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CAPÍTULO III: ALTERNATIVAS PARA O SUPRIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA

3.1 CONTEXTO SOCIOECONÔMICO, POLÍTICO-INSTITUCIONAL E AMBIENTAL

3.1.3 A Questão ambiental

O cenário onde se passa o processo decisório a ser analisado nesse estudo envolve a Bacia Hidrográfica do Rio Branco, situada no estado de Roraima, assim como as terras indígenas São Marcos e Raposa Serra do Sol, as quais estão localizadas nas regiões onde se situam as principais alternativas para o fornecimento de energia elétrica para o estado de Roraima: a Hidrelétrica de Cotingo e a Linha de Transmissão da Hidrelétrica de Guri – Venezuela (o “Linhão de Guri”). Além do fator energético-econômico, um dos principais fatores envolvidos no processo foi o “socioambiental”, considerando as características ambientais da região e os povos indígenas que habitam essa região.

3.1.3.1 A Bacia Hidrográfica do Rio Branco

A bacia hidrográfica do rio Branco situa-se na região amazônica, no extremo norte do nosso país, fazendo fronteira com a Venezuela e a Guiana. O rio Branco é um importante contribuinte da margem esquerda do rio Negro que, juntamente com o rio Solimões, forma o rio Amazonas. Do início, até a sua foz, no rio Negro, o rio Branco tem uma extensão de 584 km.

Devido à baixa das águas durante o período da estiagem, o livre acesso à navegabilidade é periódico. No período das grandes enchentes, que ocorre entre os meses de maio e setembro, observa-se a maior altura das águas durante o mês de junho. Dessa forma, o rio apresenta-se, nesse período, com uma navegação fraca da sua foz até acima da confluência dos rios Uraricoera e Tacutu. O período da estiagem, no qual as suas águas se posicionam em menor escala, ocorre entre os meses de outubro e abril. Contudo, as maiores estiagens são observadas com mais rigor entre os meses de dezembro e janeiro (SANTOS, 2010).

Quanto as suas condições de navegabilidade, o rio Branco apresenta dois trechos navegáveis: o primeiro trecho navegável conhecido como alto rio Branco compreende desde a confluência de seus formadores, Uraricoera e Tacutu, até a corredeira do Bem Querer, em Caracaraí, totalizando 154 km, onde começa a aparecer dificuldade de navegação. O trecho entre esta corredeira e a sua foz, compreendendo uma extensão de 440 km, é denominado de baixo rio Branco, que é navegável, porém com grandes variações de profundidade. Esse

trecho é responsável, em quase sua totalidade, pelo transporte hidroviário no estado de Roraima, transportando cargas e apresentando-se como a principal via fluvial na ligação entre Rio Branco e Manaus (EPE, 2010).

A energia elétrica apresenta-se como uma das potencialidades econômicas da bacia (EPE, 2010). No entanto, a construção de Hidrelétricas no local tem representado um problema para a população indígena que reside na bacia do Rio Branco. O mapa abaixo mostra a quantidade de terras indígenas e aldeias na região.

Fonte: MONTEIRO, Telma (2011)

Mapa 5: Terras Indígenas e Aldeias na bacia do Rio Branco 3.1.3.2 Terras Indígenas

Da área total do estado de Roraima, que soma 224.298,980 km², 45% é composta por terras indígenas totalizando 101.710,15 km² distribuídas em trinta e duas Terras Indígenas, sendo estas contínuas ou em ilhas. São em torno de 38.000 indígenas pertencentes a oito etnias (IBGE, 2009). Essa grande proporção de área indígena no estado justifica o peso que a questão indígena tem na região, tornando visível sua influência em praticamente todas as atividades de Roraima, como por exemplo, o trabalho em madeira, a cerâmica makuxi e esculturas de pedra de sabão.

Tanto em áreas florestais quanto em áreas campestres encontram-se áreas indígenas contínuas. A Terra Indígena São Marcos e Raposa Serra do Sol são áreas indígenas contínuas, localizadas em áreas campestres e são palcos de conflitos indígenas referentes à questão energética analisada nesse estudo.

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) encontra-se no noroeste de Roraima, em uma extensão territorial que abrange as fronteiras do Brasil, Venezuela e Guiana e abriga os povos indígenas Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Patamona e Taurepang. Desde o fim do século XIX já existem registros de aquisição de propriedade por parte de não índios para fins de colonização e ocupação na região Raposa Serra do Sol. A vegetação dessa região é o Cerrado e, devido ao calor equatorial e a presença abundante de rios e igarapés, é propícia à agricultura (SECCHI, 2010).

