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A DETERMINAÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 116-119)

Como vimos, à diferença do que normalmente ocorre em um contrato de execução continuada de fornecimento de bens e serviços, onde são fixadas de antemão as quantidades e os respectivos preços, os contratos de distribuição, especialmente os de concessão comercial, são celebrados, regra geral, sem determinação inicial de quantidades (ressalvada a cláusula de quotas, da qual já falamos) e de preços. E, quanto ao tipo de produto a ser distribuído, é normal que sejam alcançados pela concessão todos aqueles que integram a linha de produção do fabricante, a presente e a futura.326

Neste passo, nossa atenção será voltada para o problema da fixação dos preços.

Como atesta recente publicação do Centre de Recherche sur le Droit des Affaires, dedicada aos contratos-quadro de distribuição,327 o problema da indeterminação do preço é o que tem despertado a maior atenção da doutrina e jurisprudência na Europa, corn maior destaque, como já vimos, para a França. Naquele país, há vasto acervo jurisprudencial acerca da matéria. A Cassação, a partir da década de setenta, passou a anular contratos de distribuição, por falta de determinação do preço, fundamentada no art. 1.591 do Código Civil.328 A esse posicionamento a doutrina opôs a distinção contrato- quadro/contrato de aplicação, sendo que, do primeiro, salvo se tornasse obrigatória a conclusão de ulteriores contratos de aplicação, não precisariam constar preços para os produtos, que seriam determinados no momento em que firmados os contratos de

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aplicação. Todavia, a Cassação continuou a anular contratos, agregando novo argumento: também haveria ofensa ao disposto no art. 1.129 do Código Civil, pelo estabelecimento de cláusula potestativa em favor do fornecedor.330 Mais recentemente, porém, modificou-se a posição daquela Corte: a jurisprudência atual da Cassação vem favorecendo a utilização de tabelas de preço aplicáveis à toda rede,331 e declarando inexistir arbítrio do fornecedor, se este não abusa de suas prerrogativas ou se o critério utilizado na determinação do preço não está de todo sob seu controle.332 Assim, decisão de 30.06.92 reconhece a validade do preço de catálogo.333 Na mesma linha, decisão de 29.11.94, segundo a qual a referência ao preço de tabela do fornecedor seria suficiente para validar o contrato-quadro, tornando determinável o preço, ressalvada a hipótese de

326 A Lei n° 6.729/79, no § 2o de seu art. 3o, dispõe que os produtos lançados pelo concedente, “se forem da mesma classe daqueles compreendidos na concessão, ficarão nesta incluídos automaticamente”

j27 Le contrat-cadre' 2- la distribution, Paris, Litec, 1995.

328 “Le prix de la vente doit être déterminé et désigné par les parties”. V., a propósito, além de outros já citados, Ghestin, Traité de Droit Civil: la formation du contrat, p. 246; Ferrier, Droit de la distribution, p. 231.

329 Conforme relata Ferrier, op cit., p. 232 Há autores que aprovaram o rigor jurisprudencial, caso de Virassamy, Les contrats . , p. 74, que criticou a artificialidade da distinção, já que, de qualquer forma, o contrato-quadro obrigaria a conclusão de contratos ilegais, em razão do que continuaria sendo anulável.

3j0 Alain Sayag, op. cit., p. 442; Ferrier, op. cit., p. 233.

331 Inicialmente, mesmo a referência a tabelas de aplicação geral aos membros da rede não escapava à censura jurisprudencial, segundo Ferrier, op. cit., p. 238.

332 Ferrier, op c i t , p 239

Referida por Amiel-Cosme, Les réseaux ..., p 245.

abuso na majoração dos preços de tabela, para obtenção de ganhos ilegítimos.334 Em síntese, a posição que hoje parece firmar-se, com aplauso da doutrina, é no sentido de que os preços não precisam constar do contrato-quadro, que pode remeter-se à tabela do fornecedor vigente no momento em que se concluir o contrato de aplicação, ressalvada a possibilidade de controle jurisprudencial sobre os abusos praticados pelo fornecedor.

