• Nenhum resultado encontrado

DELIMITAÇÃO DO TERRITÓRIO DO DISTRIBUIDOR

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 124-128)

Nota característica das redes de distribuição é a organização espacial planejada, pelo principal, dos distribuidores, com o propósito de cobrir todo o território visado por aquele e de evitar entrechoques entre os próprios distribuidores, que poderiam decorrer de excessiva concentração destes em determinadas áreas. De fato, a divisão territorial dos pontos de distribuição pode ser uma condição para o funcionamento eficaz da rede, evitando uma concorrência desordenada entre os distribuidores, indesejável especialmente em relação a produtos de maior grau de tecnicidade, que exigem do distribuidor a concentração de esforços não apenas na venda, mas também na prestação de assistência técnica. Forma de se obter esse resultado é o estabelecimento da zona de atuação de cada distribuidor, matéria que normalmente é contemplada nos instrumentos

contratuais, às vezes até por injunção legal.352 '

A delimitação territorial das áreas operacionais de distribuição, por si só, não garante exclusividade ao distribuidor, cláusula da qual trataremos no item subseqüente, já que, para atuar num mesmo território, o fabricante pode eleger diversos distribuidores.353 Mas lhe dá o direito de questionar a invasão ativa de seu território por distribuidores de outras áreas. Nessa hipótese, a delimitação espacial poderá ser oposta tanto aos invasores que integram a rede,354 como ao próprio fabricante, caso este se omita de reprimir o ato, com os instrumentos contratuais de que dispõe. Não é oponível, contudo, a terceiros não integrantes da rede de distribuição, que não estão comprometidos com a observância de divisões territoriais, hipótese em que restará aos distribuidores prejudicados voltarem-se contra o principal, exigindo-lhe a reação contra o free-rider, seja pela recusa de venda,355 seja pelo condicionamento desta à observância das áreas já demarcadas, seja pela sua integração à rede. A omissão do principal, aqui, também ensejará a sua responsabilização pelo distribuidor prejudicado, pois, se opta por racionalizar o processo distributivo, impondo diversos ônus e restrições aos distribuidores, cumpre-lhe garantir que os aderentes à organização distributiva não sejam prejudicados pelos “livres-corredores”.

A delimitação de áreas de distribuição impede que os distribuidores assumam posturas ativas de oferta de bens e serviços fora das áreas que lhes foram designadas,

352 A Lei n° 4.886/65 preceitua que do contrato de agência deverá constar, obrigatoriamente, dentre outros elementos, a

“indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação” (art. 27, “d”). Por sua vez, a Lei n° 6 729/79 estabelece ser inerente ao contrato de concessão comercial de veículos automotores a “área operacional de responsabilidade do concessionário para o exercício de suas atividades” (art. 5o, I). A fixação de áreas demarcadas deverá ser feita pela convenção de marca (art. 19, V)

353 Ao tempo em que estipula ser inerente à concessão o estabelecimento de uma área operacional, a Lei n° 6 729/79, no art 5o, § Io, dispõe que a área poderá conter mais de um concessionário da mesma rede

j54 Como visto supra, teríamos aqui uma situação típica de oponibilidade e, quiçá, algo mais’ a existência de uma obrigação plurilateral, conquanto contida num contrato que, essencialmente, é bilateral.

diretamente ou por meio de intermediários.356 Daí não se segue que devam, ou melhor, que possam recusar-se a realizar operações com adquirentes domiciliados em outras áreas, pena de incorrerem nos tipos legais que punem a recusa de venda.357 A Lei n°

6.279/79, aliás, ao tempo em que estabelece ser inerente ao contrato o estabelecimento de área operacional para o concessionário (art. 5o, I), dispõe que o consumidor, à sua livre escolha, poderá proceder à aquisição de bens e serviços em qualquer concessionário (art. 5o, § 30),358 faculdade, diga-se de passagem, que não poderá ser limitada, mediante a recusa de prestação de serviços obrigatórios de garantia, a cargo de todos os concessionários da rede, sem vinculação ao concessionário onde tenha sido adquirido o veículo (art. 5o, § 4o), pois a territorialização-da garantia, assinale-se, acabaria por restringir a faculdade de escolha do consumidor.

