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Resultado das negociações: as reivindicações das comunidades afetadas e o Termo de

CAPÍTULO IV: A CONSTRUÇÃO DO “LINHÃO DE GURI” E OS CONFLITOS

4.4 O CONFLITO E A NEGOCIAÇÃO

4.4.1.3 Resultado das negociações: as reivindicações das comunidades afetadas e o Termo de

No decorrer das reuniões, as formas de compensações financeiras e ambientais para as comunidades indígenas foram surgindo. A proposta apresentada para atender as necessidades dos habitantes da Terra Indígena São Marcos foi a desintrusão. Segundo o consultor e assessor indigenista da Eletronorte, Porfírio de Carvalho, a desintrução era o problema deles. Em sua entrevista, ele relatou com detalhes de que forma esse problema afetava as comunidades indígenas e como se deu a negociação:

“Depois que eles viram por onde ia passar, aí sim, houve uma reunião grande, e aí o pessoal assinava com dinheiro, pessoal da prefeitura, pessoal do governo do estado, e alguns da FUNAI assinavam com dinheiro, como forma de compensação, se autorizasse. Eu nunca – com dinheiro eu não participo. Isso não tem preço – um impacto desse. Eu tentei junto com eles – que eles colocassem na mesa os problemas que eles tinham na vida, coletivo, e o coletivo era a invasão da terra deles – tinham 101 fazendas e esses fazendeiros maltratavam eles, humilhavam eles e davam caronas. A carona para eles era algo como um grande favor porque a Funai não tinha veículo, ninguém levava eles e os fazendeiros levavam. Outra, encheram de gados e eles não podiam colocar roça porque o gado ia lá e comia, e eles viviam nos cantos, eram humilhados, não podiam circular. Existia uma fazenda, que era a mais antiga, histórica até. Uma família antiga que recebeu títulos do governo do Amazonas, não era uma invasão comum. Era uma invasão formal e lá nessa fazenda, era o cúmulo do cúmulo. Existia antes da abolição da escravatura. Eles viviam nos cantos humilhados, dentro da terra deles. Eles não mudaram os métodos. Os escravos foram libertos, mas os índios continuavam escravos. Logicamente, com alguns avanços. Por exemplo, para sair da aldeia deles, os índios tinham que sair por dentro do curral do boi. As aldeias eram cercadas e o gado pastava no meio da aldeia das casas e não adiantava. Todo tentativa, quando chegava alguém para olhar, era só bondade. Eles colocavam até os índios dentro da casa para dizer que moravam com eles, e depois colocavam para fora. O cúmulo da opressão era exatamente aquela fazenda e nós tiramos essa fazenda. Eles viram que era necessário. Dava-se parte a polícia e não dava em nada. Eles colocavam fogo na minha frente nas casas dos índios – matavam os índios – faziam tudo que você podia imaginar. A retirada dos invasores era o problema deles.” (José

Porfírio Fontenele de Carvalho, consultor indigenista da Eletronorte. Entrevista realizada em 14/06/2011- grifo nosso).

Essa proposta incluía também a implantação de um sistema de vigilância ambiental e fiscalizador da futura retirada dos invasores, procurando assim evitar a provável tentativa de retorno. Em outubro de 1997, essa proposta de negociação das comunidades indígenas com a Eletronorte foi oficializada em uma reunião, com a assinatura de trinta tuxauas, líderes de suas comunidades. A proposta de negociação para autorização da instalação da Linha de Transmissão nas terras indígenas incluía os seguintes itens principais, dentre outros130:

a) A recuperação de todas as áreas degradadas em função da construção e instalação das torres e linhas de transmissão;

b) Indenizar todos os bens individuais dos índios, como plantações, casas, cercas e animais, que por ventura fossem danificados ou atingidos pelas obras do empreendimento e de veículos utilizados nos serviços de construção e instalação das linhas de transmissão;

c) Indenizar em nome das comunidades indígenas, a massa florística existente na faixa de segurança (40 metros) calculado por uma comissão de avaliação composta por representantes da Eletronorte, FUNAI e comunidades indígenas;

d) Financiar os custos das indenizações das benfeitorias implantadas dentro das terras indígenas afetadas, depositando o valor total estimado, antes do início dos trabalhos, em conta especial, que deveria ser movimentada em conjunto entre a Comunidade Indígena, FUNAI e Eletronorte; e

e) Financiar durante o período de construção da linha sistema de vigilância das terras indígenas, visando impedir novas invasões ou retorno de invasores, que após a conclusão da obra, ficaria sob responsabilidade da FUNAI e das comunidades indígenas.

Por fim, as comunidades estabeleceram que a Eletronorte, cumprindo essas exigências e tomando os cuidados ambientais iguais aos praticados na fase dos serviços de topografia, ficaria autorizada a iniciar os trabalhos de construção e implantação da linha de transmissão que ligaria a Venezuela a Boa Vista.

