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A questão social

No documento TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO (páginas 32-36)

O dito trabalho artístico realizado e admitido no Brasil não é visto com os mesmos olhos, nem sob o mesmo prisma que aquele que se observa em carvoarias, minas, agricultura, fábricas.

Estes são amplamente aceitos como terríveis, perniciosos e inaceitáveis. São considerados verdadeiras forma de exploração de crianças e adolescentes, sofrendo intenso combate da sociedade, bem como das autoridades constituídas pela legislação pátria.

Segundo Gonzalez (2016, p. 01) "as pessoas assistem com mais naturalidade quando o trabalho é artístico. Mas tanto em novelas quanto nas lavouras há trabalho infantil e ele é proibido".

Há inclusive previsão expressa no artigo 3º da Convenção nº. 182 da Organização Internacional do Trabalho:

Artigo 3º

Para efeitos da presente Convenção, a expressão "as piores formas de trabalho infantil" abrange:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;

b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;

c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e,

d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.

Ademais, segundo o artigo 4º verifica-se que cabe a cada país definir o que pode ser considerado como piores formas de exploração do trabalho infantil:

Artigo 4º

1. Os tipos de trabalhos a que se refere o Artigo 3, d), deverão ser determinados pela legislação nacional ou pela autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas e levando em consideração as normas internacionais na matéria, em particular os parágrafos 3 e 4 da Recomendação sobre as piores formas de trabalho infantil, 1999.

2. A autoridade competente, após consulta às organizações de empregados e de trabalhadores interessadas, deverá localizar os tipos de trabalho determinados conforme o parágrafo 1º deste Artigo.

3. A lista dos tipos de trabalho determinados conforme o parágrafo 1º deste Artigo deverá ser examinada periodicamente e, caso necessário, revista, em consulta com às organizações de empregados e de trabalhadores interessadas.

Percebe-se portanto que compete ao Poder Legislativo, através de exercício sua função legiferante, como legítimo representante do povo e da sociedade determinar o que pode ser considerado como piores formas de trabalho infantil de crianças e adolescentes.

Assim, verifica-se que a questão social influenciará preponderante sobre o que será permitido ou que será proibido em relação a trabalho artístico de crianças e adolescentes.

Destaca-se que a sociedade brasileira, primeiramente, não via com bons olhos o trabalho artístico, nem mesmo aquele realizado por adultos. Havia certo sentimento de discriminação em relação às pessoas que laboravam nesta área.

No entanto, com o veemente crescimento do capitalismo, a sociedade percebeu que esta área também poderia gerar grandes lucros e aos poucos acabou sendo cada vez mais reconhecida e aceita dentro da sociedade.

Percebe-se dentro da sociedade brasileira um verdadeiro recrudescimento da coisificação da cultura. A arte é vista com fonte de renda e passa a ser tratada como objeto de exploração.

Desta forma, cita-se que:

Importa, também, anotar que há um grande leque de oportunidades para o desenvolvimento e exibição artística da criança e do adolescente atuando como atores em eventos promovidos sem fins lucrativos, entre outros, em escolas e instituições voltadas para formação artística, em clubes recreativos, em atividades de programas sociais, ainda que precedidas de ensaios, decoração de textos; tudo desde que não haja distorção de meios e fins e que não haja, entre outros, prejuízo à frequência à escola com sucesso. Estas atividades, pois, dado seu caráter educativo, devem ser incentivadas”. (OLIVEIRA, 2008, p. 10

É notório o sentimento brasileiro de utilizar a arte como forma de exploração do capital, mormente pelas inúmeras pessoas que tentam ser cantores e dançarinos, a participação maciça em realities shows televisivos como Big Brother Brasil.

Há ainda um enorme indústria por detrás dos processos seletivos de modelo, atrizes e

atores, cantores dentre vários outros, ensejando o sentimento de fama, sucesso e boa continua sendo uma forma de trabalho infanto-juvenil, merecendo tanto cuidado da lei com qualquer outra atividade laboral que venha a ser exercida por uma criança ou adolescente. Ocorre, assim, na contramão da legislação e ideologia pregada, um verdadeiro incentivo ao trabalho e, consequentemente, à exploração infantil. A legislação brasileira, nesse ponto específico, é omissão, não esclarecendo suficientemente sobre assunto do trabalho artístico infanto-juvenil, apesar de tal atividade fazer parte da realidade cotidiana da sociedade. (MOURA, 2017, p. 22).

