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O Conselho Indígena de Roraima (CIR) / Comissão Pró-Índio de São Paulo

CAPÍTULO III: ALTERNATIVAS PARA O SUPRIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA

3.2 PREFERÊNCIAS E MOTIVAÇÕES DOS ATORES ENVOLVIDOS

3.2.2 Os principais atores envolvidos

3.2.2.2 O Conselho Indígena de Roraima (CIR) / Comissão Pró-Índio de São Paulo

As organizações indígenas do estado de Roraima representam segmentos de diferentes povos Makuxi, Wapichana, Taurepang e Ingaricó, os quais manifestam objetivos comuns, mas também divergentes e às vezes até contraditórios. Repetto (2002, p.160) classifica esses “diferentes” objetivos de “diferentes estratégias de atuação política”. No entanto, independente das estratégicas utilizadas, os índios do estado de Roraima possuem como um dos principais objetivos políticos lograr o reconhecimento de seus direitos pelo estado e pela sociedade como um todo, formada por pessoas comuns, mas que podem se transformar em invasores e agressores diretos de seus direitos e cultura. Essas organizações agrupam as comunidades através da participação de seus tuxauas89. Muitas vezes as lideranças encontram-se divididas entre os interesses das comunidades de base ou organizações e os interlocutores dos órgãos públicos ou de apoio (igrejas, redes de apoio).

O movimento que surgiu como Conselho Indígena do Território Federal de Roraima (CINTER), nos anos 70 e 80, não teve uma organização legalizada. Inicialmente, o movimento reunia-se na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e foi-se estendendo, aos poucos, às outras regiões. Em 1987, o CINTER ficou dividido e um grupo dissidente formou a Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIR), no Rio de Janeiro, rompendo com o apoio da Igreja Católica e alinhando-se, progressivamente ao governo do estado. O CINTER passou a chamar-se Conselho Indígena de Roraima (CIR), em 1988, quando o território Federal passou a estado e a Constituição Federal reconheceu o direito dos índios a se representar juridicamente. O CIR foi oficialmente legalizado em 199090.

A organização indígena que agrupava os tuxauas e as comunidades dentro da Raposa Serra do Sol era o CIR. A APIR trabalhava principalmente na Área São Marcos com pessoas que saíram do CINTER (REPETTO, 2002). Como nesse período de negociação entre a

89 Os tuxauas são escolhidos para representar as populações das malocas ou aldeamentos, sendo porta vozes nas assembleias. Nenhuma liderança pode atuar sozinha, decidindo por conta própria, e quando isso acontece, as críticas podem removê-la do cargo. As assembleias de organizações maiores possuem mecanismos de controle social entre tuxauas e lideranças, evitando possíveis abusos nas suas malocas.

90 Apesar de estas organizações atuarem principalmente em relação aos problemas territoriais, todas praticamente funcionam na capital do estado, como extensão dessas redes sociais e políticas entre as diversas malocas e Boa Vista.

melhor alternativa envolvia diretamente a TI Raposa Serra do Sol, a liderança que se manifestou oficialmente, com a publicação e distribuição de cartilhas, inclusive gerando conflitos com outras lideranças por não aceitarem sua predominância na TI Raposa Serra do Sol, foi o CIR. A Hidrelétrica de Cotingo seria construída inteiramente nessa terra indígena, na Cachoeira do Tamanduá.

A Comissão Pró-Índio de São Paulo91 é uma associação civil de direito privado sem fins lucrativos. Dentre os objetivos almejados por essa associação, ressalta-se: a garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas; a defesa, preservação e promoção da conservação do meio ambiente. Para alcançar tais objetivos, a CPI-SP assessora organizações indígenas, produz material didático, desenvolve pesquisas e monitora ações do Poder Público. A CPI-SP é formada por especialista como antropólogos, advogados, sociólogos, ecologistas, economistas e engenheiros agrônomos.

Na década de 90, a CPI-SP, com o intuito de assessorar comunidades indígenas atingidas, realizou o levantamento e análise de informações sobre os projetos hidrelétricos e os planos do setor elétrico. Diversos estudos de viabilidade e relatórios de impacto ambiental92 de hidrelétricas entre outros documentos foram analisados por essa associação. Dentre as cartilhas produzidas pela CPI-SP tem-se: Energia na Amazônia: Conceitos e Alternativas93 e Roraima: Energia e Alternativas para o Futuro94. Nessas cartilhas, as entidades de apoio e representação questionavam a exploração do potencial hidráulico nas terras indígenas. Eles passaram a acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de levantamentos e divulgação para as comunidades indígenas. A alternativa apontada pela cartilha como viável para o estado foi a opção escolhida pelo governo: a importação de energia elétrica da Venezuela.

