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A REALIDADE ECONÔMICA DA REDE DE DISTRIBUIÇÃO

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 73-76)

CAPÍTULO 2 - O ENFOQUE COLETIVO: A REDE DE DISTRIBUIÇÃO

2.1. A REALIDADE ECONÔMICA DA REDE DE DISTRIBUIÇÃO

A explosiva evolução dos sistemas informáticos e de telecomunicações (que, em sua interação, são conhecidos como telemática) tem acelerado as mudanças organizacionais no mundo das grandes corporações. Uma delas, que interessa assinalar aqui, reside na formação de redes empresariais, congregando e integrando dezenas, centenas e, quiçá, até milhares de unidades empresariais juridicamente autônomas, que passam a ser coordenadas por, ou mesmo subordinadas a, um ou alguns poucos centros decisórios. Na visão de um intérprete desse fenômeno, as redes, não mais as empresas isoladas, vão se tornando a unidade operacional real da economia.219 Em alguns setores da economia, essa complexa e dinâmica articulação interempresarial revela-se mais claramente aos olhos do observador. Consideremos a indústria automobilística, em que estão presentes todos os fatores que estimulam a formação de redes: os altos investimentos necessários à instalação de plantas industriais, a renovação acelerada de modelos, a operação sob uma ótica global, não mais nacional, o relacionamento com um sem-número de produtores e comerciantes, a montante e a jusante da atividade produtiva da montadora. Tudo isso estimula a distribuição de atividades, custos e riscos entre os múltiplos integrantes da cadeia de produção-comercialização, sob a batuta coordenadora/orientadora da montadora. A atividade desta, tendencialmente, vai se tornando cada vez mais imaterial, no sentido de pesquisar, conceber, organizar, gerenciar, delegando parcelas crescentes das atividades materiais de produção a terceiros. Na arguta observação de um autor, a grande empresa transforma-se num feixe

219 Castells, A sociedade em rede, p. 190: “(•■•) a convergência entre as exigências organizacionais e a transformação tecnológica estabeleceu a integração em redes como a forma fundamental de concorrência na nova economia global. As barreiras que impediam o acesso aos setores mais avançados, como o eletrônico e o automobilístico, elevaram-se, transformação e as novas tecnologias da informação, surgiu uma nova forma organizacional como característica da economia informacional/global: a empresa em rede.

Para definir a empresa em rede de forma mais precisa, relembro minha definição de organização: um sistema de meios estruturados com o propósito de alcançar objetivos específicos. Ainda acrescentaria uma segunda característica analítica, adaptada (em versão pessoal) da teoria de Alain Touraine. Sob uma perspectiva evolucionária dinâmica, há uma diferença fundamental entre dois tipos de organizações- organizações para as quais a reprodução de seu sistema de meios transforma-se em seu objetivo organizacional fundamental; e organizações nas quais os objetivos e as mudanças de objetivos modelam e remodelam de forma infinita a estrutura de meios O primeiro tipo de organizações, chamo de burocracias, o segundo, de empresas

Com base nessas diferenças conceituais, proponho o que acredito ser uma definição (não-nominalista) potencialmente útil da empresa em rede- aquela forma específica de empresa cujo sistema de meios é constituído pela intersecção de segmentos de sistemas autônomos de objetivos Assim, os componentes da rede tanto são autônomos quanto dependentes em relação à rede e podem ser uma parte de outras redes e, portanto, de outros sistemas de meios destinados a outros objetivos. Então, o desempenho de uma determinada rede dependerá de dois de seus atributos fundamentais- conectividade, ou seja, a capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre seus componentes; coerência, isto é, a medida em que há interesses compartilhados entre os objetivos da rede e de seus componentes”.

de contratos, num pólo de coordenação de atividades materiais externas.220 Com isso, opera-se, para citar ainda uma terceira referência, um fenômeno de concentração (do poder) sem centralização (de atividades), que garante enorme flexibilidade na gestão empresarial, com transferência e diluição dos custos dessa flexibilidade entre os integrantes da rede. É este o pano de fundo que nos permite compreender a integração de empresas no exercício da função distributiva.