No meio infantil a realidade também não se mostra de maneira distinta, já que há vários programas apresentados por crianças, ou nos quais as crianças são a atração principal, como o programa Bom Dia e Cia do Sistema Brasileiro de Televisão e o Ídolos Kids na Rede Record.

Cita-se, nesse sentido:

A questão do trabalho artístico desempenhado por crianças e adolescentes sempre suscitou discussões. Há os que entendem que não se pode impedir que os pequenos demonstrem seus dons criativos, proibindo-os de cantar, representar e dançar em público, compor, desfilar etc. Outros opinam que este tipo de trabalho é tão árduo quanto aos demais e que, assim como todos os outros, roubam da criança o tempo necessário para estudar, brincar e desenvolver-se”. (MOURA, 2017, P. 21 apud MINHARRO, 2003, p. 61/62).

Há dessa forma, intensa valorização da cultura da mídia como forma de exploração do trabalho adulto, sobretudo do infantil. Sob a falácia do sucesso e do enriquecimento, permite-se livremente a exploração de crianças e adolescente no trabalho artístico.

Assim, a sociedade brasileira aceita livremente o trabalho infantil no meio artístico, chegando-se ao ponto de inclusive nem mesmo o considerar como uma forma de trabalho, como meio de mascarar a possibilidade de auferimento lucrativo significante pelos pais, crianças e adolescentes.

Segundo Moura (2017, p. 02) "a sociedade recrimina aqueles que exploram esses pequenos trabalhadores; contudo, quando se trata do trabalho infantil artístico, parece ocorrer justamente o contrário: a atividade é perfeitamente aceita e até mesmo incentivada e financiada pela sociedade".

Cita-se que:

“Paradoxalmente, a sociedade contemporânea olha com simpatia e aprovação para as crianças artistas, algumas fazendo espetáculos teatrais várias vezes por semana há meses, outras presentes diariamente nos canais televisivos, em novelas ou apresentação de programas. Vivemos na sociedade do espetáculo, o artista famoso é visto como alguém que chegou no “Olimpo Contemporâneo” criado em torno do mito das celebridades. Por isso, é fácil entender o deslumbramento de pais e filhos com a carreira artística. (MOURA, 2017, P. 21 apud CAVALCANTE 2013, p.140).

Percebe-se, portanto, que o trabalho infantil artístico passa a ser aceito de maneira positiva pela sociedade brasileira de exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, ainda que abaixo da idade limite permitida pela legislação em vigor no país.

Há certa tendência de aceitar-se a ascensão social familiar por intermédio da exploração do trabalho infantil no meio artístico conquanto não o seja nos casos de exploração do trabalho de crianças e adolescentes em certos locais como carvoarias, fábricas, dentre outros.

Cita-se que:

Há um enorme paradoxo com respeito ao tema do trabalho infantil artístico no Brasil. Pode haver, inclusive, a comparação com a discussão acerca do direito dos pais de submeterem os filhos a castigos corporais (lei da palmada). Ao passo que há desaprovação teórica, geral e abstrata sobre o fato do pai poder bater em seu filho, na prática educacional costuma-se defender esse direito. Da mesma forma, quando se fala do trabalho infantil, há enorme consenso de que o mesmo deva ser erradicado (ainda que em bolsões de pobreza seja comum a defesa do trabalho como instrumento educacional da criança pobre). Todavia, impressiona o silêncio que há sobre os atores-mirins que aparecem em novelas, programas de auditório ou especificamente voltados para o público infantil. Há uma aceitação e consumo geral do trabalho dessas crianças e adolescentes, como se o fato de estarem no seio de um imaginado glamour da mídia, sendo mediadores de entretenimento para as massas, ocultasse o fato de que a interpretação artística infanto-juvenil em uma novela é trabalho, enquadrando-se perfeitamente na definição da CLT: „Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (MOURA, 2017, p. 20).

Não se pretende defender a exploração do trabalho de crianças e adolescentes em certos locais como carvoarias, fábricas, mas, sim, demonstrar que em ambos os locais, há exploração inadequada do trabalho infantil.

Em todos os casos verificam-se prejuízos à formação física e intelectual. A única diferença que se percebe, embora seja de quantias monetárias vultuosas, é o valor dos salários recebidos pelas crianças exploradas.

No documento TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO (páginas 32-36)

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