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3 A PESSOA JURÍDICA EMPRESÁRIA E SEUS RESPONSÁVEIS

3.2 A QUESTÃO DO DANO REFLEXO AOS RESPONSÁVEIS

Em nosso ordenamento jurídico, entende-se que as pessoas jurídicas, tais como as sociedades empresárias, tem individualidade, distinção e independência dos seus sócios ou responsáveis. No Código Civil de 1916, no artigo 20 era escrito tal asseveração, o que se entende ate então, mesmo que como Frota (2008), apontou, não tenha tratado em nenhum artigo sobre a questão, no Código Civil de 2002. Por ter a sociedade, patrimônio distinto dos seus sócios, impulso de uma atividade própria, um regime próprio, nome próprio, pode se ter a errônea ideia de uma total independência das pessoas que a compõem. A sociedade mesmo que tenha capacidade para contrair direitos e obrigações, somente faz por ordens do cérebro, responsável por comandar todo o corpo, neste caso o sócio. A pessoa jurídica não atua por meio de seus órgãos (sócios), mas os órgãos atuam através da pessoa jurídica. Loureiro (2009, p.153):

Esta pessoa (v.g., o sócio-gerente) não é um representante da pessoa jurídica. O representante está fora da estrutura da pessoa jurídica, é um mandatário, ou seja, atua em nome e por conta da mesma e seu ato é eficaz para esta em virtude do poder de representação. Por isso mesmo, certos doutrinadores referem-se ao associado, que atua como órgão da pessoa jurídica, como “presentante” e não como “representante legal”. Ela não representa a pessoa jurídica, mas é sua parte integrante, por meio da qual esta entidade expressa sua vontade.

Neste ponto, toca no assunto da consequência dessa distinção entre a pessoa jurídica e seus membros, uma vez que se não se confundem, o patrimônio de ambos são distintos, se configurando uma segurança para os credores da pessoa jurídica empresária, bem como segurança para os sócios que não respondem em seu patrimônio a mais que o limite de sua responsabilidade (LOUREIRO, 2009).

É o patrimônio da pessoa jurídica que responde pelas dívidas contraídas. Com essa facilidade começaram a gerar irregularidades, meios de burlar a lei, especialmente na modalidade de sociedades limitadas, gerando então a

necessidade de atuação da jurisdição, para se punir tais desvios. Buscou-se então a solução desses problemas através da chamada desconsideração da personalidade jurídica, onde como o próprio nome diz, se desconsidera a personalidade jurídica para buscar as pessoas que por ela respondem, inscrita no artigo 50 do Código Civil que diz:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (BRASIL, 2002).

Ao analisar a situação fática da pessoa jurídica empresária frente a possíveis atos lesivos indaga-se do seguinte: Seriam os responsáveis que respondem pela empresa, imunes a ato lesivo à “moral” da pessoa jurídica empresária? Já se estudou a questão de direito que o patrimônio da empresa é distinto de seus membros nos limites de sua responsabilidade. Alicerçados no entendimento que se construiu, de fato, a pessoa jurídica é meio de desenvolvimento das pessoas humanas que a comandam.

Adquirem lucro para realização de seus objetivos através da empresa, são conhecidos no meio empresarial como verdadeiro cérebro da empresa, externam suas vontades através da pessoa jurídica empresarial. É, portanto, a própria pessoa humana, mesmo que em coletividade como no caso da sociedade empresaria, atua através da pessoa jurídica. Entende-se então que quem sofre o dano moral é a pessoa humana, e não a pessoa jurídica pela carência de elementos que justifiquem a titularidade dos direitos da personalidade. Nesse mesmo sentido vale as palavras de Fernando Noronha apud Frota (2008, p.262):

A nosso ver, mesmo o chamado dano moral de pessoa jurídicas traduz-se em sofrimento de pessoas humanas, daquelas que são aglutinadas pela entidade „pessoa jurídica‟: esta só existe como construção jurídica, tem uma personalidade apenas instrumental. Uma imputação injuriosa ao Brasil é ofensa aos brasileiros, um ato difamatório de uma universidade é ofensa aos professores, funcionários e alunos, aos seus egressos e até à comunidade em que se inscrevem.

Portanto fazendo ponte com o tópico anteriormente tratado, indaga-se da seguinte hipótese: Não seria o objetivo final da Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, ao inscrever que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral; proteger a

pessoa jurídica em consideração à pessoa humana de seus responsáveis?

Como acima dito, e o que de fato pode ocorrer, o empresário pode sofrer muito em decorrência de uma lesão a sua empresa, mesmo que a princípio não repercuta na esfera patrimonial, atingindo assim a esfera íntima da pessoa humana, valores impossíveis de serem mensurados, podendo receber apenas tratamento lenitivo ou compensatório através da indenização.

Ao se atingir a empresa, os que exercem a atividade empresarial, sua forma laborativa, são atingidos em uma das manifestações de seu direito da personalidade, se configurando o dano moral.

Cumpre recorrer à jurisprudência e a doutrina para corroborar a afirmativa:

À luz da Constituição vigente, podemos considerar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5°, V e X, a plena reparação do dano moral. Esse é pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral, que já começou a ser assimilado pelo Judiciário, conforme se constata do aresto a seguir transcrito: “ Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável. Valores como a liberdade, a inteligência, o trabalho, a honestidade, aceitos pelo homem comum, formam a realidade axiológica a que todos estamos sujeitos. Ofensa a tais postulados exige compensação indenizatória (Ap.cível 40.541 apud CAVALIERI FILHO, 2007, p.76-77).

Assim sendo, chega-se a construção da possibilidade dos empresários que respondem pela pessoa jurídica sofrerem dano moral reflexo, uma vez que a questão da coletividade para pleitear já tem sido aceito na doutrina e na jurisprudência (CAVALIERI, 2007).

Finalmente, no tocante à limitação do número de legitimados ativos para a demanda, o eminente Desembargador André Gustavo C. de Andrade da 7ª Câmara Cível do TJ-RJ in "Estudo Sobre a Evolução do Dano Moral", publicado na Revista da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro 24/141, acrescentou que “a cada legitimado à indenização por dano moral deverá tocar uma verba independente, correspondente à dor e à perda de cada um para a obtenção de reparação pelo dano moral sofrido. Não há, em tal situação, um único direito à postulação da reparação pelo dano moral, mas tantos direitos quantos forem aqueles que tiveram a sua esfera moral ou ideal atingida reflexamente pela morte do ser querido” (ANDRADE apud ROMANO, 2011).

A jurisprudência já tratou sobre a questão quando do julgamento do caso das pílulas de farinha, com ampla repercussão.

Civil e processo civil. Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de São Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das pílulas de farinha'.Cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação e à compensação pelos danos morais sofridos. [...] A mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos, e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais, em liquidação posterior. Recurso especial não conhecido (STJ, REsp. 866.636/SP apud NUNES PEREIRA, 2010).

Portanto, o que se vê é que, o Superior Tribunal de Justiça se manifesta a favor da possibilidade do dano moral atingir a coletividade, onde se enquadra a questão dos sócios da empresa, o que não seria diferente, em face de toda a matéria de fato e de direito apresentadas. Em suma, uma lesão à pessoa jurídica empresária pode atingir os direitos da personalidade estendidos a esse ente, tal como a honra objetiva e ainda, no modo reflexo, atingir algum direito da personalidade das pessoas humanas que por ela respondem.

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