Apesar da presença de não índios na região, os índios Makuxi e Jaricuna encontram- se amparados, desde 1917, por uma lei estadual editada pelo governo do Amazonas. A referida lei defende o usufruto, por parte dos índios, dessas terras na Raposa Serra do Sol, que estão compreendidas entre os rios Surumu e Cotingo. A finalidade da lei era apaziguar os conflitos que já existiam entre índios e não índios.

Com relação à demarcação da TI, a qual ainda não tinha acontecido, apesar da restrição, no que se refere ao direito à exploração de recursos naturais por parte da União, o artigo 231 da Constituição Federal estabelece o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas, desde que autorizado pelo Congresso Nacional e ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

Na TI São Marcos residem 4,3 mil indígenas das etnias Taurepang, Makuxi e Wapixana. Os Taurepang distribuem suas aldeias exclusivamente na porção norte; os Wapixana estão concentrados majoritariamente na porção sul e central; e os Makuxi, que representam mais de 60% da população da TI, encontram-se dispersos por toda a área.

A TI São Marcos é atravessada por uma rodovia federal asfaltada, a BR-174, que faz ligação entre Manaus e Boa Vista. Na terra indígena, encontra-se também o município de Pacaraima, fronteira com a Venezuela. O município foi criado pelo estado de Roraima, com a maioria de sua população não-indígena, que, em 1998 se aproximava de 2.000 pessoas. Ao longo da BR, estão implantadas as torres metálicas e os fios de alta tensão para a transmissão da energia elétrica do Complexo Hidrelétrico de Guri, da Venezuela, à Boa Vista (alternativa vencedora no que se refere ao processo de fornecimento de energia para o estado de

Roraima). A linha de transmissão na verdade, foi objeto de negociação do governo federal com os índios. O acordo ocorreu antes da criação do município de Pacaraima dentro da TI:

Em 2001, uma linha de transmissão de energia foi implantada ao longo dessa rodovia. Em contrapartida, conseguiram a saída dos fazendeiros, mas vivem o impasse de ter a sede67 de um município no interior da TI (EPE, 2010, p. 212). 3.1.3.3 As Questões Ambientais

Os severos impactos ambientais que o estado vem sofrendo ao longo dos anos estão relacionados, segundo enfatizam Santos e Diniz (2004), a vários fatores, como por exemplo: o rápido crescimento populacional; a grande concentração nos núcleos urbanos; o ritmo lento com que o poder público vem ampliando a infraestrutura de saneamento; e as transformações macroestruturais que marcam a expansão da fronteira agrícola e de outros setores da economia roraimense.

Dentre as atividades responsáveis por esses impactos pode-se destacar a mineradora, que, apesar de ser de grande importância para o estado, gera impactos muitas vezes irreversíveis quanto ao uso do solo e possibilidade de reflorestamento; assim como o setor industrial junto à população urbana; e os ambientes rurais, considerando a agricultura como um elemento impactante no espaço roraimense. O avanço da fronteira, além de provocar a degradação ecológica através do desmatamento e queimadas, empobrecendo os solos e a biodiversidade do território, é responsável pelo aumento dos conflitos de interesses entre indígenas e posseiros.

Algumas organizações já se manifestaram para ajudar o estado com planos de desenvolvimento regional, elaborando estudos contendo diagnósticos ambientais, econômicos e energéticos. A demanda em Roraima por uma reestruturação da sua matriz energética é um fator relevante nesses diagnósticos. Dentre essas organizações, encontram-se o PROVAM (Programa de Estudos e Pesquisas dos Vales Amazônicos), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a extinta SUDAM (SANTOS; DINIZ, 2004).

Uma das propostas para a resolução da questão energética foi o aproveitamento energético da bacia do rio Cotingo, ao norte de Boa Vista, na terra indígena Raposa Serra do Sol. Entre os estudiosos e interessados no assunto, a pergunta chave era: o empreendimento traria um grande desenvolvimento à região, sendo satisfatória a sua produtividade? Esta alternativa foi alvo de grandes discussões entre políticos, pesquisadores, técnicos, e a população indígena envolvida, conforme se verá adiante.

Assim, durante essa etapa do processo decisório, a questão indígena constituiu o principal fator, além dos fatores custo e tempo. A questão indígena estava presente nas duas principais alternativas: no caso da importação da energia elétrica da Venezuela, as torres da linha de transmissão também atravessariam terras indígenas, tanto do lado da Venezuela, como do lado do Brasil. O processo da formulação seria, então, permeado e complicado por esses três fatores. A seguir, serão identificados os principais atores dessa fase de formulação e seus respectivos papéis nesse processo de negociação, de acordo com seus interesses e motivações durante esse “jogo de poder”.

3.2 PREFERÊNCIAS E MOTIVAÇÕES DOS ATORES ENVOLVIDOS