O CIR e a CPI-SP se manifestaram contrárias aos projetos referentes às instalações das hidrelétricas de Cotingo, assim como a de outras hidrelétricas, como a de Jatapu e Paredão. Ainda na cartilha que foi distribuída pelo CIR, vários foram os questionamentos sobre a construção da Hidrelétrica de Cotingo, inclusive sobre a própria viabilidade do projeto da Usina, vista com desconfiança pelos índios. As lideranças indígenas acreditavam que a construção da hidrelétrica traria graves consequências para as comunidades indígenas da

91 COMISSÃO PRO-ÍNDIO DE SÃO PAULO – CPI-SP. Nossa história. Disponível em < http://www.cpisp.org.br/html/historia.html> Acesso em 08 de jul de 2011.

92 Foi elaborado o Parecer sobre o Relatório de Impacto Ambiental da Hidrelétrica de Cotingo pelo CIR e pela CPI-SP, em outubro de 1994.

93 Coordenação dos Atingidos pelas Barragens da Amazônia (CABA), Comissão Pró-Índio de São Paulo e Instituto de Eletrotécnica e Engenharia – IEE/USP, setembro de 1993.

região Raposa Serra do Sol, como a ocupação das terras em virtude das obras, inundação e profundas modificações do meio ambiente. Nesse sentido, o Coordenador do CIR enfatizou, na época, que “a verdade é que o governo sempre procurou esconder os problemas provocados pelas hidrelétricas. O governo diz que isso é exagero, que os problemas não são tão graves” (Folha de Boa Vista, 23 de março de 1994).

Portanto, as entidades de apoio e representação da luta indígena na região manifestaram-se pela alternativa da importação de energia elétrica da Venezuela. De acordo com o atual Coordenador do CIR, o Senhor Mário Nicácio, defender a energia elétrica vinda da Venezuela (energia de Guri) foi uma estratégia para poder defender o território das comunidades indígenas:

“Existia muito gargalo com relação à forma como essa energia estava chegando. Nós tínhamos duas opções: ou pegava a energia de Guri ou autorizava a construção da Hidrelétrica de Cotingo. Cotingo ia inundar quase 100 comunidades indígenas aqui na Raposa Serra do Sol e a opção que tinha na época era negociar com o estado para a energia de Guri. A Hidrelétrica de Cotingo não é política das comunidades indígenas. O que a gente entende é que falta tecnologia avançada” (Entrevista realizada em 25/04/2011).

No entanto, a posição das lideranças indígenas de apoiar a energia elétrica vinda da Venezuela representava apoiar uma alternativa que acabaria trazendo impactos para as comunidades indígenas que moravam próximo ao local da construção das torres de transmissão. No lado do Brasil, seria a terra indígena São Marcos, e, no lado da Venezuela, atravessaria também as comunidades indígenas formadas por índios da mesma etnia dos índios brasileiros atingidos, os taurepang (chamados de Pemón na Venezuela)95.

3.2.2.2.1 Edelca / Eletrobras e Eletronorte / Companhia Energética de Roraima (Cer)

A Companhia de Eletrificación Del Caroni C.A - Edelca é uma estatal venezuelana que participou, junto com a Eletrobras e Eletronorte, estatais brasileiras, das negociações e dos estudos de viabilidade econômica para a importação da eletricidade produzida na usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela. Os estudos deveriam fornecer as condições dos contratos de compra e venda para as empresas. O preço que deveria ser cobrado pela Edelca estaria relacionado com o resultado dos estudos, considerando os custos da transmissão.

95Nesse período em que se discutia a opção pelo “Linhão de Guri” não foi encontrada na pesquisa realizada nenhuma manifestação das comunidades indígenas venezuelanas.

A Eletrobras, através da Eletronorte, ator público do governo federal, representada por seus técnicos, tinha interesse em encontrar uma alternativa mais barata de suprimento que a energia gerada pelos parques termelétricos das duas capitais, Boa Vista e Manaus, movida a óleo diesel e óleo combustível. Para os técnicos, a expectativa era a de que a energia de Guri viesse a constituir essa alternativa mais barata. Dessa forma, intensificaram-se as negociações visando à importação da eletricidade produzida na hidrelétrica de Guri, na Venezuela (MELLONI, EUGÊNIO, GAZETA MERCANTIL. Brasil intensifica negociação com a Venezuela para importação de energia, 23/06/1994). Assim, o técnico da Eletronorte Jorge Curi Sadi, Engenheiro de Planejamento na época, que presenciou a situação precária da capital do estado com relação ao fornecimento de energia elétrica para a população local, afirmou que a importação de energia elétrica era a opção mais accessível para a região:

