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3. Informação, conhecimento e trabalho

3.3 Informação, conhecimento e controle do trabalho

A disputa pelo domínio de informação e do conhecimento para controle da produção e das dinâmicas socioeconômicos não é uma contradição nascida na era da informação, ela sempre existiu ao longo da história, bem antes da existência das tecnologias de informação e comunicação que emergiram a partir do século XX.

Tendo se expandido durante o período da revolução industrial e ganhado novo status com o taylorismo e o fordismo, a disputa pelo conhecimento estratégico já foi apontada em contextos bem mais antigos.

Na idade média, a produção era dominada pelas corporações, responsáveis pelos monopólios dos processos produtivos. Naquela ocasião, ainda não havia leis sobre patentes, mas mecanismos legais voltados para legitimar e instituir a apropriação sobre os segredos artesanais, a exemplo do que determinava uma lei veneziana de 1454:

Se um trabalhador levar para outro país qualquer arte ou ofício em detrimento da República, receberá ordem de regressar; se desobedecer, seus parentes mais próximos serão presos a fim de que a solidariedade familiar o convença a regressar; se persistir na desobediência, serão tomadas medidas secretas para matá-lo, onde quer que esteja (RENARD, 2000, p.41).

Paula (2011a) destaca a sinceridade extrema e brutal que Mandeville revela ao expor, no início do século XVIII, alguns princípios capitalistas voltados para a esfera do conhecimento.

Para que a sociedade seja feliz e o povo tranquilo nas circunstâncias mais adversas, é necessário que grande parte dele seja ignorante e pobre. O conhecimento não só amplia, como multiplica nossos desejos. [...] Portanto, o bem estar e a felicidade de todo Estado ou reino requerem que o conhecimento dos trabalhadores pobres fique confinado dentro dos limites de suas ocupações e jamais se estenda além daquilo que se relaciona com sua missão. Quanto mais um pastor, um arador, ou qualquer outro camponês souber sobre o mundo, e sobre o que é alheio ao seu trabalho e emprego, menos capaz será de suportar as fadigas e as dificuldades de sua vida com alegria e contentamento. A leitura, a escrita e a aritmética [...] são muito perniciosas aos pobres (MANDEVILLE, 1732, p.328)

Segundo Paula (2011a), o texto de Mandeville mostra como os elementos ideológicos da mentalidade burguesa, em seu momento de nascimento, estavam muito visíveis e evidentes. Defendia-se abertamente a instituição uma relação absolutamente funcional e restritiva sobre quais os tipos de informação e de conhecimento caberiam aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, buscava-se estabelecer limites à apropriação de conhecimentos considerados transgressivos e que fossem capazes de motivar perspectivas que ultrapassassem aquelas imediatamente postas pela dominação de classe. O objetivo alegado explicitamente era limitar o conhecimento dos trabalhadores àquilo que era imediatamente útil à suas tarefas. O letramento do trabalhador e o conhecimento que ultrapassassem o limite daquilo que se impunha cotidianamente ao seu fazer eram considerados inúteis, nocivos e perigosos.

Desde o seu nascimento, portanto, o capitalismo não demonstra ter compromisso com o conhecimento e com a informação. Não está dado, a priori, o caráter progressivo do capital como força educadora (PAULA, 2011a).

Ao contrário, conforme expõe o autor, a questão da informação e do conhecimento é central na luta de classes, pois

Grande parte do esforço dos trabalhadores de se apropriarem do conhecimento, de ampliar seus horizontes, suas referências simbólicas e culturais, faz parte de um processo maior que de se confrontar com o capital na sua totalidade. Busca-se conhecer não só para fazer melhor, mas conhecer para revelar outras possibilidades, para desvelar outros mundos, outras formas de sociabilidade (PAULA, 2011a).

Segundo Perelman (1998), antes do advento das grandes indústrias, os trabalhadores detinham o controle da massa de conhecimentos acerca das técnicas de produção, por meio de acordos de secretismo que eram conscientemente instituídos. Em fins do século XIX, muitos

gerentes de indústrias não se inteiravam do processo de trabalho, mas essa alienação não perdurou por muito tempo.

O autor afirma que Hegel demonstrou, no início do século XIX, compreender este fenômeno ao vislumbrar a reversão de poder na sociedade escravocrata, passível de ocorrer quando os escravos assumiam os processos produtivos, criando uma relação de dependência do senhor em relação aos seus servos.29

Com a revolução industrial e a expansão da materialização do conhecimento nas tecnologias e no maquinário industrial, essa lógica ganha novos contornos e coloca em desvantagem a classe trabalhadora. Os trabalhadores resistiram à introdução de tecnologias inovadoras voltadas para reduzir a importância das habilidades e informações dominadas por eles. Mas o gerenciamento venceu a batalha quando o maquinário passou a ser adotado em larga escala. Por outro lado, nesse processo, surgiu um novo tipo trabalho voltado para a manutenção daquelas máquinas. Alguns trabalhadores desenvolveram habilidades estratégias para tal, o que exigiu uma nova rodada de esforços dos empregadores para desqualificar as atividades profissionais emergentes (PERELMAN, 1998).

Ao abordar a indústria moderna, Marx expõe a subordinação do trabalhador ao maquinário, trabalho morto que domina, suga e exaure a força de trabalho viva. Para o filósofo, ao contrário de facilitar o trabalho, a máquina torna-se meio de tortura, pois “não livra o trabalhador do trabalho, mas seu trabalho de conteúdo” (MARX, 2013, p.495). A habilidade do operador de máquinas, privado de conteúdo, perde a relevância quando o conhecimento científico é incorporado à produção fabril.

A separação entre as forças intelectuais do processo de produção e o trabalho manual e a transformação delas em poderes de domínio do capital sobre o trabalho se tornam uma realidade consumada na grande indústria fundamentada na maquinaria. A habilidade [...] do trabalhador, despojado, que lida com a máquina, desaparece como uma quantidade infinitesimal diante da ciência, das imensas forças naturais e da massa de trabalho social, incorporadas ao sistema de máquinas e formando com ele o poder do patrão (MARX, 1980a, p.484).

Conforme Marx enfatiza, trata-se de transformar o ser humano para que ele atenda plenamente ao imperativo da lógica capitalista, convertendo-o em mera peça de máquina, ou seja, num insumo facilmente substituível e barato.

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A dialética do senhor e do escravo é discutida por Hegel no Capítulo IV da obra Fenomenologia do Espírito, publicada originalmente em 1807 (HEGEL, 1979).

Data do século XVIII essa metáfora do trabalhador que, despojado do conhecimento e do domínio do trabalho, se torna uma peça do maquinário que pode ser descartada ou substituída facilmente:

Muitas artes da mecânica, de fato, não requerem nenhuma habilidade; nestas, o sucesso é maior na supressão total de sentimentos e da razão; a ignorância é a mãe da indústria assim como da superstição. O raciocínio e a imaginação estão sujeitas a erros; mas o hábito de mover as mãos ou os pés independe de ambos. Os fabricantes, portanto, prosperam onde a mente é menos consultada, e onde a oficina pode, sem grande esforço de imaginação, ser considerada uma máquina, cujas partes são os seres humanos (FERGUSON, 1782, p.305).

Se o controle do conhecimento se torna instrumento de dominação do capital sobre o trabalho, isso também pode ser afirmado em relação ao fracionamento sistemático das atividades que compõem o processo de trabalho.