Os contratos de distribuição em exame são instrumentos, já o vimos, de uma política de distribuição de bens e serviços a um só tempo descentralizada e integrada.

Busca-se a multiplicação de pontos de venda em um ou vários territórios em que se pretenda promover ativamente a comercialização de bens e serviços. Assim, para além das individualmente consideradas, o que importa é o plural, a visualização dos contratos em seu conjunto. O relacionamento entre cada distribuidor e o fornecedor somente adquire pleno significado no contexto coletivo da rede.

O crescimento das redes modernas de distribuição costuma ocorrer de forma relativamente ordenada, segundo uma planificação estabelecida pelo principal. Não se trata, como já tivemos oportunidade de constatar supra, de um mero crescimento quantitativo e aleatório do número de distribuidores. O principal procura não só disciplinar a atuação territorial de seus distribuidores -- daí a razão das cláusulas de exclusividade, que examinaremos adiante - como também estabelecer parâmetros de atuação para estes. Não se trata mais, para o distribuidor, de comprar para revender ao seu talante, mas de proceder à revenda de acordo com métodos, técnicas, sistemas, padrões, estabelecidos pelo principal. Cada concessionário, cada franqueado, torna-se peça de uma complexa engrenagem econômica, parte de um sistema racionalizado de distribuição.221 Opera-se, então, o fenômeno da integração econômica, a respeito do qual já tivemos ensejo de dissertar sob o enfoque bilateral. Essa integração não se dá apenas no contexto de uma relação bilateral fornecedor-distribuidor, mas também dentro da moldura mais ampla da rede.222 Os distribuidores, portanto, exercem uma atividade comercial ordenada a partir de um centro de poder que lhes é externo. Perdem, com isso, parte expressiva de sua autonomia decisória, transformando-se em unidades empresariais semi-autônomas.

O principal logra, com isso, incorporar ao seu projeto empresarial, para desempenho de uma função distributiva, estabelecimentos dos quais não é titular no sentido jurídico. Configura-se uma atividade empresarial que perpassa diversas sociedades, transforma-as em órgãos de uma função econômica, controlada por um

220 Calixto Salomão Filho, O novo Direito Societário, p. 27.

221 O concessionário, segundo Guyenot, Les contrats ..., p. 41, transforma-se em órgão, em um aparelho racionalizado e concentrado de distribuição.

222 Amiel-Cosme, Les réseaux p. 179; Guyenot, op cit., p 55

centro. Em outras palavras, surge, por assim dizer, uma empresa plurisocietária, isto é, uma empresa de rede que instrumentaliza as empresas dos distribuidores. Rompe-se a correspondência entre empresa e sociedade.223 Em outras palavras, a uma realidade econômica unitária ou quase unitária (a empresa em rede) contrapõe-se uma realidade jurídica fragmentária (as diversas sociedades que recobrem braços da rede).224 Como o Direito dá conta desse fenômeno?

223 Esse fenômeno é captado por G. Ferri, Manuale di Diritto Comerciale, 9. ed., Torino, UTET, 1993, p. 530

“L’impresa rimane economicamente unica, perché unica è la mente direttiva, unica la fonte finanziana, unitaria e umtariamente concepita è Pazione economica ehe si realizza attraverso le singole operazioni, ma giuridicamente Pumtà delPimpresa si risolve nella pluralità delle organizzazioni autonome anche se funzionalmente collegate”. Para Calixto Salomão Filho, O novo p 27, opera-se uma interpenetração das personalidades jurídicas das diversas empresas pela personalidade jurídica da empresa organizadora.

224 Francesco Sette, Dal gruppo di imprese alPimpresa di gruppo, Rivista di Diritto Civile, a. XXIV , n. 2, p. 267-300, m ar/abr 1988, p 267

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 73-76)