“Porque na época que se optou pela interligação a energia lá realmente era mais accessível. Porque eu tinha que trocar todo o parque térmico de Boa Vista, eram unidades bastante antigas. É igual a um carro. Se você não der manutenção o carro pifa. Se você compra um carro zero e só põe gasolina nele né? E lá, na época, a Companhia Estadual, não sei se não tinha recursos ou se era questão de gerenciamento. Eu sei que, quando a Eletronorte assumiu lá, ela encontrou um parque térmico sucateado, então, ela transferiu unidades para lá, vez o que pôde lá, eu participei. Na época era o Alceu Brito Correia que foi para lá e eu ia ajudar nessa parte de planejamento, desligava luminária na rua com poste intercalado para economizar energia. Porque realmente não tinha geração (...) Porque você não encontra um gerador na prateleira. Você não vai ali encontra e diz entrega lá em casa amanhã. Você tinha que ver na época onde tinha máquina disponível. Porque comprar unidade zero também você entra na fila, é tudo máquina importada né?” (Entrevista realizada em 16/06/2011, em Brasília).

A CER era a Companhia Energética de Roraima na época. Inicialmente era denominada de Centrais Elétricas de Roraima S.A., concessionária de serviços públicos de energia elétrica, que foi criada em novembro de 1968, tendo iniciado suas atividades em abril de 1969. Posteriormente, em setembro de 1989, com a presença da Eletronorte no estado de Roraima96, sua denominação social foi alterada para Companhia Energética de Roraima S.A., ampliando seus objetivos sociais que passaram a abranger a realização de estudos, projetos, construção e operação de sistemas de produção, transformação, transporte e armazenamento,

96 Posteriormente, com a inclusão da Eletronorte no Programa Nacional de Desestatização, foi criada a Boa Vista Energia S.A., subsidiária integral da Eletronorte, começando a atuar no município de Boa Vista a partir da assinatura, juntamente com a Eletronorte, do “Termo de Compromisso de Assunção de Direitos e Obrigações”, em 3 de fevereiro de 1998.

distribuição e comércio de energia resultante do aproveitamento de rios e outras fontes, mormente as renováveis (ELETRONORTE, 2008-2017).

O Senhor Antonio Carramilo, Gerente da Divisão de Geração da Eletronorte em Boa Vista explica como se deu a atuação da Eletronorte e da CER no estado de Roraima na década de 90:

“Até o ano de 1989 existia apenas uma concessionária de energia, que era as Centrais

Elétricas de RR – hoje Companhia Energética de Roraima. Ela era responsável pela distribuição de energia, pela produção e comercialização de energia, tanto na capital quanto no interior. A partir de 1989, a Eletronorte se instalou aqui em Boa Vista, assumindo o serviço da capital, deixando que a CER tomasse conta apenas do interior. Isso já era uma demanda que se vislumbrava em virtude de que a geração já estava pequena em relação à demanda, ou seja, as máquinas já bastante castigadas durante muito tempo eram máquinas antigas, não se via então que o governo do estado tivesse condições de continuar com a energia, com a produção de energia para todo o estado de Roraima. Foi por isso que em 89 a Eletronorte absorveu o serviço da capital, porque era a maior demanda. Então a Eletronorte veio para cá, assumiu o serviço da geração, distribuição de energia na capital e instalou, fez a instalação de grupo de geradores criando a usina de Floresta, com 3 máquinas grandes de 20 MW cada uma, o que veio realmente facilitar bastante para nós (...) e a CER então continuou com a geração, comercialização e distribuição do restante do estado, com os outros 14 municípios hoje (...)” (Entrevista realizada em cinco de maio de 2011, Boa Vista, RR).

De acordo com Carramilo, essa situação se arrastou durante os primeiros anos da década de 90, até que o problema começou novamente, ou seja, as máquinas estavam antigas e já não atendiam mais a demanda (não se ampliou a capacidade). Existiam naquela época duas usinas geradoras de energia, uma no Centro, com onze máquinas pequenas, e a de Floresta, com três máquinas grandes.

A solução para Roraima era muito complicada97. Quando a Eletronorte assumiu em Boa Vista, entre os anos de 89 e 90 a situação era de caos. Existia um parque térmico antigo e muito obsoleto que carecia de manutenção. O racionamento era permanente. Na época tinha um grave problema de transporte de combustível. A BR- 174 não era pavimentada. No período de chuva, enquanto estava começando a chover, a estrada ficava inviável. Era um complicador transportar por oitocentos quilômetros o combustível que vinha de Manaus até o estado de Roraima.

Contrariando os técnicos da Eletronorte, para resolver esse problema de caos energético no estado, a construção da hidrelétrica de Cotingo era a alternativa preferida pelos técnicos da CER (jornal Folha de Boa Vista, 23/3/1994).

3.2.2.3 Os Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e