Problema específico que se insere na questão da delimitação de áreas diz respeito à existência de uma proteção territorial mínima em favor do distribuidor, quando inexiste cláusula de exclusividade. Com essa idéia, se buscaria evitar uma concorrência predatória e destrutiva entre os membros da rede de distribuição, garantindo-lhes uma perspectiva de rentabilidade. Nos EUA, algumas legislações estaduais outorgam essa proteção territorial mínima ao franqueado. À guisa de exemplo, mencionamos a seção 523H.6 da Franchises Law do Estado de lowa, que traz disposições quanto ao chamado encroachment, isto é, a instalação de novo estabelecimento em situação de

“unreasonable proximity of an existing franchisee” 359 Já no Brasil, a Lei no 6.279/79, ao invés de lançar mão de um conceito indeterminado, optou por delegar à convenção de marca, acordo a ser celebrado entre o fabricante de veículos e entidade representativa de sua rede de concesssionários, a fixação de distâncias mínimas entre os concessionários

j55 Sobre a licitude dessa recusa, remetemo-nos ao que será dito infra em tema de exclusividade territorial.

356 Lei n° 6 279, art 5o, part. 2o.

357 Lei n° 8.137/90, art. 7o, VI.

j}8 Vale a pena comparar as redações anterior e atual dos dispositivos pertinentes: “§ 2° Na eventualidade de venda de veículo automotor ou implementos novos a comprador domiciliado em outra área demarcada, o concessionário que a tiver efetuado destinará parte da margem de comercialização aos concessionários da área de domicílio do adquirente”

(versão original), ”§ 2o O concessionário obriga-se à comercialização de veículos automotores, implementos, componentes e máquinas agrícolas, de via terrestre, e à prestação de serviços inerentes aos mesmos, nas condições estabelecidas no contrato de concessão comercial sendo-lhe defesa a prática dessas atividades, diretam ente ou por intermédio de prepostos, fora de sua área demarcada” (redação determinada pela Lei n° 8.132/90), “§ 3o Por deliberação do concedente e sua rede de distribuição, o concessionário poderá efetuar a venda de componentes novos fora de sua área demarcada” (texto original); “§ 3o O consumidor, à sua livre escolha, poderá proceder à aquisição de bens e serviços a que se refere esta Lei em qualquer concessionário” (redação determinada pela Lei n° 8 132/90) Assinale-se que, mesmo sob a égide da redação anterior do art 5o da Lei n° 6 729, o Superior Tribunal de Justiça acabou por reconhecer a possibilidade dos concessionários realizarem negócios com consumidores domiciliados na área de outros concessionários. Bem verdade que, no julgamento do REsp n° 1166/89, a 4a Turma, por maioria, em 09 04.91, Rei Ministro Athos Carneiro, considerou devida a comissão ao concessionário prejudicado, mesmo que o concessionário autor da venda tenha sido procurado pelo cliente, não assumindo uma postura ativa Todavia, a mesma 4a Turma, em 27 06.94, ao julgar o REsp n° 37 822/93, Rei. Ministro Torreão Braz, entendeu, por unanimidade, que a norma do art. 5o, § 2o, da Lei n° 6 729/79 apenas tolhia a captação ativa de clientela fora da zona demarcada do concessionário, não alcançando a hipótese em que o próprio consumidor busca em outras áreas a melhor oferta No mesmo sentido. REsp n° 59.382/95, 3a Turma, un, Rei Ministro Waldemar Zveiter, j. 24.06.96.