Em outros países europeus, um menor rigor na exigência de determinação inicial do preço possibilitou a aceitação mais tranqüila dos contratos-quadro de distribuição, sem as oscilações jurisprudenciais observadas na França.335

No Brasil, o tema não parece ter despertado, até agora, em matéria de contratos de distribuição, maior preocupação doutrinária. Tampouco tem sido objeto de discussões perante os Tribunais, de sorte que não há jurisprudência acerca da matéria. Examinando- se a legislação, verifica-se que o art. 1.125 do Código Civil comina a nulidade para os contratos de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a taxação do preço, norma que se mostra inaplicável ao caso, quando se opera a distinção entre o contrato-quadro e os contratos de aplicação. Por sua vez, o Código Comercial, em seu art. 193, preceitua que, quando se faz entrega da coisa vendida, sem que do instrumento do contrato conste preço, entende-se que as partes se sujeitaram ao que fosse corrente no dia e lugar da entrega, o que dá margem para aplicação de preços de tabela, passíveis de qualificação como os preços correntes da rede. Já a Lei n° 6.729/79, no § 2o de seu art. 13, estabelece caber ao concedente a fixação do preço de venda aos concessionários, agregando uma exigência de uniformidade no preço e nas condições de pagamento, de forma a evitar favorecimentos ou perseguições a um ou alguns concessionários.

Do exposto, já se percebe que o problema fundamental não é de indeterminabilidade do preço no contrato-quadro, mas o da indiscutível supremacia do fornecedor em determinar os preços que serão adotados nos contratos de aplicação. A questão que se coloca, portanto, é a dos limites a essa supremacia. Nessa perspectiva, a extensa discussão travada em outros países aponta para a necessária uniformidade dos preços praticados pelo fornecedor, em relação aos integrantes da rede de distribuição, a qual se concretiza na aplicação de preços de tabela e de condições padronizadas de

334 Decisão referida por Amiel-Cosme, op. cit., p. 265; Christophe Jamin, L’évolution du Droit français de la concession commerciale, in Les contrats de distribution commerciale en Droit belge et en Droit français, Bernard Pinchart e Jean­

Paul Triaille (coord.), p. 229; e Alain Sayag, op. cit., p. 426.

335 Na Bélgica, segundo Nicolas Thirion e Anne Benoit-Moury, Les concessions de vente en Droit belge , in Les contrats de distribution commerciale en Droit belge et en Droit français, p 175, admite-se que a determinação do preço só ocorra no contrato de aplicação. Nesse sentido, os autores se referem a decisão da Corte de Apelo de Bruxelas, de 07 09 92 Na Itália, também há maior tolerância com a indeterminação do preço, vez que o art. 1.474 do Código Civil italiano dispõe que, sendo omisso o contrato acerca do preço, adota-se, subsidiariamente, aquele praticado usualmente pelo fornecedor, o que, na prática, implica a prevalência do preço de tabela deste. Na Inglaterra, admite-se o open price, facultando-se às partes a determinação ulterior do preço (Hugh Beale, Le Droit anglais de la distribution le

contrat-pagamento. Evita-se, assim, que o fornecedor asfixie um de seus distribuidores, mediante a prática de preços diferenciados, que tornem inviável a revenda no mercado, fazendo-o perder terreno para outros distribuidores. Por essa razão, entendemos que o § 2o, art. 13, da Lei n° 6.729/79, traz norma extensível, por analogia, à generalidade dos contratos de distribuição.

Patente, pois, mais uma vez, a relevância jurídica do enfoque multilateral dos contratos de distribuição, ou, noutras palavras, da rede de distribuição, cuja existência impede, por parte do fornecedor, tratamentos discriminatórios aos seus integrantes.336

Resta dizer que, sob o ponto de vista do Direito Econômico, idêntica conclusão se impõe. Nesse sentido, o inciso XII, art. 20 da Lei n° 8.884/94, contempla, como infração à ordem econômica, “discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços”. Também poderá incorrer em infração à ordem econômica, agora com base no inciso XXIV do mesmo dispositivo legal, o fabricante que valer-se de sua posição proeminente relativamente aos distribuidores para impor-lhes preços excessivos.

cadre ígnoré?, in Le contrat-cadre: 2- la distribution, p. 185), e aceitando-se a remissão a preço de tabela (ibidem, p 186)

336 A nosso juízo, mesmo as diferenças de preços baseadas no volume das compras, normais no comércio em geral, não são admissíveis, por possibilitarem uma discriminação entre os grandes e os pequenos concessionários, que poderá

levar, ao cabo de algum tempo, à expulsão destes últimos da rede de distribuição

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