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CAPÍTULO IV: A CONSTRUÇÃO DO “LINHÃO DE GURI” E OS CONFLITOS

4.2 OS ASPECTOS AMBIENTAIS, ECONÔMICOS E GEOPOLÍTICOS DO PROJETO DE

4.2.2 No lado da Venezuela

4.2.2.1 Aspectos ambientais

Do ponto de vista ambiental, de acordo com a Sociedad, alguns aspectos legais aplicados no projeto não foram tratados de forma correta. Dentre os mais importantes, foram citados, na sua análise, os ordenamentos territoriais e suas limitações; o estudo de impacto ambiental; as permissões ambientais necessárias; e a Consulta Pública.

Com relação aos ordenamentos territoriais, a maior parte da linha de transmissão atravessa áreas afetadas por diversos desses ordenamentos. O primeiro trecho (290 km) atravessa terras da Reserva Florestal de Imataca e o Lote Boscoso San Pedro, enquanto que o segundo (218,5 km) cruza o setor oriental do Parque Nacional Canaima (75 km desse trecho) e a Zona Protetora Sul do Estado Bolívar. Para os fins de instalação de uma linha de transmissão, seria necessária a designação ou definição, dentro de um Plano de Manejo e Regulamento de Uso de cada uma, e isso não ocorreu em nenhum caso. O que aconteceu de fato foi a apresentação do projeto, pelo poder executivo, como sendo de “interesse nacional”. Segundo a análise da SCAV, o primeiro trecho (Macágua-Km 85) poderia ser classificado dessa forma, entretanto, que “interesse nacional” existiria no segundo trecho (km 85 – Santa Elena de Uiarén – Boa Vista)? Esse era apenas um dos questionamentos dessa análise ambiental.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi outro requisito indispensável para a obtenção de permissões ambientais, de acordo com o artigo 6º, do Decreto 1257, de 13/3/1996. No entanto, na versão final do estudo para o segundo trecho, analisada por especialistas da organização não governamental EcoNatura, não existia nenhuma menção com relação a existência do Parque Nacional Canaima.

Quanto às Permissões Ambientais necessárias, na opinião da Sociedad, essas ocorreram sem o devido cumprimento dos requisitos legais. Para acelerar o projeto, o argumento utilizado foi o de que o projeto era de “interesse nacional”, ou seja, a ordem era do Presidente da República e assim, a obra podia ser realizada, deixando em segundo plano os passos legais. Segundo a Sociedad, provas em vídeos comprovam que o desflorestamento para a construção da linha cruzando a Serra de Lema já havia começado em janeiro, enquanto que a permissão ocorreu em março do ano de 1998 (ano da referida análise).

A Consulta Pública era recomendada pelo Decreto 1257, uma vez elaborado o EIA. No caso do referido projeto, não houve Consulta Pública dos EIA da linha de transmissão. No lugar da Consulta foi anunciada na imprensa a disponibilidade do EIA ao público interessado, apesar das obras já estarem em andamento na data do anúncio nos jornais.

Na análise da Sociedad, um projeto dessa natureza, por sua importância sócio- política, exige-se uma Consulta Pública, uma vez que essa não é só um mecanismo de proteção de erros e contratempos, senão o melhor meio de informar e gerar apoio, além de ser o mais democrático dos processos. Por ser um contrato desse porte, entre a Venezuela e outro país, deveria ser matéria obrigatória de consulta pública, ainda que a legislação não a exigisse.

Na Constituição venezuelana, o Artigo 126 determinava: “sem a aprovação do Congresso Nacional, não poderá aprovar-se nenhum contrato de interesse nacional”.

Os impactos ambientais que a linha iria causar, na análise da SCAV, seriam a nível micro (impactos diretos), a nível médio (impactos da integridade geral dos ecossistemas) e a nível macro (impactos sobre as políticas, os princípios e os aspectos éticos e estéticos).

No nível macro, o principal impacto destacado pela SCAV foi a perda do valor paisagismo, considerado como único no mundo e um dos destinos turísticos de maior valor competitivo da Venezuela e a perda da hierarquia nas políticas nacionais. A legislação vigente sobre Ordenamentos territoriais que definia a criação de Parques Nacionais para a preservação de recursos naturais e paisagismos era de tão grande valor, que se considerava que deveriam permanecer intactos a perpetuidade. Ao transgredir o espírito com que se estruturaram originalmente as leis e políticas nacionais de Ordenamentos territoriais e os acordos internacionais assinados e ratificados pela Venezuela, quebravam-se os princípios éticos, estéticos e ambientais pelos quais essas leis e políticas foram criadas.

Com base nessas ações governamentais e os efeitos que elas tendem a provocar no meio ambiente, a SCAV finalizou sua análise sobre os aspectos ambientais desse projeto fazendo algumas perguntas, dentre as quais se destaca: quanto tempo de vida tem os Parques Nacionais como ecossistemas intactos, se cada vez que o governo venezuelano assim o decidir, se justificam e autorizam ações que os afetam, deterioram ou reduzem?

Considerando o que determinava o documento de gestão ambiental da Edelca, as interferências nos parques nacionais seriam minimizadas, com a utilização de alternativas tecnológicas apropriadas para essa finalidade. O estudo das soluções adotadas foi realizado por equipes multidisciplinares com a participação de técnicos do Ministerio del Médio Ambiente y Recursos Naturales (Marn) e do Instituto Nacional de Parques (Inparques)

As interferências foram aquelas localizadas na Reserva Florestal de Imataca e no Parque Nacional Canaima. Na Reserva Florestal, a Linha de Transmissão atravessou 80 km em tensão de 400 kV, afetando uma superfície de 960 ha e 15,3 km em 230 kV, numa superfície de 142 ha, totalizando uma área afetada de 1.100 ha. No Parque Nacional de Canaima, a área total afetada foi de 98 ha nos 75 km de extensão da Linha de Transmissão de 230 kV que atravessa o parque. Segundo o documento da Edelca (2000), para toda área afetada, existiam medidas de mitigação de impactos, devidamente aprovadas pelo Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais, como por exemplo, a aplicação de técnicas especiais de construção como o uso de helicópteros. Essa foi uma das soluções tecnológicas adotadas

pelas equipes multidisciplinares dos órgãos responsáveis para minimizar a interferência nas áreas dos parques.

No item referente aos efeitos do Sistema de Transmissão elétrico nas comunidades que habitavam a sua área de influência, o relatório esclarecia que o traçado foi feito para um mínimo de interferência e as casas e áreas agrícolas porventura afetadas foram oportunamente indenizadas. O relatório declarou ainda a não existência de impactos sobre a saúde dos habitantes e que a única restrição seria a construção de casas sob a linha, por razões de segurança.

Com relação ao impacto cultural, o relatório da Edelca afirmou que esse impacto sobre as comunidades seria o mínimo possível, uma vez que o sistema seria concebido para melhorar a qualidade de serviço elétrico só em Santa Elena de Uairén, sem contemplar nenhuma subestação entre as populações de Las Claritas e Santa Elena.

A resistência à implantação do projeto fundamentava-se nessa questão. As comunidades indígenas residentes na região já dispunham de energia elétrica, oriunda das cinco micro centrais elétricas existentes. O problema residia no fato de se considerar “impactos culturais” o acréscimo de obras e instalações na região. Os impactos considerados com a passagem da linha foram os incidentes na vegetação e paisagem das áreas protegidas legalmente. Essa resistência dos povos indígenas na Venezuela foi uma das causas do atraso nas obras da linha de transmissão, a ser apresentado oportunamente nesse capítulo.