359 “Notwithstanding the terms, provisions or conditions of an agreement or franchise, if a franchisor seeks to establish a new outlet, company-owned store, or carry-out store within an unreasonable proximity of an existing franchisee, the existing franchisee, at the option of the franchisor, shall have either a right of first refusal with respect to the proposed new outlet, company-owned store, or carry-out store or a right to compensation for market share diverted by the new outlet“

(art. 5o, II, c/c art. 19, V), segundo critérios de potencial de mercado. Acresce que o concedente poderá contratar nova concessão, em área delimitada, apenas “se o mercado de veículos automotores novos da marca, na área delimitada, apresentar as condições justificadoras da contratação que tenham sido ajustadas entre o produtor e sua rede de distribuição” (art. 6o, I, c/c art. 19, VII), hipótese na qual o concessionário preexistente na referida área concorrerá com os demais interessados, em igualdade de condições (art. 6o,

§ 1o). Mas, mesmo à míngua de legislação expressa, uma certa proteção territorial pode decorrer do princípio da boa-fé contratual, na sua função integrativa. Com efeito, quanto mais investimentos são exigidos para a instalação do estabelecimento distribuidor e quanto mais mecanismos de controle existem sobre a atividade do distribuidor, tanto mais é de se exigir respeito às expectativas de lucratividade deste, que podem ser frustradas pela instalação de novos distribuidores em áreas demasiado próximas.360 Se não se pode exigir do fabricante uma garantia de lucratividade, quando menos se pode esperar dele a omissão de atos que possam frustrar as legítimas expectativas do distribuidor nesse sentido.361

Outro reflexo da distribuição geográfica dos distribuidores, da organização da rede, e que, a nosso ver, independe de expressa previsão legal ou contratual, é a interdição ao fabricante de fazer vendas diretas nas áreas atribuídas aos distribuidores. Mais uma vez, é a boa-fé objetiva que impõe uma obrigação de não-fazer ao fabricante. Ao optar pela distribuição indireta, ao lançar mão de uma série de técnicas para racionalizar e disciplinar essa rede, ao exigir do distribuidor a observância de diversos limites, organizacionais, comerciais, técnicos, espaciais, ao desenvolvimento de sua atividade, o fabricante assume, salvo expressa previsão em contrário, a obrigação de não concorrer com ele, ou, se o fizer, de remunerá-lo pelos negócios que efetivou em seu território.362 Tanto mais, se, atuando diretamente, o fabricante vem a canalizar em seu proveito a

j60 Nesse sentido, Echebarría Sáenz, El contrato de franquicia, p. 103: “La propia naturaleza dei contrato es la que se halla en juego en la cuestión, la noción de integración en un sistema comercial supone la racionalización de los recursos integrados, aspecto dei que se responsabiliza el franquieiador, que defraudaria su obligación no contemplando um aspecto básico como es el grado de concentración promocional. Si existe racionalización dei esfuerzo promocional dei distribuidor (cuotas de compra y venta mínimas), necesariamente há de existir Ia correlativa racionalización dei esfuerzo promocional em el ambito espacial, y aqui la única cuestión es determinar cuál es dicho mínimo insoslayable em el caso concreto” (destaque nosso).

361 Para Christine Matray, Le contrat de franchise en Droit belge, in Les contrats de distribution commerciale en Droit belge et en Droit français, p. 100, a obrigação de colaboração leal entre as partes está a impedir que o franqueador conceda a terceiros direitos que possam comprometer a prosperidade do franqueado Segundo noticia Virassamy, Les relations entre professionnels em Droit français, in La protection de la partie faible dans les rapports contractuels, Jacques Ghestin e Mareei Fontaine (coord.), Paris, LGDJ, 1996, p. 499, a Corte de Cassação francesa, em julgado de 19 12 89, já decidiu caracterizar-se ofensa ao princípio da boa-fé e ao equilíbrio contratual se permitir a instalação de novo distribuidor em área muito próxima a distribuidor já instalado, criando condições de concorrência prejudiciais 362 A Lei n° 6 729/79, em seu art 15, admite as seguintes hipóteses de venda direta pelo concedente i)

clientela já angariada pelo distribuidor, hipótese em que estará se locupletando do trabalho alheio, em hipótese característica de enriquecimento sem causa.

No documento LEONARDO SPERB DE PAOLA (páginas 124-128)