bem como o produto do trabalho, seja na produção de bens físicos ou serviços, incluindo os que têm acentuado caráter intelectual.

As empresas alegam que o direito de propriedade intelectual é imprescindível para que elas desenvolvam pesquisas científicas e progressos tecnológicos, e procuram impedir que

seus empregados possam tomar posse do conhecimento criado por eles. Neste contexto, os trabalhadores "não têm mais direito ao produto que produziram do que a máquina tem" (PERELMAN, 2002, p.120).

Esse ponto de vista nos remete à discussão marxiana sobre o trabalho alienado (trabalho estranhado) e o seu agente, o trabalhador alienado (trabalhador estranhado).

Para Marx (2010b), na medida em que a produção da classe trabalhadora é apropriada pelo capitalista, o trabalhador é despojado do produto do seu trabalho. Ele se relaciona com o produto do seu trabalho como com um objeto alienado, um objeto estranhado, um poder independente do produtor. Quanto mais aumenta a produção, menos o trabalhador pode possuir e "tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital" (MARX, 2010b, p.81). Mas esse estranhamento se manifesta também, e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva, atividade estranha que não pertence mais ao produtor. Nesse processo, o trabalhador estranha a si mesmo e estranha sua essência humana. Nos termos de Marx (2010b, p.87): “a propriedade privada é, portanto, produto, o resultado, a consequência necessária do trabalho exteriorizado, de trabalho estranhado, de vida estranhada, de homem estranhado”.

Avancemos para o último tópico desse capítulo, no qual são discutidas as metamorfoses do trabalho na era da informação e as mutações do capitalismo frente ao desafio de dominar o trabalho que lida com o elemento intangível.