Em respostas a essas reivindicações, a Eletronorte, em dezembro de 1997, através do seu Diretor- Presidente encaminhou carta a FUNAI e, inicialmente, ressaltou que a proposta apresentada era fruto de um processo participativo e que, após análise de cada item, a

130 Processo nº 08620.0021.03/1997 – DV – FUNAI. Assunto: Linha de Transmissão Guri/Venezuela e Boa Vista/RR. Proposta de Negociação com a Eletronorte para Autorização da Instalação da Linha de Transmissão Venezuela/Boa Vista nas Terras Indígenas São Marcos e Ponta da Serra. Brasília, 04/03/98.

Eletronorte se disponibilizaria em atender as reivindicações apontadas pelas comunidades indígenas.

No item recuperação de áreas degradadas, o Diretor-Presidente da Eletronorte enfatizou que essa ação mitigadora era um dos programas no âmbito do Relatório de Controle Ambiental, e consequentemente do Plano de Controle Ambiental, procedimentos requeridos pelo IBAMA para o licenciamento ambiental do empreendimento. Quanto à definição do sistema fundiário da área da sede municipal de Pacaraima, por se tratar de assunto exclusivamente constitucional e como o Ministério Público Federal já havia se pronunciado, juntamente com a FUNAI, a Eletronorte se via legalmente impedida de se pronunciar e participar sobre o assunto.

Com relação ao valor da desintrusão das terras, o Diretor-Presidente da Eletronorte afirmou que o valor estimado das benfeitorias, no levantamento fundiário realizado pela FUNAI, em setembro de 1994, atingia um montante de R$ 4.700.000,00 (quatro milhões e setecentos mil reais). Considerando não ser esse valor proporcional ao provável impacto, afirmou ser um valor arbitrado para solucionar o problema que as comunidades enfrentavam atualmente. Afirmou também ser este um assunto de responsabilidade da FUNAI e que esse fato só ainda não tinha sido solucionado por falta de recursos orçamentários e financeiros dessa instituição. Entretanto, a Eletronorte só poderia participar desse processo com parte deste montante, sendo necessário que a FUNAI encontrasse forma de aportar recursos financeiros para a consecução do referido objetivo. Ainda nessa carta, o representante da Eletronorte afirmou que, para não causar transtornos as comunidades indígenas optaram-se pelo desvio da Terra Indígena Ponta da Serra. Dessa forma, não seria necessária qualquer proposta indenizatória daquelas comunidades.

No final de dezembro, ao repassar os fatos a Presidência da FUNAI, o assessor Cornélio Vieira, que representava a FUNAI nas negociações, relatou que a Eletronorte se propunha a atender a reivindicação apresentada pela comunidade indígena e que, com relação ao financiamento dos custos da desintrução, a Eletronorte estava disposta a contribuir financeiramente para a solução desse impasse que era o interesse maior dos índios, mas que a FUNAI deveria desencadear a ação de retirada dos invasores, e coordenar as gestões políticas necessárias131.

Para a implantação dessa proposta, restava então a sua oficialização, através de um documento que definisse os critérios e valores para que a proposta se concretizasse. Após

131 Processo nº 08620.0021.03/1997 – DV – FUNAI. Assunto: Linha de Transmissão Guri/Venezuela e Boa Vista/RR. Informação nº 09/DPI - FUNAI. Folha 73. Brasília, 04/03/97.

várias reuniões e discussões com a Eletronorte, FUNAI e Comunidades Indígenas, conseguiu- se formular e formatar um Termo de Compromisso, que atenderia tanto as necessidades da Eletronorte, de ter a necessária autorização para a construção e operação da Linha de Transmissão, como a garantia aos índios de que a sua proposta e condições seriam atendidas.

Assim, o processo de negociação foi concluído com a assinatura pela Eletronorte, FUNAI e Comunidades Indígenas do Termo de Compromisso 01/98 em 31 de março de 1998. O Termo de Compromisso foi firmado entre as Comunidades Indígenas da Terra Indígena São Marcos, a FUNAI e a Eletronorte, e teve como principal objetivo a retirada de 101 invasores da Terra Indígena, sendo esta ação uma compensação parcial pela passagem da linha de transmissão132. De forma geral, o Termo de Compromisso tinha os seguintes objetivos133: - autorizar formalmente a Eletronorte a construir a Linha de Transmissão Santa Elena/Boa Vista na Terra Indígena São Marcos;

- normatizar os procedimentos para implantação do empreendimento e das medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias; conhecer as obrigações de cada uma das partes envolvidas;

- estabelecer as obrigações de cada uma das partes.