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CAPÍTULO IV: A CONSTRUÇÃO DO “LINHÃO DE GURI” E OS CONFLITOS

4.4 O CONFLITO E A NEGOCIAÇÃO

4.4.1.4 O Conflito: o processo indenizatório dos invasores

Esse processo não foi fácil e durante os anos de 1998 e 1999, se deram fortes conflitos, já que alguns dos invasores se negavam a receber as indenizações, enquanto o pagamento começou a ser feito a partir de depósitos judiciais. Houve reações violentas dos invasores, dos fazendeiros, dos políticos, de algumas autoridades tanto federais, quanto estaduais e municipais. Segundo Carvalho (2004), eles não estavam acostumados a ver a história ser reconduzida ao seu curso normal, ou seja, as Terras Indígenas eram dos índios e estavam voltando aos seus legítimos donos. Ainda segundo o consultor/assessor indigenista, alguns procuravam confundir a opinião pública, fazendo afirmativas sem fundamento e outros fazendo pressões nas “autoridades de Brasília” e esqueciam que não eram proprietários das terras, pois as posses, na maioria, não tinham nem mesmo registro no cartório. Entre os invasores foram encontrados até mesmo estrangeiros: portugueses e um japonês, que

132 Processo nº 08620.002103/1997-DV – FUNAI. Vol. 2, Fls. 222. 04/03/1997.

133 ELETRONOTE, FUNAI E COMUNIDADES INDÍGENAS DA TERA INDÍGENA SÃO MARCOS. Atividades do Programa São Marcos. Relatório Final do período de 13/05/1998 a 06/01/2004.

resistiram, com o apoio de autoridades locais, a se retirarem da Terra Indígena, mesmo sendo indenizados.

De acordo com o relato do consultor e assessor indigenista da Eletronorte134, os invasores foram identificados e começaram-se as retiradas, cujo processo foi traumático. No começo os invasores eram chamados, recebiam e iam embora. Nesse momento, relacionavam- se as suas benfeitorias, com os respectivos valores. Dois receberam e depois um grupo de pessoas foi para a porta da FUNAI protestar, não deixando ninguém mais entrar para receber. De acordo com Repetto (2005), esses protestos ocorreram de forma alarmista, em fevereiro de 1999, quando os produtores chamaram a população de Boa Vista para distribuir três toneladas de arroz e cinco toneladas de carne. Um dos focos do conflito concentrou-se sobre a colônia Samã, onde os invasores foram os últimos a se retirar, contando com o apoio do governo estadual. Os terrenos foram invadidos por organizações indígenas, pressionando para que os invasores se retirassem. Nesse conflito, a justiça ordenou a retirada dos indígenas de seus próprios territórios. Então, a Eletronorte teve que acionar a justiça, entrando com uma ação para retirar os invasores, um a um. Nesse processo, houve a participação da FUNAI local, que se manifestou contra a retirada dos invasores.

Diante desses fatos, a Eletronorte entrou com uma ação na justiça federal. Essa ação resultou na prisão preventiva do indigenista da Eletronorte, Porfírio de Carvalho, decretada pelo juiz federal135, que alegou que o indigenista estava fazendo justiça com as próprias mãos. Segundo o indigenista, não andava armado e nunca tinha batido em ninguém. Depois de passar uma semana preso, continuou com o trabalho, afirmando que o fato acontecido, apesar de desagradável, não tinha alterado em nada o trabalho que estava desenvolvendo nas comunidades indígenas. Além dos fatos descritos acima, o técnico da Eletronorte, Senhor Jorge Curi Sadi relatou outros problemas que ocorreram nesse processo de retirada dos invasores:

Para poder a linha passar pela área indígena, teve muito problema. Porque o cara às vezes era indenizado e aí se mudava um pouquinho mais para frente – já sabia o encaminhamento da linha - e pedia nova indenização. Tiveram muitos problemas ali. Isso sempre vai existir.

Apesar desses transtornos, de acordo com o relato do indigenista, os invasores saíram sem nenhum problema físico. Na medida em que os invasores iam sendo retirados, as comunidades indígenas reassumiam o seu território. Embora existam estudos que confirmem

134 Entrevista realizada em Brasília, em 14/06/2011 como Senhor José Porfílio Fontenele de Carvalho. 135Juiz Helder Girão Barreto.

a interferência do governo estadual, no depoimento de Porfírio de Carvalho (entrevista realizada em 14/06/2011), a interferência do governo do estado não existiu. E que o movimento ocorreu, mas não houve pressão por parte do governo estadual.

Sobre o Município de Pacaraima, que se localizava na Terra Indígena São Marcos, o indigenista explicou:

E porque não tiramos Pacaraima? Porque já existia uma ação movida pelo Ministério Público, anulando a criação do Município e ainda existe essa ação. Mas eu fiz uma ação diferente. Como a ocupação de terra pública não pode existir independente de ser TI ou não, Pacaraima é terra pública. Terra pública é terra pública independente de ser TI ou não, Pacaraima é terra pública. E nós entramos com ação um a um dos moradores – 300 e poucas ações contra Pacaraima. E a forma de acabar com o Município era essa. Cada pessoa tinha que se defender e não tinha defesa. Ninguém comprou de ninguém. Então todo mundo tinha que sair e derrubar a casa. E caiu na mão do juiz Helder Girão. E aí ele me deu uma liminar contrária. Nós pedimos liminar imediata da derrubada. Aqui em Brasília acontece muito. O trator passa por cima das casas. Nós não queríamos humilhar ninguém, mas que devolvessem a terra dos índios sim. (José Porfírio Fontenele de Carvalho, consultor indigenista da Eletronorte. Entrevista realizada em 14/06/2011).

No Relatório final referente às Atividades do Programa São Marcos (2004), o Município de Pacaraima é citado como uma pendência jurídica fundiária na Terra Indígena São Marcos que ainda persiste, contrariando os preceitos constitucionais. Apesar das ações judiciais movidas pela FUNAI e Ministério Público contra a instalação da sede do município dentro da TI São Marcos, a vila Pacaraima continuou se expandindo e provocando problemas ambientais e socioculturais à terra indígena e suas comunidades. Nesse sentido, Porfírio Carvalho, relator do documento, ressaltou a necessidade das comunidades indígenas refletirem sobre o assunto e desenvolverem mecanismo de defesa para que as suas terras não voltem a ser invadidas.